![Compulsão por doces](https://img.iol.pt/image/id/66747584d34ebf9bbb3edeee/1024.jpg)
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A relação entre emoções e alimentação é complexa e multifacetada. Quem nunca procurou conforto num doce após um dia difícil?
A compulsão por doces e outros alimentos é um fenómeno comum que afeta muitas pessoas, especialmente em momentos de stress ou desconforto emocional, podendo estar associada a uma tentativa de preencher "lacunas" emocionais ou vazios afetivos ("carência emocional"). Vários estudos têm explorado a ligação entre compulsão alimentar e estados emocionais, mostrando que a compulsão por doces e outros alimentos muitas vezes serve como estratégia para lidar com emoções negativas, stress e insatisfação emocional. Os resultados destes estudos indicam, também, que a compulsão por doces está frequentemente associada a sentimentos de vazio emocional, baixa autoestima e dificuldades em lidar com o stress e apontam para que indivíduos que experienciam altos níveis de ansiedade, depressão ou solidão sejam mais propensos a desenvolver comportamentos alimentares compulsivos.
Tanto ao nível clínico como no dia-a-dia surgem casos e relatos de pessoas que partilham e descrevem sentir-se envergonhadas, frustradas e muitas vezes culpadas por não conseguirem controlar os seus desejos e “lutam” contra esta compulsão.
Importa salientar que a compulsão alimentar e a tentativa de regulação emocional através da comida não se limitam apenas aos doces. Alimentos salgados, gordurosos e ricos em hidratos de carbono também podem desempenhar um papel semelhante. Estes alimentos podem proporcionar uma sensação temporária de conforto e prazer, devido à libertação de neurotransmissores como dopamina e endorfinas, que estão associados ao prazer e bem-estar. O açúcar, em particular, é conhecido por provocar uma rápida elevação dos níveis de energia e do humor, mas esse efeito é de curta duração e pode levar a uma sensação subsequente de cansaço e mais desejo por açúcar, perpetuando o círculo de compulsão.
A teoria do "comer emocional" sugere que o consumo excessivo de alimentos ricos em açúcar e gordura pode ser uma tentativa de regular emoções negativas. Esta teoria preconiza que as pessoas muitas vezes usam a comida como uma forma de lidar com emoções negativas, como stress, ansiedade, tristeza ou tédio/aborrecimento. Deste modo, em vez de comer apenas por fome física, come para obter conforto emocional numa tentativa de encontrar conforto em momentos de stress ou tristeza
Este comportamento pode levar ao consumo excessivo de alimentos, particularmente aqueles ricos em açúcar, gordura e calorias, o que pode resultar em ganho de peso e problemas de saúde associados, como obesidade e doenças metabólicas.
Deste modo, e embora a utilização de comida como uma estratégia de coping (estratégia utilizada de forma consciente para lidar com os problemas e stress percebido) possa proporcionar alívio temporário, a longo prazo, esta abordagem pode levar a vários problemas, nomeadamente:
- Problemas de saúde física: o consumo excessivo de alimentos açucarados e gordurosos pode levar ao aumento de peso, obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardíacas. A compulsão alimentar pode contribuir significativamente para estes problemas de saúde.
- Saúde mental: depender da comida para regular as emoções pode impedir o desenvolvimento de estratégias de coping mais saudáveis e eficazes. A psicóloga Susan Albers observa que a utilização de comida como única fonte de conforto pode levar a sentimentos de culpa, vergonha e baixa autoestima.
- Círculo vicioso: a regulação emocional através da comida pode criar um círculo vicioso. A sensação de bem-estar provocada pelo consumo de certos alimentos é temporária, levando a mais episódios de compulsão quando o efeito passa, o que pode agravar a carência emocional e o stress.
- Problemas relacionais: a compulsão alimentar pode afetar as relações interpessoais, pois o indivíduo pode preferir comer em segredo, evitando interações sociais. Isto pode levar ao isolamento social e a dificuldades nas relações pessoais.
- Problemas financeiros: a compra constante de alimentos específicos para satisfazer as compulsões pode levar a problemas financeiros, especialmente se forem alimentos caros ou comprados em grande quantidade.
A maioria da literatura acerca desta temática sugere que intervenções focadas no desenvolvimento de competências de autorregulação e no fortalecimento do autoconhecimento podem ser eficazes para quebrar o círculo de compulsão alimentar.
O primeiro passo é compreender as emoções subjacentes que desencadeiam a compulsão alimentar, num profundo processo de autoconhecimento e aceitação, o que requer uma introspeção honesta e, muitas vezes, o apoio de um psicólogo que ajude a orientar esse processo, uma vez que não é fácil enfrentar as próprias vulnerabilidades, mas é essencial para curar a relação com a comida.
É também crucial desenvolver competências de autorregulação emocional. A falta de competências de autorregulação emocional foi identificada como um fator significativo. Assim, urge desenvolver a autorregulação e a consciência emocional. A autorregulação emocional é a capacidade de gerir e responder às próprias emoções de maneira saudável e adaptativa. Quando essa habilidade é escassa, as pessoas podem recorrer a comportamentos compulsivos, como comer doces, para regular as suas emoções. Desenvolver a autorregulação envolve reconhecer e entender os próprios sentimentos, bem como aprender estratégias eficazes para lidar com eles sem recorrer à comida. Daniel Goleman, autor de "Inteligência Emocional", destaca a importância da autorregulação como uma competência fundamental para o bem-estar emocional.
As terapias cognitivo-comportamentais e programas de mindfulness têm mostrado sucesso ao ajudar as pessoas a desenvolver uma relação mais saudável com a comida e com as suas emoções. Técnicas de mindfulness e práticas de meditação podem ajudar a estar mais presente e consciente das emoções, em vez de reagir automaticamente com comida. Aprender a lidar com o stress de forma saudável, seja através de exercícios, hobbies ou apoio social, também pode fazer uma grande diferença.
Além disso a compaixão por si próprio é vital (autocompaixão), na medida em que todos nós temos momentos de fraqueza. Deste modo, é importante não nos culparmos excessivamente por isso. Aceitar as nossas falhas e lidar (connosco próprios) com gentileza é importante no sentido de superá-las pacientemente e é a chave para uma recuperação duradoura.
Por fim, a compulsão por doces e outros alimentos pode ser um sinal de carência emocional, refletindo uma tentativa de preencher vazios afetivos com a alimentação. No entanto, com autoconhecimento, apoio adequado e desenvolvimento de competências de autorregulação, é possível quebrar este círculo e cultivar uma relação mais saudável com a comida e com as próprias emoções. Adotar estratégias baseadas na ciência psicológica, como mindfulness, TCC e suporte profissional, pode fazer uma diferença significativa na promoção do bem-estar emocional e físico. Cultivar uma relação mais saudável com a comida e, mais importante, connosco próprios, é um passo essencial para uma vida mais equilibrada e satisfatória.
Assim e para romper o círculo da compulsão por alimentos e abordar a carência emocional subjacente, é fundamental adotar algumas estratégias:
- Autoconhecimento: reconhecer os gatilhos emocionais que levam à compulsão alimentar é o primeiro passo. Manter um diário alimentar pode ajudar a identificar padrões entre emoções e alimentação.
- Procurar apoio: a psicoterapia pode ser uma ferramenta valiosa para explorar questões emocionais profundas e desenvolver habilidades de autorregulação. Grupos de apoio também podem oferecer compreensão e estratégias de coping/adaptação.
- Estabelecer rotinas saudáveis: praticar atividades físicas, meditação e outras formas de autocuidado pode ajudar a regular as emoções de maneira saudável.
- Nutrição consciente: adotar uma abordagem consciente à alimentação, prestando atenção às sensações de fome e saciedade, pode ajudar a reduzir os episódios de compulsão.
Caixa de sugestões
- Praticar mindfulness e meditação
A prática regular de mindfulness e meditação ajuda a aumentar a consciência das próprias emoções e a reduzir a reatividade automática ao stress e ao desconforto emocional. Técnicas de mindfulness podem diminuir a frequência de episódios de compulsão alimentar, promovendo uma relação mais consciente e saudável com a comida.
- Procurar um psicólogo: terapia cognitivo-comportamental (TCC)
A TCC é uma abordagem terapêutica que se concentra na modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais. A TCC pode ajudar a identificar e modificar padrões de pensamento negativos que levam à compulsão alimentar, promovendo estratégias de coping mais adaptativas.
- Desenvolvimento de competências de autorregulação emocional
A autorregulação emocional envolve a capacidade de reconhecer, compreender e gerir as próprias emoções de maneira saudável. Programas de literacia emocional e workshops podem ensinar técnicas eficazes de autorregulação, ajudando as pessoas a lidar com emoções negativas sem recorrer à comida.
- Manter um diário emocional e alimentar
Registar emoções e padrões alimentares diários pode ajudar a identificar gatilhos emocionais específicos que levam à compulsão alimentar (registos de automonitorização). O diário permite uma autoanálise detalhada, ajudando a reconhecer e abordar as causas subjacentes do comportamento alimentar desajustado.
- Procurar apoio profissional
Psicólogos, médicos e nutricionistas especializados em Perturbações alimentares podem fornecer apoio personalizado e estratégias de tratamento baseadas em evidências. A terapia/psicoterapia pode oferecer um espaço seguro para explorar questões emocionais profundas e desenvolver planos de tratamento individualizados.
- Participar em grupos de apoio
Os grupos de apoio oferecem um ambiente de partilha e compreensão entre pessoas que enfrentam desafios semelhantes. A participação em grupos de apoio pode proporcionar incentivo, coragem, responsabilidade e estratégias práticas para lidar com a compulsão alimentar.
- Adotar hábitos de vida saudáveis
· Incorporar atividade física regular, uma dieta equilibrada e práticas de autocuidado pode melhorar a saúde física e mental. Exercício físico e uma alimentação equilibrada ajudam a regular os níveis de neurotransmissores, reduzindo o stress e melhorando o bem-estar geral.
- Praticar a nutrição consciente
A nutrição consciente envolve prestar atenção às sensações de fome e saciedade, assim como ao prazer de comer. Esta prática ajuda a criar uma relação mais saudável e consciente com a comida, reduzindo a incidência de compulsão alimentar.
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