O Psicólogo Responde: O divórcio pode causar depressão?
Separação, divórcio. Ilustração: O Psicólogo Responde

O Psicólogo Responde: O divórcio pode causar depressão?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Ana Isabel Lage Ferreira
Psicóloga e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Pode!

No dicionário de Psicologia da American Psychological Association, podemos ler que divórcio corresponde à "dissolução legal do casamento, deixando os cônjuges livres para se casarem novamente. O divórcio pode influenciar significativamente o bem-estar, com muitos indivíduos a experimentar depressão, solidão e isolamento, dificuldades de autoestima ou outro sofrimento psicológico. O divórcio dos pais também demonstrou ter consequências negativas no ajustamento psicossocial de crianças e adolescentes."

As estatísticas mostram que nos últimos 50 anos a taxa média bruta de casamentos nos países da União Europeia desceu de 8 para 4 por 1000 habitantes, enquanto a taxa média bruta de divórcio duplicou (de 1 para 2 por 1000 habitantes). Portugal reflete também esta tendência com uma diminuição progressiva de casamentos (metade do que acontecia há 50 anos) e um aumento ainda mais evidente no número de divórcios (atingindo o pico em 2002 - quase o quadruplo do que aconteceu em 1975).

Mas hoje o casamento não é única forma de união de um casal, da formalização do seu relacionamento. E, por isso, o divórcio não é também a única forma da sua dissolução.

Entender o impacto do que é estar numa relação, e terminá-la, terá que ir além do entendimento destas estatísticas.

Há uns tempos uma amiga dizia-me: “sabes, a separação (ou divórcio) não é só o luto de uma relação, é também o luto de um projeto de vida.” E é aqui que entra a possível associação com a depressão. Porque o divórcio (ou separação) é sempre uma perda e, se há filhos, esse sentimento de ausência pode exponenciar sentimentos negativos como a tristeza, frustração, raiva, abandono ou rejeição.

Já aqui nesta rubrica foi explicada a diferença entre tristeza e depressão. Para além da intensidade e da duração há ainda o indicador da adaptabilidade. Então quando é que deixa de ser tristeza e passa a ser depressão? Quando nos impede de funcionar, e de tal forma, que é a tristeza que passa a ocupar o lugar central do nosso dia. Quando a energia necessária para fazer o que seria habitual e automático nos parece tanta que desistimos antes de começar. Quando o nosso humor e visão do mundo fica toldado por esse quadro de leitura negativo e desesperançado. Nada vai ser melhor. Nada vale a pena.

Isto pode de facto acontecer com uma separação (ou divórcio). Sobretudo se essa rutura não foi desejada ou antecipada. Mas os motivos para a separação podem ser tão diversos quantos os motivos que levam as pessoas a juntar-se desde o início. Por exemplo, um trabalho de dois investigadores holandeses em 2006 mostrou que as causas de divórcio consideradas mais graves (por exemplo, violência e infidelidade) se tornaram as menos importantes. Revelam também que tem havido uma tendência para que os motivos mais relacionais e psicológicos, ou problemas no campo do trabalho e das tarefas domésticas, tenham vindo a ser os mais referidos como causas para a separação. 

As separações tornam-se mais complicadas quando atingem um limiar mais elevado, ou seja, um ponto a partir do qual o divórcio é mesmo inevitável.

E aqui pode estar a diferença. Com as transformações sociais, relacionais e de emancipação que aconteceram nas últimas décadas, as separações ou divórcios acontecem cada vez mais antes de atingir esse limiar, não se tornando em ruturas abruptas, imprevistas ou problemáticas.

Muitas vezes, são até percebidas como a melhor opção para todos (filhos incluídos), ou como uma forma de recuperar uma trajetória de desenvolvimento e expansão pessoal ou profissional, ou de recuperar harmonia e autenticidade na relação consigo e com os outros.

A psicóloga Barbara Fredrickson, investigadora interessada no valor das emoções positivas para o desenvolvimento humano, diz-nos que esse desenvolvimento acontece em ondas de expansão e construção (“broaden & built"). Ou seja, é porque expandimos os nossos limites que teremos acesso a mais recursos que serão usados para (re)construir a nossa estrutura emocional e psicológica e que, por sua vez, é essa estrutura mais sólida que nos permitirá de novo expandir os nossos limites.

O divórcio (ou separação) também pode significar essa expansão de limites e, nesse sentido, um avanço para uma vida com mais significado, mais bem-estar, e, no limite, com menos depressão. 

Sugestões

1. Cuide da sua relação. Esta é a melhor forma de evitar o divórcio ou separação. Parece demasiado óbvio? É porque é. Relações que duram são relações que se cuidam. Neste artigo desta rubrica já falámos da importância e valor de manter relações saudáveis. 

2. Cuidar pode também significar afastar-se e separar-se da outra pessoa. Procure perceber o melhor possível como identificar e expressar as suas necessidades e entender as da outra pessoa, criando espaços de comunicação. Se sentir que não é possível ou não é produtivo, procure ajuda profissional.

3. Depois de terminada a relação é natural que sinta as emoções negativas associadas à perda. Não se apresse a eliminá-las. É preciso algum tempo para que o seu corpo e mente se adaptem ao seu novo quotidiano (rotinas, interações).

4. Mantenha proximidade com pessoas com quem se sente bem. Faça e aceite convites para sair ou estar socialmente. Se for difícil, comece por momentos mais breves e com menos pessoas.

5. Recupere alguns projetos ou hobbies que tinha deixado em suspenso ou participe em atividades e iniciativas de grupo.

6. Esteja atento a sinais de perda de energia ou desinteresse pelas suas atividades habituais. Se se mantiverem durante mais tempo do que desejaria peça ajuda profissional.

 

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