O Psicólogo Responde: dificuldade em manifestar sentimentos é sinal de alerta?
Emoções

O Psicólogo Responde: dificuldade em manifestar sentimentos é sinal de alerta?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Daniel Coelho
Psicólogo e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir" - Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

Para mergulhar no tema, impõe-se definir o que entendemos por sentimento à luz da psicologia.

Sentimento é um conceito muito próximo do de emoção (ou até confundido com este). Sem entrar em grandes tecnicalidades, uma emoção resulta de uma reposta complexa do organismo humano a um estímulo externo ou a uma situação vivida, o qual normalmente inclui: alterações psicofisiológicas (por exemplo, alteração do ritmo cardíaco), uma manifestação comportamental (por exemplo, expressão facial espontânea) e por último uma experiência subjetiva que corresponde ao que sentimos, isto é, à perceção consciente das emoções que ocorrem dentro de nós

Nem que queiramos, não conseguimos evitar sentir uma emoção ou abstermo-nos de ter consciência de um sentimento. A autorregulação das emoções (saber geri-las de forma adaptada ao mundo que nos rodeia) é das aprendizagens mais importantes que temos de realizar desde que nascemos. Entre as tarefas mais determinantes da autorregulação emocional encontra-se a expressão de emoções, isto é, a forma como comunicamos, ou como não comunicamos, o que sentimos.

A expressão de emoções é uma parte essencial do bem-estar psicológico e da vida em sociedade. Por um lado, é desta forma que os outros conseguem perceber o que sentimos e assim se podem adaptar e interagir connosco. Por outro lado, contribui para o nosso próprio equilíbrio emocional interno.

A autorregulação é uma competência que pode ser desenvolvida ao longo da vida. Saber lidar com o stress e as emoções negativas e estabelecer relacionamentos saudáveis e adequados é essencial para o funcionamento adaptado nas diversas áreas da vida. O desenvolvimento da autorregulação contribui para um maior bem-estar psicológico, maior resiliência e maior sucesso profissional ou académico a longo prazo.

A psicologia tem dedicado vários conceitos e teorias às emoções. Por exemplo, alexitimia designa a incapacidade de uma pessoa expressar, descrever ou distinguir as próprias emoções. Numa perspetiva mais positiva, a inteligência emocional é toda uma teoria centrada na importância da capacidade de processar informações emocionais e usá-las no raciocínio e em outras atividades cognitivas.

Impõe-se, como sempre, salientar que o mundo não é a preto e branco e que existem muitas formas diferentes de vivermos de um modo adaptado e feliz. Não existe uma quantidade ou uma qualidade "exata" ou "obrigatória" de sentimentos que todos nós temos de expressar. A expressão emocional varia muito de pessoa para pessoa e é influenciada por um conjunto de características como o género, a idade, o meio social e cultural e a situação específica em que ocorre.

Quando referimos que é "sinal de alerta" é porque pode ser problemático em algumas pessoas e em alguns contextos. O que é que pode então ocorrer quando temos dificuldade em manifestar sentimentos?

O que pode, desde logo, estar em causa é esta dificuldade estar associada a uma incapacidade de identificarmos e reconhecermos internamente as emoções. Se não temos noção dos sentimentos, não os podemos comunicar.

Outro motivo é que, se temos dificuldade em expressar sentimentos, podemos estar a reprimi-los e a tentar ignorar a sua existência. Durante a situação imediata vivida pode parecer uma estratégia eficaz de lidar com emoções intensas e desagradáveis. No entanto, sendo um padrão regular de comportamento, pode levar a um excessivo aumento de stress emocional, o qual pode evoluir para estados mais permanentes de ansiedade.

Não manifestar sentimentos pode originar uma acumulação interna de emoções, normalmente emoções negativas. Se não comunicamos, de alguma forma, os nossos sentimentos, acumulam-se emoções. Esta situação pode resultar em comportamentos explosivos e/ou de intensidade desproporcionada e desadequada. Tudo isto tem normalmente uma implicação direta na ansiedade e pode originar problemas de saúde psicológica subsequentes.

Uma consequência frequente manifesta-se em potenciais dificuldades de relacionamento com os outros. A expressão adequada e verdadeira de sentimentos é central no estabelecimento de relações saudáveis e significativas (sejam elas íntimas, sociais, profissionais ou outras). Se sentimos dificuldades em manifestar sentimentos, teremos dificuldades em estabelecer relações emocionais, podendo originar isolamento, falta de significado ou de intimidade com os outros. Assim, sentir-nos-emos mais sós, menos recompensados, eventualmente com menor autoestima.

Sugestões

Esteja atento a si próprio, identificando as suas emoções. Uma forma prática de o fazer é tentar descrever e colocar em palavras as nossas emoções. O primeiro passo para manifestarmos os nossos sentimentos é (re)conhecê-los.

Uma sugestão na sequência da anterior: tente associar as suas emoções aos contextos em que ocorrem. No dia a dia, ao sentir algum tipo de emoção, tente perceber quando, como e onde surge determinado sentimento. Por exemplo, existe um padrão de situações em que determinado sentimento de ansiedade ou medo se repete?

Experimente formas alternativas de expressão, que não sejam as mais normais ou frequentes para si. Atividades como a escrita, a expressão artística (por exemplo música, artes plásticas ou teatro) e o desporto podem ser formas de canalizar a expressão dos sentimentos e emoções de forma adequada e saudável.

Procure um contexto seguro e protegido para partilha de sentimentos. Aqui estamos a falar de encontrar pessoas significativas e confiáveis com quem partilhar sentimentos. Isto pode parecer simples e evidente, mas não é fácil de fazer. Implica o acto consciente de procurar alguém e dar o passo em frente de iniciar uma partilha. Pode ser difícil e até doloroso inicialmente, mas a médio prazo será compensador.

Um aspecto a considerar são situações em que percebemos que a dificuldade em manifestar sentimentos se revela noutras pessoas significativas (por exemplo filhos/as ou companheiros/as) e não em nós. É sempre crucial demonstrar disponibilidade para conversar, sem ser intrusivo, sem emitir julgamentos, dando espaço e tempo para o outro decidir e tomar a iniciativa de partilhar o assunto. Note-se que o "assunto" é a dificuldade de expressar sentimentos e não os sentimentos específicos em si.

Por fim, se sente que o problema atinge uma importância suficiente para ter impacto significativo no seu bem-estar psicológico e na sua qualidade de vida diária, procure apoio profissional. Um psicólogo será a pessoa ideal para começar a ajudá-lo, mas dar o primeiro passo depende sempre de quem tem a coragem de reconhecer que precisa de ajuda.

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