O Psicólogo Responde: Qual o impacto psicológico de um desgosto de amor?
Ilustração O Psicólogo Responde

O Psicólogo Responde: Qual o impacto psicológico de um desgosto de amor?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Ana Isabel Lage Ferreira
Psicóloga, membro da direcção da Ordem dos Psicólogos Portugueses

“Tenho medo que ele me deixe! Quando começo a perceber alguns sinais, já sei que se vai embora. Fico ansiosa, não consigo dormir.” Cristina, 38 anos, já há algum tempo que procura uma pessoa, uma relação que dure mais que alguns meses. “Se ficar sozinha, sinto que a minha vida nunca vai ser completa”, acrescenta com tristeza e desânimo na voz.
 
Viver um desgosto de amor, ter o coração partido, é uma tarefa desenvolvimental do ciclo de vida no período até à emergência da idade adulta. Amor quebrado, amor não correspondido, amor traído, amor dramático. É assim muitas vezes descrito pelos adolescentes  - “é todo um drama”! 

Mas, quando acontece mais tarde, e sobretudo quando acontece numa relação longa, o impacto na saúde psicológica pode ser o equivalente a receber a notícia de uma doença grave ou da perda de emprego.
 
Vamos então ao início.
 
Porque sentimos nós esta necessidade quase primária de encontrar um par romântico? Desde muito cedo na infância, o espaço ao nosso redor é preenchido com narrativas de felicidade à volta desse momento de encontro. As clássicas princesas da Disney, os filmes de Hollywood, as músicas de amor, o dia de S. Valentim, as manifestações de carinho nas escadas rolantes do shopping. Encontrar alguém significa também uma certa sensação de pertença, de validação do valor próprio – eu sou ok! Mas será apenas isso? Será apenas cultura e aprendizagem vicariante de modelos mais ou menos fantasiados?
 
 
O que diz a biologia?

Para além da óbvia necessidade biológica de preservação da espécie, a ligação a outra pessoa parece trazer uma co-regulação dos ritmos fisiológicos. Há uma espécie de sincronização quando se estabelece essa intimidade. Como se a carga da homeostasia quando partilhada fosse mais fácil de executar. Numa lógica de “eu percebo que não estás bem e estou aqui até que regresses a este espaço de bem-estar que é também nosso”. 
 
O que diz a psicologia?

As relações interpessoais são pedras basilares na construção da nossa identidade, na perceção de segurança dada pela pertença e até na saúde física. É nesse exercício da interação com os outros que percebemos melhor quem já somos e descobrimos quem poderemos ser. E as relações românticas, por serem talvez as relações adultas com maior proximidade, têm um forte impacto no autoconceito que é muitas vezes tricotado com os fios que são lançados pela outra parte. Em casais, onde essa intimidade cresce, o resultado será um entrelaçado cujas fronteiras são muitas vezes difíceis de distinguir. E isso percebe-se quando, por exemplo, espontaneamente passam a usar o “nós” quando falam apenas de um. 
 
E quando acaba?

Sim, porque acaba. Serão episódicas as histórias de um único amor em toda a vida e depois temos os dados das estatísticas. Em Portugal, desde 1975 (altura em que o divórcio civil deixou de ser interdito para casamentos católicos), o número de divórcios aumentou de forma gradual até 2011 (de 1,5 para 74 em cada 100 casamentos), altura em que começou a diminuir. Talvez não porque as relações estejam a ser mais duradouras, mas porque a curva do número de casamentos se apresenta de forma inversa. 
 
Quando acaba, o impacto pode ser devastador e trazer elevado sofrimento físico e psicológico. O divórcio aparece, aliás, como um dos cinco acontecimentos mais geradores de stress, ao lado da perda de emprego, ou uma doença grave.

Depois de uma separação, a regulação dos ritmos físicos e psicológicos que antes existia, agora, na ausência da outra pessoa, pode desequilibrar-se desencadeando sintomas de agitação, perturbações de sono, do apetite e do humor. Há referências na investigação da síndrome do “coração partido” com dores físicas no peito semelhantes às de um ataque cardíaco. Encontramos também sintomas de luto com pensamentos intrusivos e o desgaste emocional pelas tentativas de os suprimir, que muitas vezes conduz a estados depressivos.

Numa rutura não desejada são quase inevitáveis os sentimentos de rejeição, de abandono, desamparo ou até traição. Estes são sentimentos negativos altamente correlacionados com quadros de depressão ou de um luto difícil de resolver.

Se for desejada, não será menos dolorosa. O luto existirá sempre. Pode começar mais cedo e desenrolar-se de forma mais lenta e refletida, permitindo uma perceção de controlo que pode beneficiar a sua resolução

Se é certo que pode acabar e que trará dor e sofrimento psicológico e até físico, o que fazer então?

Sugestões

1. Aceitar que precisa de um tempo de cura e acolher esse luto sem julgamento e com compaixão. É natural que seja difícil e que demore.

2. Cuidar-se. Isto pode implicar cuidar do seu corpo com exercício físico, sono regular ou alimentação saudável. Fazer atividades ao ar livre, (re)encontrar-se com amigos ou retomar “velhos” hobbies que tenha deixado de lado.

3. Olhar para as pessoas à sua volta e procurar ligações mais profundas, descobrindo-as com curiosidade. E isto pode ser uma fonte inesgotável de fascínio, surpresa e aprendizagem.

4. Passar mais tempo consigo próprio/a e descobrir os cantos esquecidos da sua própria identidade. O que ainda nunca foi e o que pode ser mais, ou melhor, ou diferente.

E assim, talvez, ao contrário da Cristina, seja possível perceber que afinal a sua vida até é bastante completa.

 

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