O Psicólogo Responde: Andar sempre irritado é sinal de alerta?
Ilustração O Psicólogo Responde. Imagem: Adobe Stock

O Psicólogo Responde: Andar sempre irritado é sinal de alerta?

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Miguel Ricou
Psicólogo e presidente do CE de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses

A irritabilidade é normalmente definida como o aumento da propensão para sentir raiva, podendo significar uma hostilidade auto ou hétero dirigida. Ou seja, irritamo-nos connosco ou com os outros, sendo que frequentemente as duas dimensões acabam por estar presentes. Na verdade, a raiva é uma emoção primária, e por isso inata e universal. Ou seja, ninguém aprende a sentir raiva e todos a sentimos do mesmo modo. O que muda de pessoa para pessoa é aquilo que nos irrita, não a forma como nos sentimos irritados. Muda ainda a tendência para nos irritarmos – umas pessoas irritam-se com maior facilidade, outras mais dificilmente. Isto mesmo poderá resultar, como quase tudo no ser-humano, de disposições genéticas, traços de personalidade e estilos parentais. Parece ainda existir alguma relação entre a história de depressão na família e a irritabilidade dos filhos.

A raiva é uma das emoções primárias mais difíceis de enquadrar na sociedade. Importará referir que, à semelhança de outras emoções primárias como a alegria, a tristeza ou o medo, sentir raiva é uma experiência semelhante nos animais mais desenvolvidos que já possuem estruturas cerebrais límbicas, pelo menos no que diz respeito à ativação fisiológica. A raiva é uma emoção que é ativada quando um obstáculo entre o animal e um qualquer objetivo é identificado pelo próprio. Nesse sentido, visa mobilizar a energia com vista a afastar o obstáculo. Naturalmente, a ideia é a força física ser utilizada. Ora, no ser-humano, que vive num contexto social, a força não é a melhor forma de resolver problemas. Não poucas vezes, o efeito é contrário, o que poderá contribuir para fechar o ciclo: o obstáculo mantém-se (ou complica-se), o que aumenta a irritabilidade. Neste sentido, será fácil compreender que a raiva facilmente poderá resultar em frustração, o que poderá dirigir a irritação para o próprio indivíduo.

Não existe quem não tenha sentido, mais do que uma vez, este ciclo de aumento da raiva que, se passado ao ato, resulta em palavras ou ações de que a pessoa se arrepende mais tarde. Por isso mesmo, se a raiva é uma emoção natural, ela deve ser gerida, por forma a evitar a adoção de comportamentos mais agressivos que poderão extremar posições e resultar em maiores desequilíbrios. Sentir raiva, irritação, é natural. Tomar decisões importantes quando a pessoa está muito irritada não será muito boa ideia, ainda que já tenha acontecido a todos.

A motivação do título deste artigo parte daqui. O aumento da irritabilidade parece estar associado à frustração que surge quando a pessoa não consegue ultrapassar um obstáculo que a está a impedir de chegar ao seu objetivo. Para lidar com essa frustração, e porque irritada, a pessoa vai lutar e poderá ter uma reação “explosiva”, descontrolada, o que deve ser fator de reflexão. Pode ainda surgir um efeito de sensação negativa nos períodos que medeiam as reações de raiva, ou seja, a tal sensação de a pessoa se sentir “sempre” irritada.

A irritabilidade aumenta, pois, a disposição para a pessoa se tornar agressiva o que, pelo menos na maioria dos contextos, pode promover comportamentos desadaptados. Discussões e outros comportamentos agressivos não produzem, quase nunca, bons resultados, promovendo, pelo contrário, o aumento da própria agressividade. Na verdade, ninguém tem direito a tentar submeter o outro através da violência, seja esta manifestada pelo aumento do tom de voz, pela violência das palavras, ou pela ameaça velada ou expressa. E por muito que em alguns momentos pareça poder resultar – sobretudo quando existem diferenças de poder – no fim sobram relações de pior qualidade e a manutenção ou agravamento dos sintomas que provocaram a irritação.

O sinal de alerta deverá, contudo, soar mais alto quando surge a tal sensação de “andar sempre irritado”. Neste caso, para além de poder aumentar a propensão para episódios de explosão de raiva, existe uma sensação de mau estar entre os episódios de maior irritação. Tal como já referido, esta sensação parece estar ligada à frustração que resulta da falha no atingir dos objetivos. Na verdade, este ciclo está descrito na maioria da literatura como um dos caminhos da depressão, o que justifica a ligação desta irritabilidade (definida como tónica) ao aumento da probabilidade do desenvolvimento de perturbações depressivas.

Em resumo, se a irritação é uma resposta normal em circunstâncias onde são identificados obstáculos à concretização de um determinado objetivo, ela impele ao aumento da agressividade como forma de agir. Quanto menor for a confiança da pessoa na sua capacidade em ultrapassar o obstáculo, maior este se tornará, pelo que aumentará a irritabilidade. Dado que, por princípio, as respostas mais agressivas resultarão pior, a irritabilidade poderá aumentar o potencial de frustração. Se a pessoa começar a ter sinais de “explosões” frequentes, bem como, de um aumento do mau estar entre episódios explosivos, poderá ser um sinal evidente de aumento de frustração que poderá encerrar a pessoa num ciclo negativo que, no limite, poderá conduzir à psicopatologia, nomeadamente a perturbações do foro depressivo. Nestas circunstâncias, a procura de ajuda será sempre importante. Paralelamente, quanto mais cedo a pessoa for capaz de identificar o aumento da sua irritabilidade, melhor poderá monitorizar as suas respostas, e evitar o acréscimo de agressividade. 

Sugestões

1. Uma pessoa nunca tem razão em estar irritada. Se é algo natural, não se justifica como forma de tentar ultrapassar um obstáculo. É importante que a pessoa não procure justificações para a sua irritação, por mais válidas que lhe possam parecer, uma vez que isso não fará mais do que manter esse mesmo estado, que é negativo.

2. A irritação resulta muitas vezes em frustração, o que se vira contra a própria pessoa, diminuindo-a.

3. Não devem ser tomadas decisões relevantes quando a pessoa se sente irritada. Agir ou reagir nessa altura pode, com boa probabilidade, tornar a realidade pior. A pessoa vê o problema de uma forma mais negativa e reage a partir daí, normalmente de uma forma exagerada.

4. Não se deve negar a irritação. Isso diminui a probabilidade de conseguir evitar reações exageradas. Reconhecer que se está irritado promove precisamente o contrário.

5. O acréscimo da irritabilidade, bem como, uma sensação de mau estar entre episódios de irritação, pode indicar um aumento de sensação de frustração, o que para além de ser negativo por si só, pode aumentar a probabilidade do desenvolvimento de perturbações depressivas. A procura de ajuda profissional poderá ser importante.

6. Evitar formas agressivas de agir é muito importante. Falar mais alto, acusar ou diminuir o outro, condicionar ou ameaçar, deve ser evitado. O treino de competências comunicacionais e relacionais deve ser um caminho a seguir.

 

 

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