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O nascimento de uma criança é sempre um acontecimento de vida significativo. Um marco, no sentido em que nada vai ficar igual a antes. Muitas transformações acontecem à organização da vida daqueles que recebem a criança.
A gravidez e o parto são já, respetivamente, uma fase e um acontecimento muito particulares na vida da mulher, do bebé, do núcleo parental ou conjugal, da comunidade mais próxima e da comunidade mais alargada.
Assim, não surpreende que 40 a 80% das mulheres, nos 2 a 5 dias após o parto, apresentem um estado emocional com tonalidade depressiva. Os sintomas mais comuns são uma sensação de choro muito fácil, fragilidade, vulnerabilidade, labilidade de humor, ou seja, alegria e tristeza a flutuarem ao longo do dia, problemas com o sono, e dificuldades em assumir o papel maternal. Quase todas as mulheres passam por esta fase. É uma fase de adaptação às grandes transformações hormonais decorrentes da gravidez e do parto e a este novo papel que a mãe vai desempenhar, a esta aprendizagem da relação com a criança e com o mundo (se temos um bebé recém-nascido, temos igualmente uma mãe – pelo menos daquele bebé - recém nascida). Esta fase habitualmente passa e não precisa de nenhum tipo de intervenção. Trata-se de uma situação clínica que tem uma duração limitada e é contextual. O mais comum é ter uma remissão rápida e não necessitar de acompanhamento. Estes sintomas não põem em causa a funcionalidade da mulher. É a Melancolia pós-parto ou, como comummente chamada, o Baby Blues.
Num outro polo de possibilidades, temos a psicose puerperal uma situação clínica que pode ocorrer neste período da vida, mas muito mais grave e, naturalmente, com muito menos incidência. Acontece entre 0,1% a 0,5% da população. É uma situação muito particular e com sintomas muito claros e de alguma gravidade: alucinações transformações da forma de ser, pensamentos ligados à auto-centração ou a ideias de perseguição, com falta de compreensão e muitas vezes com uma incapacidade total de a mulher tomar conta de si. Este quadro clínico requer acompanhamento psiquiátrico e obriga, a maior parte das vezes, pela sua gravidade, a internamento hospitalar.
A depressão pós-parto precisa de um diagnóstico claro (e um diagnóstico diferencial), que exclua as hipóteses acima faladas. É uma situação que normalmente acontece em 10% a 15% das mulheres. Apresenta um nível de gravidade variável e tem um tempo de duração também incerto. Quanto ao início, o mais comum é o aparecimento dos sintomas surgir fundamentalmente nos 3 primeiros meses após o parto, mas é possível observar a sua emergência entre os 6 e os 8 meses no pós-parto.
A depressão pós-parto é caracterizada por uma situação de labilidade constante de um choro fácil, um sentimento de estar desligada dos acontecimentos, uma sensação de incapacidade de cuidar do bebé de uma forma consistente. Podem ainda observar-se outros sintomas como insónia, falta de apetite, queixas físicas, dificuldade de concentração e de tomada de decisões. Domina um sentimento de incapacidade de lidar com a vida.
Por vezes, não ocorrendo a depressão pós-parto na sua situação mais grave, e por isso mais visível, por falta de conhecimento, por dificuldade em aceitar a incapacidade, a recém-mãe não identifica ou não aceita que precisa de apoio. Todavia, é muito importante que este quadro seja diagnosticado e feito o encaminhamento para o apoio adequado às necessidades de cada mulher. A implicação desta vivência no futuro poderá trazer perdas e danos difíceis de remitir, na vida futura das mulheres, na vida futura das crianças, na relação com o pai, ou com a outra mãe, ou com a pessoa, ou as pessoas, com quem se partilha a maternidade, como ainda no seio familiar mais alargado.
Quem agora lê este artigo perguntar-se-á: “e como se previne este quadro”?
Com os resultados dos estudos que procuraram encontrar fatores de risco, sabemos que para além de fatores da história de saúde prévia de cada mulher e das mudanças biológicas e hormonais decorrentes da gravidez e do parto, há fatores psicossociais que poderão ser tidos em consideração por terem sido confirmados como fatores de risco.
Assim, um aspeto muito importante para a prevenção será a destruição dos mitos sobre a alegria da maternidade. Se é verdade que sentimentos de alegria podem estar presentes, também é verdade, e pouco se fala nisso, que pode haver dificuldades e mal-estar associados ao estabelecimento de uma nova relação. As noites mal dormidas, o cansaço e as dificuldades de cada criança, podem ser um obstáculo ao sentimento de prazer e de felicidade pelo nascimento de uma criança. Há já muita literatura simultaneamente rigorosa e divertida sobre as dificuldades das mães neste período.
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Sugestões
1. É muito importante que a depressão pós-parto seja diagnosticada por forma a que a recém-mãe possa ter o apoio adequado às suas necessidades. Há, muitas vezes, uma resistência para a aceitação do problema, já que pode ser sentido como uma incapacidade da mãe, ser mãe.
2. É muito importante desmistificar crenças relacionadas com a “felicidade” da maternidade e com a “auto-realização” que daí deve decorrer. Ser mãe, e logo no início, pode ser muito difícil e exigente.
3. É muito importante que a mulher possa ter espaço para os seus outros papéis. Que não seja “reduzida” ao papel de mãe, como se fosse o único importante a desempenhar. Não esquecer que uma mulher que esteja bem, será sempre uma mãe melhor para o seu bebé.