O Psicólogo Responde: Devemos falar sobre dinheiro com as crianças?
porquinhos mealheiros, dinheiro, ilustração. Foto: Adobe Stock

O Psicólogo Responde: Devemos falar sobre dinheiro com as crianças?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Sofia Ramalho
Psicóloga, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Colecionar, comprar ou trocar cromos sempre fez parte das oportunidades de socialização de qualquer criança. Ao mesmo tempo é um comportamento espontâneo de desenvolvimento da literacia financeira, por exemplo pela possibilidade de ensaio na troca de bens e serviços. O nosso comportamento face ao dinheiro e à sua gestão começa bem cedo, e pode ser considerado um processo de aprendizagem social. Desenvolvem-se competências, atitudes e conhecimentos sobre finanças. E, como sempre, as crianças também aprendem sobre dinheiro e finanças observando e imitando os adultos que lhes são mais próximos, os seus pais/cuidadores. É junto deles que procuram “reforços” para fortalecer padrões de comportamento face ao dinheiro.

A minha filha de sete anos tinha um conjunto de cromos do mundial repetidos. A primeira vez que pretendeu trocar os cromos repetidos com um seu amigo que frequenta a nossa casa, entendeu dar todos os seus cromos repetidos, em troca de todos os cromos repetidos do seu amigo. Acontece que o número de cromos que ela tinha para trocar era muito superior ao número de cromos que ele tinha. No final do dia, desatou num choro desalmado porque agora não tinha mais cromos para trocar. Compraram-se novas saquetas de cromos e novamente tinha cromos repetidos. Ao que o pai sugeriu que identificasse os cromos repetidos mais especiais e raros de encontrar, e que desta vez trocasse cada um desses por dois ou mais. Ao final de um mês, já estava uma verdadeira “expert” na negociação ganha-ganha para a troca de cromos. Este “reforço” parental pode tornar-se intencional. Pode apoiar o desenvolvimento de comportamentos financeiros mais autónomos para o futuro próximo, como a adolescência, ou mais longínquo, como o adulto na gestão do seu dinheiro pessoal e do agregado.

Há pais que evitam dialogar sobre dinheiro, sobretudo sobre as finanças do seu lar, para proteger os seus filhos de preocupações e de responsabilidades que não consideram apropriadas para a sua idade. Há outros que os implicam desde muito cedo neste tema familiar, incutindo-lhes que “o dinheiro não cai do céu” e que “dinheiro suado é dinheiro abençoado”, impulsionando cedo ao trabalho remunerado, acreditando que as preparam para dar valor ao dinheiro. Outros, ainda, envolvem ativamente as crianças neste tema familiar, acreditando que as preparam para serem autónomas e independentes no futuro. Estas intenções podem ter por base objetivos de proteção e/ou de sobrevivência. Talvez no meio se encontrem as virtudes dos ensinamentos e comportamentos dos pais e das mães, mas estes não deixam de ter uma função ora mais educativa, ora mais reguladora da aprendizagem e do comportamento das crianças face ao dinheiro, num processo social e familiarmente mais importante do que muitas vezes se pensa.

Os comportamentos observáveis dos adultos, aqueles que envolvem decisões como poupar ou gastar dinheiro, podem ter um impacto muito significativo no desenvolvimento infantil e adolescente, influenciando os comportamentos destes, mais conservadores ou mais impulsivos, por exemplo face a compras. Os adultos servem de “modelos”. Em todo o caso, a comunicação intencional (e de qualidade) sobre assuntos financeiros com os filhos também pode fazer a diferença, na adoção de comportamentos financeiros saudáveis e responsáveis, na capacidade de autorregulação financeira, e no bem-estar quando entram na idade adulta.

Também as competências pessoais e sociais podem (e devem) ser desenvolvidas durante a infância. Elas vão determinar o comportamento financeiro e podem diminuir o fosso provocado pelas desvantagens sociais ou económicas das famílias, sobretudo se lhes associarmos mais literacia financeira, e o papel importante dos pais.

Sugestões

1. Fale sobre dinheiro desde a creche e pré-escolar (2-6 anos). As crianças desta idade já são capazes de desenvolver ligação com os seus objetos preferidos, de perceber que o dinheiro tem valor, e de partilhar;
2. Recorra a planos diários, regras, orientações, e treine a capacidade de escuta do seu filho. Em idade escolar (6-9 anos), já são capazes de aceitar e cumprir responsabilidades, bem como de distinguir o que precisam do que querem, de reconhecer o valor da poupança e da recompensa, e de fazer escolhas com base em valores monetários;
3. Faça e apoie planos de curto e médio prazo do seu filho (10-14 anos), com base em pequenos orçamentos, e uma semanada/mesada, mesmo que simbólica, para gerir. Partilhe informação útil sobre finanças, mostrando como faz a gestão de alguns dos valores do orçamento familiar, e ajude a comparar preços. Dê informações úteis sobre bancos, dinheiro versus cartão de débito, sobre o risco de algumas escolhas, ou até sobre os efeitos do marketing de produtos;
4. Ajude o seu filho a pensar nos valores associados ao trabalho e à carreira (+ 15 anos), o que pode incluir salários, segurança financeira, mas também objetivos de carreira, trabalho em equipa, competências transversais. Já pode ajudar a calcular a capacidade financeira e os riscos de perda, bem como a perceber o que são atividades ilícitas ou crimes financeiros.

Invista no seu filho e ajude a gerar mais retorno económico, mais sucesso, e mais saúde e bem-estar! 

 

VEJA TAMBÉM:

Scroll top