O Psicólogo Responde: Como acabar com a obsessão com as limpezas?
Ilustração O Psicólogo Responde. Imagem: Adobe Stock

O Psicólogo Responde: Como acabar com a obsessão com as limpezas?

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Miguel Ricou
Psicólogo e presidente do CE de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses

O termo obsessão remete, imediatamente, para algo negativo, por muito que possa ser associado a algo positivo, como pode ser o caso da limpeza. Ser limpo é socialmente valorizado, uma vez que a limpeza se tornou algo de positivo quando se percebeu que a higiene poderia prevenir um sem número de doenças. E será esse um dos motivos que justifica que a limpeza seja dos comportamentos que mais correm o risco de se tornarem compulsivos, a par da arrumação e do método.

A limpeza não é obsessiva, o medo de que algo esteja sujo ou infetado é que pode ser. Limpar é um comportamento, e por isso pode, em alguns casos, tornar-se compulsivo como resposta a um pensamento, esse sim obsessivo. A pessoa pode limpar de forma compulsiva, seja a si própria seja os objetos em seu redor, para tentar acalmar o medo obsessivo de se infetar por um qualquer microrganismo.

O pensamento obsessivo (uma obsessão) pode vir acompanhado de um comportamento compulsivo (uma compulsão). Uma definição simples de uma obsessão é uma imagem ou uma ideia (um pensamento) recorrentes, frequentes e indesejadas pelo que se tornam intrusivas em relação à vida da pessoa e geram ansiedade, o que induz sofrimento. Muitas vezes, a forma de tentar gerir esse mesmo sofrimento é levar a cabo um comportamento ou um ato mental – tipo contar objetos ou pensar em coisas específicas – como forma de diminuir a ansiedade provocada pelo pensamento obsessivo. Como este pensamento é frequente e recorrente, o comportamento pode, igualmente, tornar-se repetitivo ou ritualizado o que promove uma sensação de estranheza e descontrolo por parte da pessoa, criando dificuldades na sua vida, o que vai contribuir para a manutenção do pensamento obsessivo.

Pode pegar-se num exemplo prático como forma de clarificar o que atrás foi escrito. Imagine-se que alguém sente um medo grande de ser infetado, por exemplo, pelo SARS-CoV 2. Quando em pandemia esse foi considerado um medo comum. Tornou-se frequente e normal ter medo da infeção, pelo que os comportamentos de segurança desenvolvidos, por muito que fossem rígidos e pouco habituais, eram sentidos como adequados pelas pessoas. Deste modo, comportamentos como desinfetar os produtos adquiridos no supermercado foram normalizados, pelo que o medo de ser infetado era real e não o resultado de uma obsessão, sendo que o ato de desinfetar os produtos era também adequado e não considerado compulsivo.

Imagine-se agora alguém que mantém o mesmo nível de medo de ser infetado pelo SARS-CoV 2, apesar de o fim da pandemia já ter sido decretado.As medidas de proteção que a pessoa poderá desenvolver não terão um resultado adequado, pelo menos para lá de uma sensação imediata de alívio. A probabilidade real de infeção, ou pelo menos, do desenvolvimento de doença grave é muito pequena, pelo que as ações anteriores de mitigação da infeção se tornam desadequadas. Deste modo, o ato de desinfetar poderá fazer a pessoa sentir-se desadequada. Esta sensação não contribui para um bem-estar geral, pelo que a pessoa se vai manter mais ativada, procurando perigos que justifiquem essa mesma sensação. É por isso natural que os pensamentos se desenvolvam no sentido de imaginar situações ainda de maior risco que justifiquem o estado de ansiedade em que se encontra. Isto mesmo poderá levar ao desenvolvimento de mais comportamentos de segurança (leia-se de limpeza/desinfeção) ou a um aprimoramento dos mesmos . A pessoa começa a preocupar-se em não falhar nenhum desses comportamentos, porque acredita que a ansiedade que sente se justifica por não ter sido suficientemente exigente. Com o tempo, e se este ciclo não for travado, qualquer sintoma de ansiedade será sentido como muito negativo, pelo que gerador dos mesmos pensamentos de medo que terão sempre a mesma resposta através dos comportamentos de limpeza, e assim sucessivamente. Construiu-se um ciclo negativo que se pode caracterizar como uma perturbação obsessivo-compulsiva que vai concentrando toda a energia da pessoa que perde capacidade de interagir com outras dimensões da sua vida, fechando-se nos seus pensamentos obsessivos e comportamentos compulsivos.

Felizmente, nem todos os pensamentos obsessivos evoluem para um quadro como o acabado de descrever. As pessoas que os desenvolvem terão, provavelmente, um conjunto de características e pré-disposições que poderão contribuir para o agravamento da situação. O contexto, os eventos de vida e os acasos em geral jogam também um papel importante. Mas não há dúvidas que estes pensamentos mais obsessivos aumentam quando a pessoa está mais ansiosa ou preocupada, momentos onde apresenta maiores dificuldades em controlar os pensamentos e em resistir à realização de alguns comportamentos de segurança que, no exemplo em causa, a farão preocupar-se mais com as limpezas.

O que fazer então?

O grande objetivo será contrariar os comportamentos que poderão estar relacionados com o pensamento em causa. A pessoa deve considerar que os comportamentos associados a pensamentos irracionais (porque resultam de medos que são possíveis, mas muito pouco prováveis de acontecer) vão aumentar o nível de ansiedade. Pelo que deverá contrariar os mesmos. Não obedecer aos pensamentos obsessivos deve ser a prioridade. A ansiedade associada a esses pensamentos irá desaparecer quando a pessoa conseguir focar-se noutra coisa, que não seja ativadora de ansiedade, mas sim geradora de distração. Algo que goste, que a entretenha, que lhe dê prazer e que a consiga distrair dos seus pensamentos. É evidente, que quanto maior foi o nível de ansiedade, mais difícil será fazê-lo, mas mais importante se torna que se consiga inverter a tendência de desenvolver os “aparentemente” comportamentos de segurança. Se a pessoa perceber que não o está a conseguir, então a procura de ajuda é muito importante, para evitar que estes ciclos de obsessões e compulsões se instalem, sendo que uma intervenção multidisciplinar poderá ser nesse caso a resposta a promover.

Restará deixar claro que as pessoas são todas diferentes. Umas são mais metódicas e outras mais desorganizadas, umas mais preocupadas e outras mais descontraídas, sendo que quaisquer características pessoais trazem vantagens e desvantagens. A pedra de toque que deverá chamar a atenção da pessoa, neste caso, é sentir que está mais preocupada do que é normal em si e que começa a prejudicar o seu desempenho, a sua relação com os outros, enfim, a sua vida, em função dessa mudança e dos comportamentos a que esses pensamentos recorrentes a fazem desenvolver. Tudo pode estar limpo ou muito limpo, mas as pessoas precisam de se sentir bem.

Sugestões

1. Os pensamentos obsessivos podem ser constituídos por imagens ou ideias que são recorrentes e indesejadas e, por isso, geradores de ansiedade que a pessoa tenta controlar com comportamentos ou atos mentais como fazer contas ou contar objetos.

2. Uma ideia obsessiva é desadequada considerando a realidade. Deste modo, os comportamentos gerados a partir dessa ideia vão igualmente ser desadequados, pelo que não vão resultar numa resolução do problema imaginado. Isto mesmo pode aumentar e tornar mais intenso o pensamento que vai desencadear o comportamento, estabelecendo um ciclo negativo que se alimenta a si próprio.

3. O desenvolvimento de pensamentos obsessivos e comportamento compulsivos é complexo e multifatorial. A maioria das pessoas não desenvolve uma perturbação obsessivo-compulsiva, mas isso não significa que não possa sofrer com algumas das dimensões descritas.

4. Não há apenas obsessões com o medo de ser infetado. São também frequentes obsessões com a segurança (a sua ou a dos outros), com a arrumação e com o método, sempre associados a medos que a pessoa tenta controlar.

5. Não obedecer aos pensamentos obsessivos deve ser a prioridade da pessoa. Deve evitar levar a cabo comportamentos que, no fundo, validam o medo que a pessoa está a sentir e que não é real, mas sim exagerado.

6. A pessoa deve tentar distrair-se dos seus pensamentos obsessivos, procurando atividades simples, mas que a possam distrair e entreter. Falar com alguém, fazer exercício físico, fazer exercícios de relaxamento, ver um bom filme, podem ser sugestões. Claro que quanto maior o nível de ansiedade, mais difícil isso se torna.

7. Se a pessoa não conseguir, deve procurar ajuda, idealmente multidisciplinar, uma vez que existem, por norma, diversas dimensões envolvidas nas causas deste tipo de problemas.

 

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