O Psicólogo Responde: O que esconde uma depressão?
Ilustração, Depressão, saúde mental. O Psicólogo Responde Imagem: Adobe Stock

O Psicólogo Responde: O que esconde uma depressão?

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Miguel Ricou
Psicólogo e presidente do CE de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Antes de se pensar no que pode esconder uma depressão, pode ser importante focar no que ela pode mostrar. Na verdade, o termo depressão é cada vez mais parte do léxico comum das pessoas, sendo por isso utilizado com muitos significados e, na maior parte das vezes, erradamente. É frequente utilizar-se a expressão “estar deprimido” como referência a uma reação de tristeza. Mas a tristeza é uma reação normal à perda, à frustração, necessária para ajudar a pessoa a parar e contemplar alternativas. Ou seja, quando surge uma frustração pela perda de um objetivo, de algo ou de alguém, é necessário fazer uma adaptação que promova alternativas ou modos diversos de funcionamento, pelo que pode ser importante parar. Parar para ponderar alternativas e reencontrar novos equilíbrios.

A tristeza visa ajudar essa concretização, ao obrigar a pessoa a reduzir o ritmo, a diminuir a predisposição para estar com os outros ou para fazer coisas. De facto, a tristeza deprime o funcionamento da pessoa para lhe dar tempo para refletir, “lamber as feridas” e ter espaço para ir contemplando alternativas e respostas, já que a mudança no sentido de promover a adaptação ao acontecido é importante. A tristeza pode passar por uma “depressão” do nosso ritmo de funcionamento e deve desaparecer quando a pessoa consegue adaptar-se e, por isso, consegue voltar a “tirar” coisas positivas da sua vida, ou pelo menos, quando se consegue começar a distrair das novas dimensões da realidade. Não devem ser considerados períodos de tempo mínimos ou máximos rígidos, sendo que o risco aumenta quando a pessoa começa a sentir que a tristeza já deveria ter desaparecido, pelo que esta começa a tornar-se o problema. Aliás, quando a pessoa sente que a tristeza tem razão de ser, esta não será a sua preocupação central.

A tristeza é uma emoção normal e necessária, sendo que, um dos motivos que a podem ajudar a tornar-se patológica e conduzir à “depressão”, é precisamente a sua má fama e a sua não aceitação num mundo com valores predominantes de consumo e produtividade, como o atual. É natural que as pessoas não gostem de estar tristes, já que é uma emoção que limita a capacidade de fazer e empreender e que faz sofrer. Mas, na verdade, ajuda a pessoa a ganhar tempo de adaptação e evita reações precipitadas que, normalmente, trazem resultados menos bons. Mas o “mundo” de hoje não gosta de paragens. Quer atividade, pelo que condena a tristeza. Expressões como “tristezas não pagam dívidas” são paradigmáticas na condenação da sociedade atual em relação à tristeza. O que ajuda a construir conotações negativas, o que aumenta a resistência ao seu reconhecimento. Ou seja, as pessoas não se querem sentir tristes porque isso significará que são fracas, frágeis ou incapazes, pelo que a isso não se podem permitir, o que aumenta a sensação de inadequação em relação a esta emoção. Quanto mais a pessoa sentir que não deveria estar triste, que o motivo não é válido, que a sua reação emocional é exagerada, mais perto estará de ficar deprimida. Porque a depressão passa por ser uma tristeza existencial. O foco da tristeza, da frustração, é a própria pessoa e não um qualquer fator externo. A pessoa está triste porque não queria estar triste. Pelo que quanto mais triste se sente, mais triste fica, o que alimenta um ciclo negativo que aumenta a sensação de tristeza e a torna perturbadora e não adaptativa. O foco da tristeza é o facto de a pessoa não conseguir deixar de estar triste. O foco da tristeza é, então, a própria tristeza.

A perturbação depressiva, que pode apresentar-se em forma de episódios ou com sintomas mais persistentes ou crónicos, é uma tristeza que a pessoa sente, aparentemente, sem causa que a justifique, pelo menos considerando o elevado nível de intensidade. Por isso mesmo, a pessoa que está deprimida sente-se mal porque acredita que não tem motivos suficientes para assim se sentir. A pessoa começa, então, por negar e por tentar esconder, até de si própria, os sintomas depressivos, pelo estigma que lhe está associado e pela vergonha ou resistência em admitir que não está a conseguir lidar com a incapacidade sentida, que não devia sentir. Numa segunda fase, quando já não consegue negar ou esconder, a pessoa sente-se desvalorizada por essa incapacidade, mais ainda quando as pessoas à sua volta lhe reforçam essa mesma sensação tentando invalidar o que se está a passar, com expressões como: “tens de reagir”, “isso não é nada”, “há pessoas que têm problemas muito mais graves”, entre outras pérolas.

As perturbações depressivas, que as pessoas tentam, tantas vezes, negar e normalizar, como se de uma “fase” se tratasse ou até fosse parte do seu funcionamento normal – “eu sou assim” – podem ter um conjunto de outros sinais importantes que importa considerar, como as alterações de sono e do apetite, as dificuldades de concentração, os pensamentos negativos e de culpa, a perda de interesse em atividades que antes davam prazer, a irritabilidade, a ideação suicida, entre outros sintomas, físicos ou psíquicos, que podem ser tão variados como o são as diferenças interpessoais. Isto mesmo não deve ser normalizado, pelo que deve ser assinalado pelo próprio e/ou pelas pessoas que lhe são próximas, no sentido de se tentar atuar o mais rapidamente possível. Como em todas as doenças, quanto mais cedo se atuar, mais rápida será a recuperação e menor será o risco de a pessoa voltar a ter episódios semelhantes.

Claro que os sintomas depressivos podem estar a acompanhar outros problemas, surgindo como reação a acontecimentos traumáticos ou cronicamente negativos, ou a outras doenças mentais ou físicas, pelo que a procura de ajuda pode sempre ser importante e não deve ser encarada como último recurso. Aliás, nesses casos, a intervenção deverá também visar as dificuldades associadas às outras patologias ou perturbações. No final das contas, é importante deixar para trás a ideia de que deveremos lidar com as crises pessoais sozinhos e que os sentimentos construídos de desvalorização pessoal devem ter uma razão de ser. As perturbações depressivas têm causas várias, biológicas, psicológicas e sociais, e não são culpa da pessoa que delas sofre, pelo que devem ser encaradas como acontecimentos complexos que não serão resolvidos de formas pré-determinadas com receitas simples. É importante ter expectativas desafiantes que se sente querer concretizar e não se pode normalizar um autoconceito negativo. A depressão não esconde estas ideias. A depressão desenvolve-as e torna-as reais para a pessoa, afetando todas as suas dimensões físicas, psicológicas e sociais.

Em resumo

1. Estar triste é diferente de estar deprimido, uma vez que a tristeza é uma emoção que visa ajudar a pessoa a reagir de forma mais adaptada a situações de perda e de frustração.

2. A tristeza pode começar a tornar-se um problema quando a preocupação da pessoa começa a estar focada na própria tristeza.

3. A depressão é uma tristeza existencial que se alimenta da própria tristeza.

4. A perturbação depressiva pode ser marcada por episódios ou pode ser persistente e a pessoa, normalmente, sente que não tem motivos para se sentir tão triste como está.

5. A pessoa tem tendência a negar ou a normalizar os sintomas depressivos, o que dificulta a procura de ajuda. As pessoas próximas podem constituir um bom auxílio no sentido de identificar sintomas e motivar as intervenções.

6. As perturbações depressivas podem ter sintomatologia variada, onde se podem incluir alterações de sono e do apetite, dificuldades de concentração, pensamentos negativos e de culpa, perda de interesse em atividades que antes davam prazer, irritabilidade, ideação suicida, entre outros.

7. Não se podem normalizar sentimentos de desvalorização pessoal e de falta de interesse na vida.

8. Os sintomas depressivos podem ser secundários a outras doenças ou perturbações que devem merecer atenção profissional.

 

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