O Psicólogo Responde: o álcool pode causar problemas de saúde mental?
Alcoolismo

O Psicólogo Responde: o álcool pode causar problemas de saúde mental?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Daniel Coelho
Psicólogo e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses

A reposta à pergunta do título é muito evidente: sim. Atualmente é sobejamente estudado e sabido que o álcool pode causar problemas de saúde mental.

O álcool influencia de formas diversas e de gravidade variável a nossa saúde psicológica. A mais grave é a dependência, isto é, a utilização compulsiva do álcool, com tolerância (aumento da dose necessária para provocar os mesmos efeitos) e síndrome de abstinência (conjunto de sintomas adversos quando o consumo é interrompido), existindo várias outras formas de padrões desadaptativos de consumo com consequências adversas.

Diversa investigação confirma que o consumo de álcool está relacionado com problemas de saúde mental, sendo a lista extensa: depressão, distúrbio bipolar, psicose... Existe ainda uma relação entre consumo de álcool e probabilidade de suicídio.

Não me irei debruçar sobre a dependência ou sobre formas graves de abuso, que são sem dúvida problemas visíveis e com incidência muito relevante em Portugal, mas que mereceriam pelo menos um só artigo para delas falar. Alternativamente, iremos abordar o impacto que o consumo de álcool na vida quotidiana pode ter na nossa saúde psicológica, fora destes quadros mais graves.

O álcool é uma substância depressora do Sistema Nervoso Central, isto é, diminui a atividade cerebral, tendo um efeito sedativo. Como tal, reduz os reflexos, a atenção e a coordenação motora. O álcool altera igualmente as emoções e a cognição. O seu consumo aumenta ainda a libertação de dopamina no cérebro em áreas associadas ao sistema de recompensa, o que pode provocar sensação de prazer ao consumir e uma procura repetida dessas mesmas sensações.

Os efeitos do álcool no organismo são muito variáveis de acordo com a constituição física da pessoa, sexo, tolerância individual ao álcool etc. Evidentemente, a frequência do consumo e a quantidade ingerida são determinantes.

Quais poderão ser, então, alguns dos impactos significativos do consumo de álcool na saúde psicológica?

Um primeiro aspeto óbvio a abordar é o efeito imediato que o consumo de álcool tem no bem-estar psicológico. O álcool conduz a falta de discernimento na tomada de decisão, diminuição da atenção e alteração do humor. Isto conduz frequentemente a que o sujeito não consiga manter um comportamento socialmente adequado (por exemplo ao nível relacional), um cumprimento de obrigações (por exemplo cumprir horários) ou possa colocar-se a si e aos outros em situações de perigo. Para além das consequências diretas, estes efeitos têm implicação nos relacionamentos pessoais e sociais, aumentando o stress e diminuindo a saúde psicológica.

Neste contexto, merece especial referência o Binge Drinking, comportamento de consumo de grande quantidade de álcool numa única ocasião. É um fenómeno muito associado a hábitos entre os jovens adultos, normalmente em ocasiões festivas. São sujeitos que por norma não têm um hábito diário de consumo, mas que bebem álcool em determinadas ocasiões com o objetivo de se embriagar, ingerindo normalmente mais do que a sua própria expectativa, originando assim situações de perigo potencial (relações sexuais não protegidas, condução perigosa, agressão física de terceiros, etc).

Os efeitos do consumo de álcool na qualidade do sono são também claramente relevantes. Tendo um efeito sedativo, o álcool pode efetivamente ajudar a adormecer mais rapidamente (são clássicas as cenas no cinema em que álcool é usado como analgésico e/ou anestésico). No entanto o seu uso não conduz a um sono saudável e reparador. Isto deve-se ao facto de reduzir o tempo de sono REM, o qual contribui para consolidar a memória e a aprendizagem dos conteúdos adquiridos durante o dia. Potencia um sono leve e suprime as fases de sono profundo e mais proveitoso. Adicionalmente, o álcool tem efeitos diuréticos, pelo que aumenta as interrupções de sono devido a vontade de urinar ou a desidratação e sede. Deste modo, o consumo de álcool de uma forma regular tem impacto sistemático na nossa vida psicológica por inibição da qualidade do sono.

Um tema adicional é a relação do consumo de álcool com a ansiedade e/ou depressão. É sobejamente conhecida a expressão “beber para esquecer” ou “preciso de um copo”. O álcool é frequentemente usado como uma forma a de aliviar os momentos e os sintomas de ansiedade. O seu uso está igualmente associado a melhorar o humor, perder a timidez e fazer uma pessoa relaxar em termos gerais. No imediato, tem efeitos muito similares a medicamentos ansiolíticos. No entanto, o efeito é relativamente curto, sendo seguido de um aumento da ansiedade geral (pela sua atuação a nível cerebral, o álcool aumenta a ansiedade ao longo do tempo). Este estado de ansiedade induzido pelo álcool pode ser duradouro (sendo um dos motivos que induz o comportamento de repetição do consumo e, consequentemente, o aumento da tolerância em relação à substância). Adicionalmente, em pessoas predispostas ou com transtornos de ansiedade, o consumo de álcool tem um impacto amplificador dos problemas psicológicos.

Por último, cumpre destacar os efeitos de longo prazo. Para além dos reconhecidos efeitos na saúde física (a relação com cancro e com doenças do fígado, por exemplo) o álcool influencia a nossa saúde psicológica a longo prazo. O consumo continuado e em excesso de álcool pode alterar as estruturas cerebrais do cérebro, com alterações na sua neuroplasticidade (a capacidade do sistema nervoso se adaptar a novas situações). Está comprovada a sua associação a declínio cognitivo e a demência.

Sugestões

Esteja atento a si próprio e aos que o rodeiam no que diz respeito ao consumo de álcool. Pode ser pertinente a resposta a algumas questões como: tendo a beber fora de situações sociais ou sozinho? O consumo de álcool está sistematicamente associado a algum momento especialmente stressante? Consigo socializar apenas e só se estiver a consumir álcool? Normalmente bebo mais do que inicialmente tinha previsto? São sinais para alguma atenção, mas que não significam necessariamente a existência de um problema.

Procure manter um estilo de vida saudável (boa alimentação, exercício físico regular, higiene do sono). Para além dos benefícios gerais diretos para a saúde psicológica, o consumo de álcool quebra o ritmo de vida saudável de forma muito perceptível, ajudando a perceber um eventual excesso.

Mantenha-se informado sobre o tema do consumo e sobre como lidar com ele. Neste âmbito, poderá encontrar utilidade nos documentos disponibilizados pela Ordem dos Psicólogos Portugueses: “Perguntas e Respostas: Consumo (Problemático) de Álcool” e “Checklist: O Meu Consumo de Álcool é Problematico?”.

Como em muitas outras situações, se sente que pode ter algum tipo de problema (ou apenas se tem dúvidas), se sente que pode ser importante para si ou para alguém das suas relações: tome o passo de procurar ajuda de um profissional de saúde.

Por último, termino com uma mensagem de equilíbrio. Quase todas as substâncias que ingerimos podem ser nocivas de alguma forma, em algum contexto, numa determinada quantidade. Não raro, ao evitarmos um determinado comportamento nocivo, estamos a substituí-lo por outro.

Citando Paracelso, “só a dose faz o veneno”.

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