O Psicólogo Responde: Pais ansiosos geram filhos ansiosos?
Ansiedade na gestação

O Psicólogo Responde: Pais ansiosos geram filhos ansiosos?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Catarina Calado
Psicóloga e membro da Direção da Delegação Regional do Centro da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Preocuparmo-nos com o bem-estar, com a aprendizagem ou com o futuro dos nossos filhos é algo natural para a maioria dos pais e mães, que sonham com o melhor para os seus pequenos, mesmo quando eles já não são assim tão pequenos. No entanto, quando estas preocupações se tornam tão grandes e intensas a ponto de gerar angústia ou ansiedade há que reflectir sobre as situações ou pensamentos que geram tamanhas inquietações, a fim de minimizar o impacto que estas podem vir a ter na saúde mental de toda a família.

Podemos considerar que é natural e saudável que os pais se preocupem com os seus filhos, com os desafios que estes podem vir a enfrentar no seu dia-a-dia, com as eventuais situações que os podem vir a magoar, com o seu bem-estar e a sua felicidade ou até com as incertezas que o futuro lhes irá reservar.

A preocupação pode ser vista como uma forma de demonstrar cuidado e interesse pela segurança e bem-estar dos nossos filhos ou como uma forma de encontrar medidas preventivas que permitam evitar potenciais perigos ou ameaças que possam afetar o seu desenvolvimento equilibrado. A preocupação pode também ser vista como uma expressão de amor e carinho, que nos leva a ter gestos que demonstram que nos importamos com eles e o quão especiais eles são para nós.

A ansiedade, por sua vez, é uma resposta natural do corpo a uma ameaça percebida, e surge com o propósito de nos preparar para lidar com uma situação de potencial perigo, uma vez que nos deixa em alerta e nos impele a agir para nos mantermos seguros. Por exemplo, quando temos que atravessar uma estrada movimentada, a ansiedade permite-nos estar atentos aos vários carros em circulação e outros perigos eminentes, facilitando a escolha do momento mais seguro para fazer a travessia.

 Embora a ansiedade possa ser protetora em certas circunstâncias, esta também pode ser uma resposta bastante desajustada, nomeadamente quando surge em momentos em que não há perigo real ou quando é desproporcional à ameaça percebida, e causa sintomas físicos e emocionais que interferem de forma muito significativa com o nosso bem-estar. Se as manifestações de ansiedade nos sobrecarregarem ou se o nível de ansiedade for elevado durante longos períodos, o nosso desempenho poderá ser afectado e torna-se mais difícil lidar com a nossa vida quotidiana.

Paralelamente, também as características dos contextos nos quais estamos inseridos podem influenciar o nosso comportamento enquanto indivíduos e enquanto pais. Uma rotina muito agitada, exigências profissionais e familiares constantes, a competitividade, a diminuição de redes sociais de apoio, os desajustes familiares, o desconhecido e o inesperado são alguns dos fatores que podem favorecer um estado de alerta, apreensão e preocupação, que é natural do ser humano nestas situações. 

Segundo a Organização Mundial da Saúde, 33% da população mundial sofre de ansiedade e esta percentagem abrange adultos que já são pais e que, cada vez mais, apresentam um comportamento ansioso perante a parentalidade.

Quando os pais estão constantemente preocupados, tensos e ansiosos, isso tende a afetar o bem-estar emocional dos filhos, uma vez que as crianças têm uma grande capacidade de modelar as suas emoções e comportamentos observando os adultos de referência, especialmente os pais. Se por um lado há que considerar que existem múltiplos fatores que podem estar na origem das perturbações de ansiedade em crianças e adolescentes (tais como fatores biológicos, ambientais e individuais), a vulnerabilidade aumenta quando existem também fatores familiares, dado que as crianças têm tendência para replicar o que veem e, se os pais têm comportamentos em que demonstram preocupação, medo ou evitamento, as crianças têm maior probabilidade de agir nessa conformidade.

Paralelamente, pais ansiosos tendem também a ter estratégias de evitamento pouco saudáveis para lidar com a ansiedade, minimizando ao máximo situações desafiadoras e superprotegendo os seus filhos. Estas atitudes podem igualmente limitar a capacidade das crianças para aprender a enfrentar os desafios da vida de forma saudável, uma vez que não treinam a sua capacidade de resolução de problemas e não desenvolvem os seus recursos individuais para lidar com as situações de forma autónoma.

Podemos desta forma inferir que filhos de pais ansiosos correm um risco maior de poderem também eles ser ansiosos, quer por uma possível predisposição genética como também devido ao facto de viverem num ambiente familiar híper-vigilante que destaca e enfatiza os possíveis perigos e preocupações diários e que limita o confronto com situações desafiantes (que os pais podem ver como potencialmente perigosas, mas que são importantes para o desenvolvimento equilibrado das crianças).

É importante que os pais que se consideram ansiosos procurem estratégias saudáveis e ajustadas para lidar com a sua própria ansiedade, de forma a conseguirem construir um ambiente seguro e responsivo para seus filhos. Muitas vezes, procurar ajuda profissional, como a terapia, pode ser benéfico tanto para os pais quanto para os seus educandos.

No entanto, nem todas as crianças filhas de pais ansiosos necessariamente desenvolvem problemas de ansiedade. Outros fatores, como personalidade, temperamento e experiências individuais, também desempenham um papel importante no desenvolvimento da ansiedade.

Potenciar um ambiente emocionalmente seguro, onde as crianças sintam que têm espaço para explorar o seu ambiente, enfrentar os seus desafios de desenvolvimento e combater os seus medos, com o apoio e supervisão dos pais, pode prevenir o desenvolvimento de um transtorno de ansiedade.

Faça você mesmo

Ajudar o seu educando a lidar com as emoções pode ser uma tarefa desafiante. No entanto é possível estimular o seu filho a aprender a autorregular as suas emoções de forma mais saudável e ajustada:

  • Tenha consciência que o seu filho espelha o seu comportamento

Antes de mais é fundamental identificar as situações que lhe causam ansiedade a si e procurar identificar estratégias para lidar com as suas inseguranças;

  • Acolha a ideia de que não é possível ter todas as situações sob o seu controlo

Embora seja desconfortável lidar com a incerteza, ela é uma realidade presente no nosso dia-a-dia. Foque-se nas características que tem que lhe permitem lidar com os desafios em vez de tentar ter as situações completamente no seu controlo (para além de não ser possível, vai deixá-lo ainda mais ansioso).

  • Estabeleça rotinas

Uma rotina diária consistente pode ajudar a reduzir a ansiedade do seu educando ao permitir-lhe criar um sentido de previsibilidade. No entanto esta rotina não deve ser inflexível, uma vez que é igualmente importante aprender a lidar com os pequenos imprevistos sem que isso provoque um mal-estar acentuado;

  • Incentive a expressão de sentimentos

Ensine seu filho a falar sobre os seus sentimentos, conversando com ele sobre as diferentes emoções e incentivando-o a reflectir sobre comportamentos que facilitem a auto-regulação das mesmas;

  • Promova um estilo de vida saudável

Uma alimentação equilibrada, exercícios físicos regulares, um sono adequado e actividades divertidas e prazerosas podem contribuir para a redução da ansiedade;

  • Pratique estratégias de relaxamento

Por muito difícil que seja focarmo-nos no aqui e no agora é uma estratégia funcional para lidar com a ansiedade e com a forma como esta condiciona o nosso pensamento;

  • Ensine habilidades de resolução de problemas

​​​​​​​Ajude seu filho a pensar em soluções alternativas para lidar com situações que lhe provocam maior desconforto, procurando ensiná-lo a identificar as preocupações, analisar diferentes opções e tomar uma decisão;

  • “Brinque com os medos do seu educando”

Através de histórias, jogos ou actividades do quotidiano procure ajudar o seu filho a reflectir sobre quais são os seus “super-poderes” isto é, que recursos pessoais e que soluções estão ao seu dispor para o ajudarem a enfrentar as situações que lhe geram ansiedade. Em momento nenhum minimize ou ridicularize as emoções do seu filho;

  • Consulte o portal Eu Sinto-me

Aumentar o conhecimento sobre a resposta ansiosa é igualmente uma estratégia muito válida. A Ordem dos Psicólogos Portugueses criou o portal Eu Sinto-me (disponível em http://eusinto.me), onde pode encontrar diversos conteúdos psicoeducativos sobre o tema;

  • Procure ajuda profissional

​​​​​​​Se a ansiedade do seu filho persistir e interferir significativamente na sua vida diária, considere procurar a ajuda de um profissional especializado. Falar com um profissional de saúde ajuda e os Psicólogos estão na primeira linha, enquanto profissionais especializados nas temáticas da Saúde Mental.

Por fim, é importante compreender que ninguém recebe um manual de instruções sobre como lidar com as suas emoções ou com as dos seus educandos.

Ser pai e mãe é uma tarefa delicada e desafiante que requer um investimento consciente. Não é realista imaginar que irá ter sempre o comportamento ideal, mas é possível ir desenvolvendo e implementando estratégias alternativas mais saudáveis e que melhor respondam aos desafios da sua família.

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