O Psicólogo Responde: Levar muito tempo a tomar decisões é sinal de alerta?
Decisões

O Psicólogo Responde: Levar muito tempo a tomar decisões é sinal de alerta?

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Daniel Coelho
Psicólogo e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses

A tomada de decisão pode ser definida como o processo mental de escolher entre duas ou mais alternativas. Todos os dias tomamos decisões, em muitos contextos diferentes e de importância muito variável. Escolher o sabor de um gelado, comprar uma casa contraindo empréstimo, decidir casar com (ou divorciar-se de) alguém… O tempo e o esforço investidos em cada uma destas escolhas varia muito, e ainda bem que assim é!

A psicologia aborda a tomada de decisão como um processo complexo, envolvendo aspectos cognitivos, mas também emocionais e sociais.

A nível cognitivo, considera-se a coexistência de dois sistemas de tomada de decisão. O primeiro opera de forma automática, rápida, com pouco ou nenhum esforço e sem necessidade de atenção controlada. É o funcionamento “por defeito” na maioria das decisões humanas ao qual poderíamos chamar intuitivo. Nem nos apercebemos de que tomamos uma decisão quando a tomamos. Alguns exemplos: detectar que um objecto se encontra mais perto do que outro, conduzir por uma rua vazia num trajecto conhecido.

O segundo é uma forma de pensamento intencional, com atenção dirigida para as atividades mentais que estamos a realizar, sendo por isso consciente, de execução lenta e exigindo esforço. Está associado à experiência de concentração e de escolha. Um exemplo será a realização de cálculos matemáticos minimamente complexos.

Adicionalmente, uma forma de funcionamento cognitivo típico é a utilização de heurísticas, isto é, mecanismos simplificados de julgamento e tomada de decisão, que funcionam com base em informação escassa e pouco investimento cognitivo. São estratégias práticas que permitem processar a informação rentabilizando o tempo de tomada de decisão. As heurísticas conduzem a vieses - padrões sistemáticos de desvios no pensamento que podem distorcer a tomada de decisão. Por exemplo, o viés de confirmação leva as pessoas a procurarem tendencialmente informações que confirmam as suas crenças pré-existentes, ignorando evidências contrárias. O viés de disponibilidade é um processo que favorece exemplos que vêm mais facilmente à mente, concedendo assim maior importância às informações que estão disponíveis no momento da decisão e desvalorizando ou ignorando todas as outras.

A tomada de decisão também é, inevitavelmente, influenciada por estados emocionais. Emoções como o medo, a alegria, a tristeza ou a raiva podem influenciar decisivamente as decisões que tomamos. Por exemplo, estando com medo uma pessoa pode tomar decisões de excessivo evitamento de risco. Inversamente, se está de bom humor, pode ser mais propensa a assumir riscos, independentemente de uma qualquer análise objetiva e racional da situação.

Aspectos de influência social desempenham igualmente um papel relevante no processo de tomada de decisão. As normas sociais tendem a promover a conformidade e a levar as pessoas a evitar a desaprovação social. Assim, tenderão a tomar decisões influenciadas pelo grupo e que não reflectem a sua escolha meramente individual. Aqui o “grupo” pode assumir várias formas: a família, a turma da escola, a comunidade local mais alargada, os adeptos de um clube de futebol, etc. Fenómenos como a pressão dos pares em contexto escolar estão largamente estudados e documentados.

Por tudo o que foi descrito, levar algum tempo a tomar decisões pode ser sinal de alerta…. Ou sinal de clarividência. De qualquer modo, assumindo que estamos perante tomadas de decisão em que de alguma forma se pode considerar que o tempo é ou está a ser demasiado longo, iremos então concretizar alguns fenómenos que poderão estar em causa.

Um factor a ter em conta é, muito simplesmente, a dificuldade de processar toda a informação necessária. Em tomadas de decisão que envolvem muita informação, ou dados de difícil compreensão, é muito difícil tomar uma decisão devido à quantidade de variáveis e opções disponíveis. Quanto mais informações são consideradas, maior é a probabilidade de adiar a decisão, pois não somos capazes de avaliar todas os dados de maneira eficiente. Note-se que esta dificuldade pode não ser resolvida simplesmente demorando mais tempo, pois muitas vezes relaciona-se com a complexidade e dificuldade da informação e não apenas com a sua quantidade.

Não saber aceitar a incerteza ou o risco pode ser um forte entrave para tomadas de decisão. Um fenómeno estudado é que as pessoas tendem a dar mais valor àquilo que têm a perder do que àquilo que podem ganhar, ou seja, tendem mais a evitar perder algo do que a obter um ganho equivalente. Mesmo nas escolhas simples, digamos, escolher uma refeição num restaurante, optar por algo implica frequentemente não optar por qualquer uma das restantes alternativas. Isto leva a uma sensação de perda que impede uma tomada de decisão pragmática. Isto é agravado quando estamos perante escolhas complexas em que a avaliação custo/benefício de cada alternativa é difícil de realizar, aumentando a indefinição e a incerteza (que tendem a ser também as decisões mais relevantes).

Como em tudo na vida, a ansiedade. A tomada de decisão é influenciada pela ansiedade de várias formas. Por um lado, podemos ser levados a limitar ou a evitar situações em que a incerteza da escolha, e consequente ansiedade, está presente. Deste modo adiamos ou aliviamos o estado ansioso, mas não trabalhamos o essencial do problema no médio e longo prazo. Por outro lado, a ansiedade conduz a uma maior dificuldade em assumir riscos perante a incerteza e a maior pessimismo, ou seja, níveis de ansiedade maiores tendem a considerar consequências mais negativas da decisão.

A influência social pode ter um forte impacto no tempo de tomada de decisão, sobretudo quando a pressão exercida não está alinhada com a decisão pessoal. Exemplos como a escolha de uma atividade profissional desvalorizada pela família ou a afirmação pública de uma orientação sexual diferente ilustram bem a situação. Nestes casos, o conflito interno entre o que é a opção individual e o receio de contrariar e desapontar pessoas significativas ou ainda de ser alvo de censura social pode levar a indecisão e provocar ansiedade. Assim, favorece necessariamente a demora ou adiamento da tomada de decisões, se não mesmo a tomada de decisões erradas (no sentido de não corresponderem à opção mais adaptada e saudável no médio-longo prazo) ou até a ausência de tomada de decisão.

Um último ponto: tomar decisões é difícil, por vezes muito, muito difícil, mas é uma tarefa a que não podemos fugir, pelo menos numa vida adulta e saudável. O tempo é um recurso finito, que deve ser bem utilizado. Deste modo, devemo-nos assegurar de que fazemos o melhor possível para que a decisão seja informada, ponderada, útil e atempada. Para isso deixamos algumas sugestões.

Sugestões

  • Promova e cultive conhecimentos e literacia sobre o tema concreto sobre o qual está a tomar uma decisão. A realidade é frequentemente complexa e o conhecimento, ainda que o possa parecer, não é um dado adquirido. Assuntos como a literacia financeira, a literacia em saúde ou o conhecimento sobre o modo como opera a ciência são quase transversais na sociedade contemporânea. Não dominar minimamente estes e outros tópicos é meio caminho andado para indecisões, demoras e adiamentos nas nossas escolhas.
     
  • Partilhar, conversar com alguém sobre as nossas dúvidas e problemas é um hábito saudável, que pode ajudar na tomada de decisão. É útil para lidarmos com a ansiedade, pois muitas vezes tomamos consciência de que as nossas dúvidas e indecisões não são só nossas e que outros também as sentem. Pode igualmente contribuir com mais uma perspetiva para a tomada de decisão em concreto, poupando tempo e melhorando a qualidade das opções tomadas. Cabe aqui também referir as situações em que nos apercebemos de que a dificuldade em tomar decisões se revela nos outros. Manifeste disponibilidade para conversar, com neutralidade e não pressionando se não sentir receptividade.
     
  • Procure conhecer as suas próprias emoções, quando as sente associadas a determinados assuntos ou contextos específicos. Procure igualmente tomar consciência de modo mais distanciado da forma como toma as suas decisões, dos vieses a que pode estar mais frequentemente sujeito, das fontes de informação ou das pessoas a quem recorre (ou não recorre). Por exemplo, procura fontes de informação diferentes, ou melhor ainda, argumentos que contrariam as suas opiniões? Reconhecer e aceitar as próprias emoções é importante para uma vida adaptada e satisfatória em geral, e tem influência determinante não só no tempo investido, mas também na qualidade das decisões que tomamos. Entender a nossa racionalidade e tomar consciência do processo de formação das nossas opções é um passo em frente rumo a uma vida mais adaptada. Citando Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”.

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