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É frequente ouvir que há dois tipos de pessoas no mundo: as que veem o copo vazio e as que veem o copo meio cheio. Das primeiras – as pessimistas – diz-se que procuram o ângulo mais cinzento para qualquer situação, focam-se nos aspetos negativos da experiência, são profissionais da contrariedade, dos reveses e das dificuldades. Dos otimistas espera-se a atitude mais ou menos simétrica: a de confiar na bonança, de esperar o melhor do futuro e conseguir ver sempre o lado positivo de qualquer circunstância, um pouco ao jeito da frase de Oscar Wilde: “Todos estamos na sarjeta, mas alguns de nós olham para as estrelas”.
Os argumentos a favor da perspetiva otimista são tentadores. Alguma literatura científica tem vindo a demonstrar que o otimismo contribui de forma positiva para indicadores de saúde psicológica, de redução do stress e satisfação com a vida, promove melhores resultados na gestão de dor crónica ou aguda, menor risco de desenvolvimento de doença cardiovascular e até menor risco de mortalidade.
Perante este quadro, um pessimista poderá dizer que “quando a esmola é grande, o santo desconfia” e talvez não esteja inteiramente errado. A realidade pode ser mais complexa do que a dicotomia meio vazio/meio cheio parece sugerir. Em primeiro lugar porque o mundo não se divide em dois tipos de pessoas, mas antes num largo espetro entre aqueles que tendem a pensar e a agir de forma tendencialmente mais otimista e outros de forma tendencialmente mais pessimista. Para além disso, estas tendências não são necessariamente generalizáveis a todo o tipo de situação e é possível que algumas pessoas sejam mais otimistas em determinadas áreas da sua vida do que noutras. É, por exemplo, perfeitamente plausível que alguém que tende a confiar num rumo favorável nas suas relações pessoais se mostre mais receoso e precavido perante as adversidades na carreira ou vice-versa.
Para complicar um pouco mais, o otimismo e o pessimismo são duas grandes generalizações e em cada uma delas cabem diferentes atitudes e comportamentos. Julie Norem, psicóloga norte-americana e professora no Wellesley College, dedicou vários anos ao estudo de um tipo específico de pessimismo, conhecido como pessimismo defensivo. Trata-se de uma estratégia adotada predominantemente por pessoas ansiosas e que consiste em pensar nos piores cenários possíveis para promover a reflexão e preparar soluções que previnam a materialização desses cenários. Para estas pessoas, antecipar possíveis acontecimentos negativos contribui para que resistam ao impulso de fugir das situações que causam ansiedade e pode mesmo ajudar a mitigar o impacto da ansiedade na performance.
Esta descrição diverge de um outro tipo de pessimismo mais derrotista, que promove a desistência ou a inação. Do mesmo modo, nem todas as formas de otimismo são iguais. Enquanto as vantagens do otimismo parecem dizer respeito ao impacto positivo no humor e bem-estar subjetivo ou na sua capacidade de incitar à esperança e impulsionar a ação, é necessário ter em consideração que o melhor não vai necessariamente acontecer. O “pensamento positivo”, tantas vezes vendido em conversas quotidianas como a solução para quaisquer problemas ou inquietações, não tem o poder de afetar magicamente o funcionamento da realidade. Pelo menos não para além da medida em que nos leva a valorizar a nossa capacidade para agir sobre as situações e a transformar as circunstâncias que podem ser transformadas.
Em algumas situações, porém, um pensamento positivo pode ser simplesmente deslocado dos dados da realidade. O otimismo irrealista (ou viés positivo) é a tendência para considerar que se é mais propenso a experienciar desfechos positivos do que as outras pessoas. Quando levada ao extremo, esta tendência pode contribuir para menosprezar os riscos e aumentar a probabilidade de incorrer em comportamentos pouco saudáveis, como consumo excessivo de álcool, tabagismo ou alimentação desequilibrada, com base na crença de que se está menos suscetível aos riscos de saúde do que a generalidade das pessoas. É também necessário reconhecer que um pensamento “positivo” não é sempre possível nem sequer desejável. Viver implica experienciar momentos dolorosos e sugerir que se pense de forma positiva em momentos de sofrimento pode ser recebido como uma insensibilidade e/ou desvalorização da experiência do outro.
Em resumo, o otimismo e o pessimismo são duas estratégias para lidar com a realidade e perspetivar o futuro, que se caracterizam pela tendência para enfatizar a probabilidade de obter resultados favoráveis ou desfavoráveis, respetivamente. A desesperança e uma visão negativa do futuro são fatores de risco relevantes para dificuldades de saúde psicológica, na medida em que levam a acreditar que não se possuem os recursos necessários para resolver problemas ou fazer face às adversidades. O otimismo, por seu lado, pode contribuir para a promover a esperança e o sentimento de que se tem o livre arbítrio necessário para modificar as situações. Apesar de frequentemente vistos como tendências opostas e inconciliáveis, existe um equilíbrio saudável em compreender que há aspetos difíceis e dolorosos na realidade e que os maus desfechos podem ser eficazmente antecipados, mantendo a confiança e a esperança na possibilidade de superação.
Sugestões
- Procurar tomar consciência da forma como perspetiva os acontecimentos futuros, estando atento à tendência para antecipar desfechos excessivamente desfavoráveis ou catastróficos.
- Promover uma perspetiva descentrada dos problemas, por exemplo, imaginando o que diria a outra pessoa (e.g., amigo/a ou familiar) que estivesse na mesma situação.
- Perante situações difíceis ou que antecipa com ansiedade, procurar identificar situações semelhantes no passado que tenha sido capaz de gerir de forma satisfatória e/ou com resultados positivos.
- Identificar contextos ou situações (e.g., hobbies, relações pessoais) com impacto positivo no seu humor e observar de que forma o humor influencia a perspetiva que toma sobre as situações presentes ou futuras.
- Reconhecer que há aspetos positivos e agradáveis, mas também dolorosos ao logo da vida e que nem sempre é possível (ou desejável) ver o “lado positivo” das situações.
- Estar atento a padrões persistentes de humor negativo (e.g., visão negativa ou falta de esperança no futuro) que possam indicar a necessidade de procurar ajuda psicológica.
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