O Psicólogo Responde: A ansiedade está "só na cabeça"?
Ansiedade

O Psicólogo Responde: A ansiedade está "só na cabeça"?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Filipe Fernandes
Psicólogo e membro da direção da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Quem já adquiriu um automóvel condenou-se a ponderar uma multiplicidade de opções. A marca do veículo, a classe que paga nas portagens, se cabe no bolso de cada um ou se tem maior ou menor número de equipamentos e extras. Quando compramos a viatura, compramos uma série de equipamentos de série, aqueles que virão sempre com o veículo, independentemente do saldo bancário ou das motivações de cada um, ou podemos adquirir acessórios extra, que, no limite, poderão ser simples equipamentos decorativos que tornem o veículo mais personalizado, ao gosto do freguês.

As nossas emoções equivalem ao volante ou às rodas do automóvel. Trazemo-las connosco, fazem parte de nós e, por muito que nos possam complicar alguns momentos de vida, humanizam-nos e enriquecem-nos. Importa perceber isso para não cairmos no engodo, propalado por muitos aprendizes de feiticeiros que pululam por aí e nas nossas redes sociais, de acreditar que as emoções são boas ou más, podendo passar de ser volante a ser uma espécie de luz néon azul que ilumina a deslocação do automóvel, possivelmente ao gosto de alguém, mas perfeitamente dispensável ao seu funcionamento.

A ansiedade é uma das nossas emoções, uma das rodas. Mesmo que, em muitos momentos ou mesmo numa lógica generalizada, possa rolar com menos ar do que o desejável ou, no limite, interromper a marcha, quando somos surpreendidos com um inconveniente furo, daqueles mais lentos ou dos outros, mais chatos e problemáticos, de natureza súbita e inesperada.

Todos já nos sentimos ansiosos. Aliás, muitos leitores poderão estar a experienciá-la ao ler este texto, tendo sido essa a motivação para lhe dedicar alguns minutos. A capacidade de nos sentirmos ansiosos deve ser lida no contexto da evolução humana, enquanto aquisição evolutiva, com um misto de reconhecimento e humildade. Reconhecimento por tudo aquilo que ela nos permite (sim, a ansiedade, mesmo que possa não parecer, tem uma função protectora) e humildade pela forma como nos obriga a reconhecer o quanto nos falta evoluir enquanto espécie (sim, a forma como evoluímos não encontrou paralelo na forma como dominamos, sempre, a nossa ansiedade). Se é certo que todos já nos sentimos ansiosos ou preocupados com alguma coisa, importa diferenciar as situações ou os estados em que nos sentimos ansiosos a maioria do tempo ou repetidamente em pânico, naquilo que podem ser sintomas sugestivos de uma patologia ansiosa (como, por exemplo, a perturbação de pânico, a fobia social ou a perturbação de ansiedade generalizada).

Há uma frase muito simples, tantas vezes ouvida nas conversas triviais, mas também em contexto clínico, que importa pensar. “Tenho ansiedade!” Ouvimos, dizemos. Nesta frase está a constatação de um feliz facto e não, necessariamente, o reconhecimento de uma patologia. Normalizemos a nossa natureza emocional, enquanto atentamos à forma como esta nos cria desafios e, no extremo, leva a perturbações do foro emocional e a patologias que requerem a devida atenção clínica dos profissionais de saúde, onde os Psicólogos constituem uma resposta de primeira linha.

Se pensarmos numa receita culinária, somos obrigados a pensar na proporção certa de condimentos. Tal como acontece com o sal ou a pimenta, convém que as usemos na medida certa. A menos ou a mais enviesam a qualidade do prato. Quando pensamos na ansiedade, a dificuldade, por vezes, está exactamente aí. Na forma como a conseguimos controlar, doseando a sua influência no nosso funcionamento e mitigando a sua potencial acção negativa no nosso padrão de pensamento e comportamento. Na medida certa, a ansiedade pode ser um elemento essencial para o nosso desempenho, preparando-nos, aguçando os nossos sentidos e motivando-nos para tarefas que percepcionamos como importantes, ajudando a que optimizemos a nossa prestação, numa receita devidamente condimentada, em que o saleiro e o pimenteiro são usados na medida certa.

Ao contrário do que muitos pensam, a ansiedade não está “só na cabeça”. É uma resposta que altera a forma como o nosso corpo reage, como as emoções se manifestam, como pensamos e, também, a forma como interagimos com os outros e com os contextos em que habitamos.

Se as manifestações de ansiedade nos sobrecarregarem, se o nível de ansiedade for elevado durante longos períodos, o nosso desempenho poderá ser afectado e torna-se mais difícil lidar com a nossa vida quotidiana. Podemos sentir que estamos a ficar sem controlo sobre nós, que vamos morrer ou enlouquecer. Quando a ansiedade ultrapassa o limite (único para cada um de nós), quando a receita se torna demasiado condimentada, os eventos stressores do quotidiano podem transformar-se em sintomas psicológicos, físicos e emocionais que tornam difícil que sintamos que estamos a viver normalmente, dado o estado de alerta que se instala. Dizem-nos alguns estudos que 1 em cada 6 portugueses pode sofrer de uma patologia ansiosa.

A ansiedade tem efeitos no nosso corpo e na nossa mente. Do ponto de vista físico, podemos experienciar tensão muscular, dor de cabeça, sensação de aperto no peito, batimentos cardíacos acelerados, náuseas, sensação de vómito, vómitos, vontade de ir à casa de banho, dificuldade em dormir ou sensação de “borboletas no estômago”. Do ponto de vista psicológico, a ansiedade pode tornar-nos mais receosos, alerta, nervosos, irritáveis, incapazes de relaxar e de nos concentrarmos. Habitualmente, estes sintomas funcionam “em equipa”, aumentando a intensidade dos nossos sentimentos de ansiedade e sua influência sobre nós.

A procura de ajuda médica é importante para esclarecer a natureza de alguns sintomas, como a dor no peito ou a dificuldade em respirar, para clarificar se ansiedade é a raiz do problema e, posteriormente, iniciar o processo de aferição dos condimentos.

As pessoas respondem à ansiedade de forma diferente, por isso, quando a ansiedade invade as suas vidas, podem experienciar ataques de pânico sem razão aparente, desenvolver uma fobia de sair de casa, isolar-se da sua família e amigos e evitar todos os estímulos que possam precipitar a activação ansiosa. Quando assim é, passamos do “tenho ansiedade” para “a minha ansiedade está a tornar-se um problema…” e a procura de ajuda, de forma precoce, junto daqueles que nos podem ajudar é muito importante para interromper a bola de neve e prevenir a avalanche.

Enfrentar a ansiedade é o caminho para quebrar o ciclo de medo e insegurança, em que a forma como funcionamos pode levar ao reforço das manifestações ansiosas. Existem caminhos que podemos empreender e estratégias que podemos privilegiar para conseguirmos gerir a nossa ansiedade, de forma mais adaptativa.

Faça você mesmo…

  • Estilhace preconceitos

Reconhecer e falar sobre a nossa ansiedade e as suas manifestações é muito importante, sublimando os preconceitos geradores de vergonha que ainda marcam as conversas sobre as nossas emoções.

  • Procure concentrar-se no aqui e no agora

Por muito difícil que seja focarmo-nos no aqui e no agora é uma via muito funcional para lidar com a ansiedade e com a forma como condiciona o nosso pensamento. Algumas práticas de relaxamento, meditação ou mindfulness podem ser recursos importantes. Pratique!

  • Procure dormir bem

Não dormir o suficiente potencia os nossos níveis de ansiedade e, por outro lado, dormir bem contribui para controlar os nossos níveis de stress e ansiedade.

  • Faça exercício físico

A prática regular de exercício físico, adaptado às suas características, permite reduzir índices de ansiedade, ajudando a relaxar, a aliviar a tensão nervosa e a libertar neurotransmissores que ajudam a mitigar a activação ansiosa.

  • Coma bem

Uma alimentação cuidada ajuda a que o nosso organismo responda melhor aos momentos em que é desafiado e levado ao extremo, tal como acontece nos momentos em que a ansiedade nos testa os nossos limites.

  • Encontre tempo para o que lhe dá prazer

Coloque na agenda tempo para estar com os seus ou para actividades que lhe dão prazer. A ansiedade não gostará delas, mas o estimado leitor apreciá-las-á.

  • Regule o acesso a redes sociais e às notícias

Procure criar limites à utilização das redes sociais e ao acesso a notícias. Sem controlo poderão ser factores promotores de níveis incrementados de ansiedade.

  • Procure os seus

Ultrapassar a vergonha de falar, de abordar as nossas dificuldades àqueles que fazem parte da nossa rede de pessoas de referência é uma estratégia importante. Falar ajuda.

  • Procure tratamento

Quando falar com os nossos já não nos é suficiente, procure ajuda especializada. Falar com um profissional de saúde ajuda e os Psicólogos estão na primeira linha, enquanto profissionais especializados nas temáticas da Saúde Mental.

  • Enfrente os seus medos

A ansiedade, pela forma como nos limita, leva a que se torne tentador, ou automático, evitar estímulos e cenários que sabemos que vão precipitar a resposta ansiosa e as suas manifestações. Ainda que no curtíssimo prazo pareça a melhor solução, tal acaba por contribuir para o incremento de sintomas ansiosos e para o possível surgimento de perturbações ansiosas. Diz-nos a evidência científica, e a prática, que vencemos a ansiedade, quando a enfrentemos. Também aqui, um Psicólogo pode ajudar.

  • Consulte o portal Eu Sinto-me

A Ordem dos Psicólogos Portugueses criou o portal Eu Sinto-me (disponível em http://eusinto.me), onde pode encontrar diversos conteúdos psicoeducativos sobre a resposta ansiosa. Aumentar o conhecimento é, igualmente, uma estratégia válida.

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