O Psicólogo Responde: Como se preparar para envelhecer bem a nível psicológico?
Envelhecimento

O Psicólogo Responde: Como se preparar para envelhecer bem a nível psicológico?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Telma Miranda
Psicóloga e assessora na Ordem dos Psicólogos Portugueses

Envelhecer é como escalar uma grande montanha: ao escalar, as forças diminuem, mas a visão é mais livre, mais ampla e mais serena". (Ingmar Bergman)

Desenganem-se os jovens que estão a ler esta partilha e situam o envelhecimento como um processo que acontece lá ao longe, muitos anos mais tarde: começamos a envelhecer assim que nascemos.

Embora possamos todos envelhecer de forma diferente, o envelhecimento é um processo de impermanência, contínuo, universal e complexo, que ocorre ao longo de toda a vida e a vários níveis: biológico – envelhecimento das células e do nosso corpo, que pode tornar-nos mais vulneráveis a algumas doenças e à morte; psicológico – relacionado com a nossa identidade, preferências e funções como a memória, a aprendizagem e a capacidade de tomada de decisão; social – associado às alterações nos papéis sociais que assumimos.

As mudanças que surgem com o envelhecimento, sendo inevitáveis, podem tornar-se oportunidades de desenvolvimento pessoal e familiar.

À medida que cresces, aprendes mais. Se ficasses pelos vinte e dois, serias sempre tão ignorante como eras aos vinte e dois anos. Sabes, envelhecer não é só decadência. É crescimento. É mais do que o negativo de que vais morrer, é também o positivo de que vais compreender que vais morrer, e que vives uma vida melhor por causa disso". ("As Terças com Morrie", de Mitch Albom)

Apesar disso, o envelhecimento está muitas vezes associado a preconceitos e estereótipos negativos, materializados numa figura mais frágil, incapaz e dependente, conduzindo a atitudes discriminatórias com base na idade – idadismo – que não é mais do que a discriminação do nosso eu futuro, quão caricato!

Mais de 20% dos adultos com mais de 60 anos vivem com uma perturbação mental ou neurológica, sendo as mais comuns a demência, a depressão e a ansiedade. Contudo, apesar do que muitas pessoas pensam, os problemas de Saúde Psicológica não fazem parte do processo de envelhecimento.

É possível envelhecer bem. E, como sabemos se estamos a envelhecer bem? Considera-se que um envelhecimento saudável traz consigo a serenidade e bem-estar que nos permite lidar com o stress do dia-a-dia, enfrentar situações inesperadas e adaptar às circunstâncias, mantendo-nos ativos e funcionais a todos os níveis, contribuindo ativamente no nosso contexto.

Não existe um modelo de pessoa mais velha. Pessoas com 70 anos podem manter capacidades semelhantes a jovens de 30. Outras podem evidenciar declínio físico e cognitivo em idades mais precoces. Esta heterogeneidade não é aleatória. Embora haja fatores que não controlamos, há coisas que podemos fazer para promover o nosso envelhecimento bem-sucedido:

Assumir uma atitude aberta face ao envelhecimento

A percepção que temos de nós mesmos e algumas variáveis psicológicas – como a resiliência – fazem diferença e afetam a nossa saúde, expectativas e facilitam ou dificultam uma melhor gestão das adversidades (ex: o medo de envelhecer pode fazer com que se ignorem sinais importantes, aos quais devemos dar atenção e resposta).

Acompanhar o nosso estado de saúde

Devemos estar atentos aos sinais e, perante queixas, devemos procurar ajuda para prevenir o agravamento de alguma situação (ex: dificuldades de audição podem comprometer a participação social e trazer isolamento).

Socializar

A frequência e qualidade das nossas interações com os outros, ou a falta delas, pode ter um impacto dramático no nosso bem-estar. É importante ter uma rede social, sejam familiares, amigos, vizinhos ou qualquer outro grupo em que possamos estar inseridos.

Atualizar as nossas competências digitais

Aprender a utilizar meios de comunicação e tecnologias é útil na aproximação das pessoas, no combate à solidão e na promoção de maior autonomia (ex: compras, pagamentos, serviços).

Manter uma rotina

Um desafio que pessoas mais velhas podem enfrentar é a perda da noção do tempo. Como as responsabilidades e compromissos são diferentes, é possível que se percam na linha do tempo. Por isso, é essencial ter uma rotina bem estabelecida: tentar acordar sempre à mesma hora, fazer as refeições a horas, não passar o dia de pijama, arranjar-se, ocupar-se e manter horários de sono.

Manter-se cognitivamente ativo

Ao longo da vida devemos cultivar atividades paralelas à profissão. Envolver-nos em actividades e tarefas que nos dão prazer: seja dançar, bordar, ler, escrever sobre o que estamos a sentir, visitar um museu, revisitar cartas e fotografias antigas para lembrar boas memórias, fazer exercícios de estimulação cognitiva… Por outro lado, aproveitar o tempo depois da reforma para fazer coisas novas: por exemplo, ir a aulas de pintura, aprender uma nova língua, inscrever-se no grupo de xadrez.

Manter-se fisicamente ativo

Não deixar de fazer exercício físico, de acordo com as nossas possibilidades e limitações físicas. Ir ao ginásio, fazer caminhadas, sentar-se, levantar-se.... Evitar ficar sentado ou deitado o dia todo.

Preparar a aposentação/reforma

A reforma não muda a nossa vida só economicamente. Se não for preparada devidamente pode levar à desmotivação, perda de identidade, invisibilidade social, depressão. Por isso, devemos refletir (só ou em conjunto) sobre o que faremos do nosso tempo livre quando estivermos reformados.

Preparar a casa

O ambiente físico pode constituir uma barreira ou oportunidade para maior independência até mais tarde. Evitar um ambiente muito cheio de obstáculos (ex: tapetes, vasos, banheiras) pode ser útil para prevenir quedas no futuro e promover a funcionalidade.

Preparar a morte (pouco comum na sociedade ocidental)

Custa-nos falar sobre o sofrimento e sobre a morte – a nossa ou a das pessoas de quem gostamos. Chegamos a pôr um tampão em conversas, invalidando o que as pessoas sentem ou os seus medos… “não digas isso, não penses nisso, vai passar, que disparate!”. Por vezes, a pessoa mais velha pode querer partilhar as suas angústias e preferências, e não ter quem a ouça. Dar espaço para estas conversas… não estaremos a atrair a morte, apenas a preparar-nos para a enfrentar com outra serenidade.

A sociedade também pode contribuir para um envelhecimento mais saudável e para atitudes mais positivas face a este tema:

Criar oportunidades de promoção de um envelhecimento bem-sucedido

Criar iniciativas de inclusão social, bem como programas que possam ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas mais velhas.

Promover o diagnóstico precoce de problemas de saúde psicológica no envelhecimento

Abrir espaço a mais psicólogos no Sistema Nacional de Saúde, de forma a poder haver maior resposta no diagnóstico diferencial, e nas instituições, para maior capacidade de resposta e intervenção aquando do encaminhamento da pessoa para essas respostas.

Adequar as estruturas para pessoas mais velhas

As instituições devem ultrapassar o nível de existência assistencial, respeitando a individualidade e a dignidade da pessoa, numa humanização dos cuidados, sem negligenciar a sua estimulação, participação e envolvimento ocupacional.

Envelhecer com saúde é mais do que soprar velas e um dia deixar de contar os anos que passam… é terreno fértil para cultivarmos ligações pessoais significativas, aprendizagens, escolhas diárias em prol do nosso bem-estar!

VEJA TAMBÉM:

Scroll top