O Psicólogo Responde: Quando é que a falta de capacidade de concentração nos deve preocupar?
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O Psicólogo Responde: Quando é que a falta de capacidade de concentração nos deve preocupar?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Margarida Sobral
Psicóloga e membro do CE de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos

A dificuldade de concentração pode ter muitas causas e diferentes formas de se manifestar, devendo ser olhada de acordo com as várias faixas etárias: nas crianças, nos adultos ou nas pessoas em idade avançada. Já lhe aconteceu sentir que não conseguiu prestar atenção a uma informação importante para si? Já sentiu que não se consegue concentrar como anteriormente? As dificuldades de concentração estão a preocupá-lo?

Todos já tivemos dificuldade em manter a atenção/concentração relativamente ao que se passa à nossa volta, o que nos levou a não ter conseguido memorizar o que nos pediram para fazer ou o que impossibilitou não ter sido possível compreender um texto de uma notícia ou do nosso trabalho. Mas, será que problemas como estes são causados apenas por desatenção casual, falta de conhecimentos específicos ou simplesmente por causa da agitação de um dia cheio de atividades?

Quando constatamos que estas dificuldades de concentração são frequentes, temos de procurar compreender o que na realidade está a acontecer. Alguns desses problemas podem ser causados apenas pelo nosso cansaço e excesso de trabalho. No entanto, estas dificuldades podem estar relacionadas com os problemas neurológicos não diagnosticados na infância, como défices de atenção ou ainda estarem relacionados com o início de défices cognitivos. Mas, em muitos casos, podem ser provocados por uma depressão. O enquadramento dos sintomas é por isso também relevante considerar.

Relativamente às crianças, estas são expostas à agitação do mundo que as rodeia. Em muitos casos são vítimas do ritmo acelerado que os adultos lhes impõem e de um excesso de estímulos e informações que chegam por diversos meios, como através de telemóveis, televisão e internet. Assim, as crianças passam menos tempo envolvidas no seu desenvolvimento, capacidades sociais e emocionais. As crianças têm mais dificuldade de concentração que os adultos, porque os seus cérebros ainda não se encontram totalmente desenvolvidos. Algumas dessas dificuldades de concentração em crianças tendem a desaparecer com a idade. Uma criança tem problemas de concentração quando tem dificuldades de aprendizagem, dificuldade em manter os níveis de concentração, desiste facilmente de tarefas, apresenta ansiedade, problemas de comunicação, de relacionamento, comportamentos inadequados, é desorganizada ou esquece-se facilmente das coisas. Algumas crianças apresentam, como tem sido muito divulgado e muito falado na comunicação social, uma perturbação de hiperatividade e défices de atenção, necessitando de intervenções farmacológicas, não farmacológicas e psicossociais.

Olhando para o que se passa nos adultos, a atenção é fundamental para a obtenção de informação sensorial através das nossas experiências conscientes. As pessoas com depressão queixam-se de dificuldades de concentração que contribuem negativamente para o seu desempenho das atividades habituais. A depressão afeta não apenas a emoção e o humor, mas também pode mudar a forma como o cérebro funciona. As potenciais alterações cognitivas com a depressão incluem aprendizagem e memória prejudicadas, atenção e concentração reduzidas e menor velocidade de processamento. A depressão pode e deve ser tratada e o tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível.

A memória de curto prazo e as funções cognitivas de nível superior envolvidas no comportamento orientado por objetivos requer o suporte da atenção/concentração. Dos domínios cognitivos que devem ser avaliados quando da existência de declínio cognitivo subjetivo, além da memória, a atenção parece ser de extrema importância. A capacidade de manter o foco numa atividade cognitiva, usando a atenção/concentração, é uma componente fundamental das capacidades cognitivas de todas as pessoas, sem a qual outras funções cognitivas ficam comprometidas.

As pessoas têm menos controlo sobre a manutenção da sua atenção/concentração à medida que envelhecem. A flutuação da atenção no processo normal de envelhecimento pode explicar a ocorrência ocasional de redução da função cognitiva devido à diminuição do controle da atenção.

As dificuldades de atenção/concentração surgem também em doentes com demência e, especificamente, em pessoas com Doença de Alzheimer. Como estar mais preparado para as dificuldades de atenção/concentração nos casos de défices cognitivos e demência? Devem ser eliminados os fatores distrativos externos, o que possibilitará manter uma capacidade de concentração num nível elevado. Os doentes com défices cognitivos e demências devem se envolvidos nas conversas, sem estímulos externo distrativos, como outras conversas, músicas altas, ruídos elevados do trânsito ou de televisão. A progressão da demência geralmente faz com que a concentração da pessoa diminua com o tempo.

Ficam aqui algumas dicas que poderão ajudar a manter uma boa atenção/concentração:

  • Procure criar um ambiente calmo e tranquilo – Eliminar os fatores externos distrativos, não se esquecendo de procurar o consentimento da pessoa para se mudar alguma coisa no seu espaço, como fechar janelas ou desligar a televisão;
     
  • Procure criar rotinas - Estabelecer uma rotina que contenham aquilo que as pessoas gostavam, em vez de algo totalmente novo. Acordar à mesma hora, realizar as refeições no mesmo horário, realizar atividade do seu agrado, como ver um programa preferido, dar um passeio ou mesmo tomar um chá pelas 5 horas;
     
  • Procure manter atividade social - Manter as atividades sociais, tendo contactos com a família e amigos, participando em clubes sociais, culturais ou outros grupos, saindo e conversando com os seus vizinhos e amigos;
     
  • Faça algumas verificações de segurança - Nos estadios iniciais de demência pode ser uma boa ideia instalar alguns equipamentos de segurança em casa para ajudar a lidar com os lapsos de concentração. Verificar se os alarmes de incêndio estão com as baterias carregadas, as portas têm uma função de fechamento automático ou alarme. A família deve concordar em fazer contatos com o doente para ter a certeza de que está tudo bem;
     
  • Faça exercícios cognitivos - Fazer jogos de raciocínio, como palavras cruzadas, puzzles de letras e números, jogar xadrez, damas ou cartas, ler, escrever, conversar, cozinhar novos pratos ou fazer jardinagem. Exercícios cognitivos simples são ótimas formas de interagir com a família, que relatam, muitas vezes, efeitos positivos nos níveis de concentração e melhoria da qualidade de vida;
     
  • Procure usar uma comunicação clara e simples - A comunicação com uma pessoa com défices cognitivos deve seguir algumas orientações fáceis de implementar, nomeadamente, falar com essa pessoa devagar e com clareza, usar frases simples, curtas e concretas, completar as suas palavras com gestos e dizer uma mensagem de cada vez;
     
  • Procure criar um limite de escolhas - Ao tomar decisões nunca fazer com que uma pessoa com demência se sinta que lhe tiraram o controle e a autonomia. Mas, ao mesmo tempo, criar formas de limitar o número de escolhas a realizar, pois é uma forma de diminuir as dificultar de concentração e até fazer com que alguém não se sinta sobrecarregado e agitado;
     
  • Procure usar ajudas para estimular a concentração - Nos estádios iniciais da demência, usar calendários, lembretes nos telefones e agendas podem ajudar a manter tudo sob controle. 

Por último, considero que a maioria das dificuldades de concentração na população geral, quando não estão associadas a outros sintomas que merecem atenção clínica, não nos devem preocupar, pois desaparecem. Está nas nossas mãos a melhoria da nossa capacidade de concentração quando conseguimos controlar o ambiente externo, com um nível de ruído aceitável, uma iluminação adequada, uma excelente temperatura que nos traz conforto, quando temos um sono regularizado, evitamos um cansaço intenso, mantemos um cérebro ativo do ponto de vista cognitivo e bons hábitos de alimentação e de exercício físico.

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