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Quando Bonga escreveu “Olhos Molhados” e cantava “Tenho uma lágrima no canto do olho” não estaria propriamente a referir-se a alguém com conjuntivite ou a um cisco no olho. O ato de chorar sempre foi muito associado a emoções, normalmente negativas, ou não fossem as emoções que também inspiram os músicos. Neste caso Bonga escreveu esta música, que trauteamos porque o refrão fica no ouvido, numa alusão às emoções que sentia na sua interpretação da realidade em seu redor.
O conceito de “Chorar” traduz-se no ato de verter lágrimas e, segundo a American Academy of Ophtalmology, existem três tipos de lágrimas produzidas pelas glândulas lacrimais: as basais, que protegem os olhos, as de reflexo, que servem para lavar os olhos (quando por exemplo um inseto colide com o nosso olho) e, finalmente, as lágrimas emocionais, nas quais nos vamos focar, porque surgem na sequência de uma forte emoção ou stresse.
Portanto, quando nos emocionamos é natural que haja tendência para ter “uma lágrima no canto do olho”, porque estamos a viver um momento, uma fase transitória ou um período mais prolongado que nos gera fortes emoções que “ativam” a necessidade fisiológica de as exteriorizar.
No entanto, o que é aparentemente simples e até natural no ser humano torna-se numa experiência confusa e até num desafio que travamos com nós próprios, porque na realidade estamos habituados a ouvir expressões como “não chores”, ou “não fiques assim”. Ou seja, sempre tivemos uma tendência para tentar apaziguar o nosso sofrimento ou o do outro, seja por não querermos demonstrar “parte fraca”, seja por não sabermos lidar com o sofrimento de quem gostamos porque estamos “programados” para a contenção na expressão de emoções, culturalmente influenciados pela ideia de que “os homens não choram” ou por expressões como “não chores que isso passa”. Estamos, assim, habituados a reprimir o que sentimos e a, sem querer, também condicionar a expressão emocional do outro.
Se pudéssemos até abdicávamos daquelas emoções desagradáveis ou sentimo-las como se não fossem normais, reais.
Mas são tão reais fisiologicamente que podemos, por exemplo, começar a chorar em momentos de grande emoção, ou nos reprimimos no ato de nos expressar da forma mais elementar, mas também podemos ficar apáticos por estarmos sob efeito de alguma substância. Cada um reage de formas diferentes, expressa-se influenciado por diferentes variáveis, seja em situações de pressão, sofrimento ou também em momentos de felicidade.
Também há circunstâncias em que o chorar de forma fácil e recorrente pode não ser só a consequência de estarmos a ver uma série tocante. Pode, sim, ser a expressão emocional de alguém que está em sofrimento.
Mas qual será a causa destas emoções?
Será que é predisposição para a depressão? Ou outra coisa qualquer? Infelizmente ainda tendemos a procurar uma explicação simples para problemas que nos desafiam para desta forma nos sentirmos mais tranquilos. Mas não é sensato “diagnosticar a olho nú”, ir ao Dr. Google ou perguntar ao ChatGPT sendo por isso de especial relevância compreender o que pode fundamentar um diagnóstico ou anulá-lo logo à partida. Os critérios de diagnóstico da depressão, por exemplo, além do fator de duração dos mesmos, incluem alterações do apetite, insónia ou hipersónia, falta de energia ou fadiga, baixa autoestima, escassa capacidade de concentração ou dificuldade em tomar decisões. Além disso, sentimentos de desesperança e até pensamentos suicidas.
Por outro lado, atualmente andamos assoberbados de funções, objetivos, de uma amálgama de exigências a que queremos dar resposta e a dada altura também não conseguimos corresponder, gerando uma enorme pressão, stress e alterações emocionais. Profissionalmente podemos até falar de uma situação que pode enquadrar-se num critério de burnout, que pode também envolver uma descarga emocional.
O choro fácil pode também derivar de uma fase mais sensível, de um período de luto que, de forma normal, gera sempre semanas ou meses delicados em que estamos mais suscetíveis.
Assim, se o choro fácil pode ser uma manifestação que nos transmite que algo não estará bem, não podemos partir do princípio que se está predisposto a um transtorno de humor como uma depressão, somente por se apresentar choro fácil. É sim uma reação que, se frequente, requer uma avaliação por especialistas.
Já numa perspetiva oposta é importante ter em conta que, se uma pessoa não exteriorizar qualquer emoção, não quer dizer que não possa estar a sofrer de algum problema de saúde psicológica. Tudo depende da forma como diferentes determinantes como a educação, cultura, características pessoais, medicamentos, entre outras, influenciam a nossa forma de expressão emocional e comportamentos.
Das emoções às decisões
Esta ligação entre o corpo, a mente e as emoções sempre foi uma das áreas de investigação nas neurociências. Neste contexto, para uma das suas maiores referências, António Damásio, as emoções são “padrões de ativação nervosa que correspondem a estados do nosso mundo interior. Assim, estas representações cognitivas de estados corporais podem provir de situações comuns que suscitem o medo, a ira, o prazer ou o amor.” A estas circunstâncias juntam-se manifestações corporais complementares à emoção sentida naquela situação. Como acontece no ato de chorar. E também, segundo o conhecido investigador português, nestes processos há uma dinâmica sistémica entre o cérebro, o corpo e a mente com o meio exterior, com o consequente desenrolar das emoções, sendo nesta dinâmica que se compreende a capacidade adaptativa destas ao meio e à consequente tomada de decisão. É por isso necessário que sejamos particularmente cuidadosos na interpretação do que está a acontecer seja a nós próprios ou alguém próximo que apresenta estes sinais porque pode ser uma manifestação emocional com diversas interpretações que requer a recolha de mais informações para se poderem tirar conclusões.
Portanto, se tiver “uma lágrima no canto do olho” sinta-se na liberdade não só de a sentir, mas aproveite também a oportunidade de a compreender e de se conhecer melhor.
Sugestões
- Aceite que somos humanos e que as emoções fazem parte de si.
- Tente compreender o seu próprio estado emocional e registar quando tiver momentos ou dias menos agradáveis. Será mais fácil identificar o que está a acontecer consigo.
- Permita-se sentir e a partilhar emoções com quem confia. Não reprima quando se sente mais emocionado porque ficará ainda mais tenso e reativo.
- Não tenha problemas em dar “parte fraca”. Na realidade chorar, além de ser um ato de coragem porque nos confrontamos com o que mais mexe connosco, é fundamental para nos conseguirmos autorregular.
- Se perante um momento ativador tiver uma reação intensa tente perceber quais os pensamentos associados e as circunstâncias concretas em que ocorreram.
- (Re)integre-se numa rede social (real) de pessoas com quem se sinta bem.
- Pratique uma atividade desportiva promovendo o equilíbrio corpo/mente.
- Conheça e crie empatia com o próximo. Somos seres sociais, precisamos uns dos outros.
- Evite o “não chores” ou “não fiques assim. Pode ser um desafio não dizer nada, mas a simples presença e um silêncio compassivo podem fazer toda a diferença perante o outro.
- No local de trabalho, se se aperceber que um colega aparenta não estar bem, mostre que está disponível para ajudar/ouvir. Esse gesto pode fazer toda a diferença.
- Não tire conclusões precipitadas. Informe-se de forma fundamentada com especialistas.
- Não se automedique. Corre sérios riscos. Recorra ao seu médico ou farmacêutico.
- Aceite que precisa de ajuda. Procrastinar agrava os problemas de saúde psicológica.
- Se sentir ou identificar alguém próximo com choro fácil e em sofrimento, procure ou sugira ajuda profissional, porque um psicólogo pode ajudar.
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