O Psicólogo Responde: Quando é que ter medo de doenças é um problema de saúde mental?
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O Psicólogo Responde: Quando é que ter medo de doenças é um problema de saúde mental?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Miguel Ricou
Psicólogo e presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses

A capacidade de discernir entre uma preocupação legítima com a saúde e uma preocupação exagerada que pode ser sinal de um problema de saúde mental é uma questão central na psicologia da saúde atual. Nos dias de hoje, a informação sobre saúde é abundante e muitas vezes contraditória, pelo que a probabilidade de alguém se desequilibrar com o medo de doenças aumenta.

Já num artigo anterior (Como lidar com o medo obsessivo de doenças?) tive a oportunidade de fazer referência aos diversos diagnósticos que podem ser associados a medos exagerados em relação a doenças. Nesse sentido, importará distinguir entre (1) uma perturbação do tipo obsessivo-compulsivo, em que a pessoa reconhece que os seus pensamentos sobre o medo de ficar doente, bem como os seus comportamentos para o evitar, são exagerados e sofre com isso, de (2) uma perturbação de sintomas somáticos, em que a pessoa apresenta sintomas reais que não têm uma explicação física e que representam a base da explicação para uma boa parte dos seus problemas na vida, de (3) um quadro de fobia específica em relação a um tipo de doença, muitas vezes de origem traumática, ou seja, por exemplo, associado a uma perda de alguém significativo com um problema idêntico, e ainda de (4) uma perturbação de ansiedade de doença, também conhecido como hipocondria, em que a pessoa, a partir de sintomas mais ou menos subtis, vive um medo sério de poder estar a desenvolver um quadro patológico grave.

Todos estes quadros, ainda que de etiologias bem distintas, são muitas vezes associados ao medo exagerado das pessoas com as doenças, sendo que, na maioria das vezes, não se iniciam a partir de preocupações normais a este nível. Neste sentido, procurar compreender quando é que ter medo de doenças pode ser um problema de saúde mental não deve apenas partir de este ser um medo maior ou menor. Este fenómeno, muitas vezes manifestado sob a forma de uma preocupação excessiva e constante com a possibilidade de contrair uma doença grave tem raízes profundas que podem estar relacionadas com experiências pessoais e, não raramente, com uma predisposição para uma maior sensibilidade em relação à ansiedade ou a outros problemas de saúde mental. Contudo, será útil deixar claro que um grande medo de estar doente, ainda que a partir de um quadro de sinais e sintomas que o justifique, pode também provocar problemas de saúde mental.

O objetivo deste artigo não é o de fazer a distinção entre todos os quadros que se podem associar ao medo exagerado de estar doente, mas sim ajudar as pessoas a melhor compreenderem quando poderão necessitar de procurar ajuda para lidar com um quadro de preocupação excessiva com doenças. Que fique claro, desde já, que ter medo de doenças é uma preocupação natural do ser humano, uma vez que a sua racionalidade o leva a saber que pode adoecer e que, estando doente, sofre com a incapacidade e/ou dor que esta lhe pode provocar. Contudo, quando o medo transcende a preocupação prudente e se começa a manifestar a partir de uma sensação de ansiedade persistente, de interpretações catastróficas de sintomas leves ou passageiros que poderão levar a comportamentos exagerados, importará considerar a possibilidade de um problema de saúde mental.

Tradicionalmente, a linha deve ser traçada quando a ansiedade gerada pela preocupação começa, então, a interferir na vida diária do indivíduo. Se as angústias com a saúde

começam a dominar os pensamentos, a ditar comportamentos e a limitar a participação em atividades sociais, profissionais ou familiares, então poderá começar a falar-se de um problema associado à saúde mental. Desde sempre, uma das grandes dificuldades na saúde mental, dada a diversidade individual dos seres-humanos, tem sido a distinção entre o que pode ser normal ou patológico para a pessoa. Descontando critérios estatísticos ou socio-culturais, a distinção deve ser feita a partir da própria pessoa (ou de pessoas próximas) que nota(m) uma diferença em relação ao seu nível de preocupação habitual com as doenças. Um outro critério deverá estar centrado no nível de incapacidade e/ou nos prejuízos provocados no dia a dia da pessoa pelas preocupações com a possibilidade de ter uma doença. Estas devem ser as referências centrais para que as pessoas possam pensar em procurar ajuda do ponto de vista profissional.

Como já foi referido, os problemas a este nível são muito heterogéneos e de bases que podem ser muito distintas, pelo que não é fácil definir, à partida, a melhor forma de intervir para ajudar alguém em particular. Não devem restar dúvidas, contudo, que as abordagens deverão ser multidisciplinares e devem visar ajudar a pessoa a conhecer-se melhor, a identificar as dificuldades e a desenvolver estratégias para melhor lidar com elas. Uma avaliação da história individual, dos seus comportamentos, das suas crenças e do seu nível de funcionalidade global será muito importante. Também a educação psicológica deliberada, promovendo literacia sobre a forma como interpretar informações sobre saúde de forma crítica e como entender melhor as informações que o corpo transmite, será também extremamente importante.

Não pode deixar de ser referido que um certo grau de preocupação com a saúde não é apenas normal, mas também benéfico. Sobretudo quando se foca na adoção de comportamentos saudáveis e na procura de atenção médica quando necessário, ou seja, quando existe uma estabilidade temporal de sintomas ou quando a sua intensidade for evidente. Os problemas de saúde mental existem quando o medo se constitui como o principal condutor do comportamento, em detrimento da procura do bem-estar e da qualidade de vida pessoal.

Sugestões:

  1. O medo de doenças pode tornar-se num problema de saúde mental quando for desproporcional à realidade, na perspetiva do próprio ou das pessoas que lhe estão próximas, e interfere significativamente na sua vida diária.
     
  2. A história de vida, a relação com a ansiedade e uma procura exagerada sobre informação sobre doenças podem ser fatores a contribuir para o desenvolvimento de preocupações patológicas com a saúde.
     
  3. A distinção entre uma preocupação saudável e uma exagerada envolve a avaliação do impacto da mesma nas várias dimensões da vida do indivíduo.
     
  4. As intervenções que podem ajudar as pessoas a este nível devem ser multidisciplinares, integrando intervenções médicas e psicológicas e de educação psicológica deliberada, associada à compreensão dos sinais e sintomas e das formas como se pode procurar informação credível.
     
  5. Uma preocupação moderada com a saúde é normal e desejável, bem como, a adoção de comportamentos promotores da saúde, sendo que estes não devem comprometer o bem-estar e a qualidade de vida da pessoa.

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