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A questão colocada já encerra, em sim mesma, a resposta. Todos os pensamentos que se tornam obsessivos têm, pelo mínimo, uma boa probabilidade de prejudicar a vida da pessoa, pelo que podem tornar-se numa perturbação mental.
Os ciúmes ocorrem quando uma pessoa tem medo de perder ou já perdeu uma relação importante com alguém para outra pessoa. Para além do medo de perder, pode incluir sentir raiva perante o que pode ser percebido como uma possível traição e também insegurança. É normal ter medo de perder algo ou alguém que é sentido como muito importante para a pessoa, o que torna o ciúme numa emoção comum nas relações interpessoais afetivas, e que pode ser, muitas vezes, visto como uma expressão do desejo pelo parceiro ou pela parceira, e por isso como algo que pode até ser considerado positivo. No entanto, quando os ciúmes se tornam persistentes podem transformar-se num problema significativo, seja para quem os sente, quanto para a pessoa que é objeto desses ciúmes. De todo o modo, será importante refletir que os ciúmes, ainda que habituais, são sempre potencialmente desequilibradores da pessoa e das relações, uma vez que, tratando-se do medo de perder alguém, refere-se a uma noção de posse que é, por isso, sobredeterminada, uma vez que ninguém tem direito sobre ninguém, e muito menos de agir por forma a condicionar ou vigiar o outro. Por isso mesmo, poderá afirmar-se que, se sentir ciúmes é habitual quando as pessoas estão emocionalmente envolvidas, agir motivado pelo ciúme será sempre errado e potencialmente desequilibrador da relação e das pessoas envolvidas.
Os ciúmes que podem ser chamados de obsessivos distinguem-se dos ciúmes que poderão ser considerados como normais pela elevada intensidade e/ou frequência, o que acaba por ter um impacto negativo na vida do indivíduo e perturba a relação. Se os ciúmes que podem ser considerados normais deverão ser uma sensação temporária como reação a situações percebidas, reais ou imaginadas, como ameaçadoras para a relação, os ciúmes obsessivos envolvem pensamentos que se tornam intrusivos e persistentes e difíceis de controlar. Por isso mesmo, estes pensamentos levam, mais tarde ou mais cedo, a comportamentos de controlo do parceiro ou parceira, como seja a vigilância constante, as verificações repetitivas das suas atividades e as exigências de comportamentos que possam ser sentidos como de aumento da segurança, como pedir provas do amor e de fidelidade.
Os ciúmes considerados obsessivos podem ser associados a outras condições clínicas, mas podem também surgir como isolados de qualquer outro problema de saúde mental. A condição mais relevante para que se possa avaliar se o ciúme pode fugir de uma sensação normal da pessoa deve estar ligada à passagem ao ato, ou seja, ao facto da pessoa que o sente não conseguir deixar de agir sobre ele, procurando informação ou sinais no comportamento do parceiro ou da parceira que visam dar-lhe segurança de que tudo está bem. Este processo, por muito que possam resultar num alívio momentâneo da situação, tende a repetir-se e a potenciar os ciúmes.
Ainda assim, pode destacar-se uma condição clínica conhecida como Ciúme Patológico ou Delirante (também referida como “Síndrome de Otelo”) que passa por uma perturbação delirante, a partir de uma crença fixa e irracional na infidelidade do parceiro, apesar da ausência de provas e até de motivos que pudessem promover qualquer tipo de desconfiança. Este delírio de ciúme é também frequente em pessoas com problemas de consumo excessivo de álcool, alimentado pelos problemas pessoais que os diversos problemas ligados ao abuso do álcool provocam na relação.
Os ciúmes obsessivos podem ainda ser um sintoma mais frequente em pessoas que sofrem com uma perturbação de ansiedade social ou generalizada, onde a preocupação constante e exagerada com a possível infidelidade do parceiro poderá ser o reflexo de sintomas de ansiedade subjacentes mais amplos.
A origem dos ciúmes que podem ser considerados obsessivos é multifatorial e insidiosa, ou seja, vai-se desenvolvendo e aumentando ao longo do tempo, sobretudo quando a pessoa não consegue evitar tentar controlar os ciúmes a partir do controlo do parceiro. Como todos os problemas de saúde mental, envolvem uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e socio-culturais. Se por um lado a existência de psicopatologia prévia, como seja a presença de perturbações emocionais, pode ser um fator de risco, a história de experiências passadas de traição ou abandono podem também aumentar a predisposição. Como já foi referido, uma baixa autoconfiança pode também aumentar a propensão para os ciúmes, já que o medo da perda da relação se torna mais facilmente validado do ponto de vista cognitivo. Os fatores sociais e culturais têm também um papel importante, uma vez que uma sociedade onde o domínio do homem sobre a mulher seja mais normalizável, associado a uma sensação de enorme vergonha e humilhação associada à infidelidade, é muito mais propensa à validação e patologização dos ciúmes.
Os ciúmes podem, por isso, ter consequências devastadoras para a vida do indivíduo e para a qualidade das suas relações. A nível individual, podem causar um sofrimento emocional significativo, incluindo o desenvolvimento de perturbações emocionais sérias, abuso de substâncias e promoção da violência familiar. Em termos de relação, os conflitos podem tornar-se frequentes e cada vez mais violentos, a quebra de confiança é evidente, o que promove o desenvolvimento de relações consideradas tóxicas e patológicas que, desse modo, terão mesmo de ser terminadas.
A procura de ajuda através de intervenções psicológicas individuais ou de casal pode constituir-se numa resposta importante sempre que as pessoas percebam estar a focar as suas relações em problemas de ciúmes e desconfianças, sempre associado à ideia de os ciúmes, ainda que habituais, serem sempre manifestações emocionais negativas para os indivíduos e potencialmente prejudiciais para as relações.
Sugestões
- Os ciúmes podem ser considerados como perturbadores da saúde mental quando interferem significativamente na vida diária e causam sofrimento emocional.
- A distinção entre ciúmes normais e aqueles que podem ser considerados obsessivos deve basear-se na elevada intensidade e/ou frequência dos mesmos, bem como na incapacidade da pessoa em evitar passar ao ato, desenvolvendo comportamentos que visam controlar o parceiro ou a parceira.
- A origem dos ciúmes é multifatorial, sendo que a educação psicológica deliberada sobre o seu processo de desenvolvimento, sobre a importância de limitar os comportamentos associados e sobre a promoção de relações baseadas no respeito mútuo serão muito importantes.
- Não existem bons ciúmes e maus ciúmes. Existem sim ciúmes que a pessoa pode consciencializar e ignorar, não sendo estes condicionadores do seu comportamento e existem ciúmes que a pessoa tem dificuldades ou mesmo incapacidade em controlar, acabando por afetar o seu comportamento na relação. Estes últimos não devem ser normalizados pelo próprio nem pelo seu parceiro ou parceira, devendo levar a uma procura de ajuda.
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