Acusações, ocultações, suspeitas de agressões - até houve pessoas refugiadas no WC: guia para entender a nova crise no Governo (mas dá mesmo para entendê-la?)

28 abr 2023, 22:33
João Galamba e Pedro Nuno Santos (António Cotrim/Lusa)

Frederico Pinheiro. Eis como uma pessoa praticamente desconhecida no país protagoniza um momento de escândalo no Governo. Mais um. Um guia para entender as últimas horas - loucas, imprevisíveis. Espantosas mesmo

Um computador roubado, agressões no Ministério e acusações de mentira - parece um filme mas não é.  É o Governo mesmo. Pedro Nuno Santos saiu do Ministério das Infraestruturas para acalmar os ânimos mas com Galamba os ânimos mantêm-se afinal bem animados - tudo por consequência da indemnização dada a Alexandra Reis. 500.000€. Isso mesmo. E os ânimos até estão mais do que animados - tornaram-se ânimos graves, fisicamente graves.

Já se sabia que a CEO da TAP se tinha reunido com o grupo parlamentar do PS (GPPS) um dia antes de ir ao Parlamento em janeiro. Mas agora sabe-se que o atual ministro das Infraestruturas soube da reunião com Christine Ourmières-Widener - reunião sobre a qual recaem suspeitos de que houve combinação de perguntas entre a ex-CEO e deputados do PS. Isso mesmo foi confirmado por mensagens trocadas entre João Galamba e o seu adjunto, Frederico Pinheiro, agora demitido: essas mesmas mensagens confirmam que o ministro sabia do encontro, ficando por perceber exatamente se sabia do teor do mesmo, nomeadamente da combinação de perguntas e respetiva articulação de respostas feita entre a CEO despedida e os deputados do PS.

Roubo, suspeitas de agressões e PJ no Ministério

Mas o episódio mais grave estava por acontecer. O Governo apresentou queixa-crime pelo alegado roubo de um computador do Estado do Ministério das Infraestruturas. Computador esse que teria informação confidencial. O alvo da queixa? Frederico Pinheiro, que tinha chegado ao Governo pela mão do antecessor de João Galamba, Pedro Nuno Santos.

De resto, nesse dia 26 de abril a tensão foi tal que a polícia teve mesmo de ser chamada ao Parlamento. É que o já ex-adjunto entendia, segundo uma fonte próxima de João Galamba, que tinha direito a ir buscar o computador antes de ser formalmente exonerado do cargo.

Quando chegou ao Ministério, Frederico Pinheiro foi buscar o computador - alegava ter ficheiros pessoais nele. Uma das assessoras presentes ter-lhe-á dito que não o podia fazer, uma vez que já tinha sido demitido. Encaminhou o ex-adjunto para a chefe de gabinete do Ministério, que estava noutra sala. Nessa mesma sala ouviram-se gritos, com a chefe de gabinete a confirmar o que tinha sido dito pela assessora: Frederico Pinheiro estava a cometer um crime ao levar o computador.

A mesma chefe de gabinete terá então tentado tirar a mochila das mãos do ex-adjunto, ao que se seguiram, alegadamente, agressões de Frederico Pinheiro, das quais terão sido alvo quatro pessoas. Frederico Pinheiro tentou então sair do edifício, mas as saídas foram fechadas. O ex-adjunto terá arremessado então a sua bicicleta contra os vidros da fachada, tentando fugir por aí.

Ainda nessa noite, por volta das 01:00, João Galamba terá recebido um telefonema da sua chefe de gabinete, que estava fechada numa das casas de banho do Ministério. A chefe de gabinete terá então descrito todo o caso ao ministro, contando a existência de agressões a si própria, bem como às assessoras de João Galamba.

Além das alegadas vítimas de agressão, que foram ao hospital naquela mesma noite, há ainda outras vítimas que estavam no local. Eugénia Correia e as suas colegas fizeram então queixa à polícia. Frederico Pinheiro também chamou a polícia mas para que pudesse sair do edifício, depois de ter sido retido pelo segurança.

Quanto ao computador, continua na posse da Polícia Judiciária, que está a investigar o caso. Segundo a revista Sábado Frederico Pinheiro nega as acusações de roubo: "Eu desminto que tenha roubado o que quer que seja. Não fui notificado de nada e, se for, vou defender-me nas instâncias próprias".

Galamba acusado de mentir

Entretanto, e já depois de a CNN Portugal ter noticiado que Frederico Pinheiro tinha sido demitido e que o Governo tinha apresentado uma queixa-crime por causa do roubo do computador, o ex-adjunto acusou o Ministério das Infraestruturas de querer omitir informação à CPI da TAP sobre a “reunião preparatória” entre o PS e a ex-CEO.

Num comunicado a que a CNN Portugal teve acesso, Frederico Pinheiro refere que, no seguimento das revelações feitas a 4 de abril na audição da ex-CEO na CPI da TAP, João Galamba reuniu-se com o agora ex-adjunto para abordar o tema da reunião preparatória de 17 de janeiro, na véspera de uma audição da gestora na comissão parlamentar de Economia.

“Nesse momento, o adjunto Frederico Pinheiro indica ter tomado notas da reunião [de 17 de janeiro], que registou no computador. Resumiam o que tinha sido abordado" naquele encontro, bem como numa outra reunião realizada um dia antes.

Segundo o comunicado, no qual Frederico Pinheiro escreve sobre si próprio na terceira pessoa, ficou "claro que, naquela reunião de 17 de janeiro, tinham sido articuladas perguntas a serem efetuadas pelo GPPS [grupo parlamentar do PS] e tinham sido referidas as respostas e a estratégia comunicacional da CEO da TAP”.

De acordo com o adjunto exonerado, “ficou indicado que, em caso de requerimento pela comissão parlamentar de inquérito, as notas não seriam partilhadas por serem um documento informal”.

Frederico Pinheiro diz também que não concordou com um comunicado enviado pelo Ministério das Infraestruturas a 6 de abril no qual se indica que o então adjunto tinha estado presente na referida reunião preparatória. “Entretanto, a 24 de abril é indicado a Frederico Pinheiro pela técnica Cátia Rosas que o gabinete ia responder à CPI, no âmbito de um requerimento, que não existiam notas da reunião. Nesse momento, Frederico Pinheiro indica à técnica que, como sabia, tal era falso e que, no seguimento do comunicado do Ministério das Infraestruturas de dia 6 de abril, era provável que Frederico Pinheiro fosse chamado à CPI e que, nesse momento, seria obrigado a contradizer a informação que estava naquela resposta", com a qual discordava.

Contactado por João Galamba esta  terça-feira, 25 de abril, Frederico Pinheiro terá deixado “claro que a decisão que tomaram de não revelar a existência das notas teria de ser revista”. “João Galamba teve uma reação irada”, refere o comunicado do próprio Frederico Pinheiro.

O adjunto exonerado diz que, na terça-feira à noite, enviou ao ministro por email as notas das reuniões de 16 e 17 de janeiro, acompanhadas de uma sugestão de mudança na resposta a enviar à comissão de inquérito. Sugestão essa que "assentava na divulgação das notas tiradas na reunião de 17 de janeiro”, refere Frederico Pinheiro. Na quarta-feira, João Galamba ligou a Frederico Pinheiro a comunicar que o ia despedir.

Ex-adjunto coloca João Galamba em reunião com ex-CEO

Relativamente à reunião que esteve no centro desta polémica, o comunicado de Frederico Pinheiro começa por referir que “no dia 16 de janeiro de 2023, de manhã, realizou-se uma reunião preparatória na qual participaram o ministro das Infraestruturas, João Galamba, a então CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, Frederico Pinheiro, adjunto do ministro, e Manuela Simões, diretora do departamento jurídico da TAP”, que teve como objetivo “articular com a TAP a gestão da informação a ser efetuada pela CEO na audição parlamentar agendada para essa semana, dia 18 de janeiro”.

Segundo Frederico Pinheiro, nesta reunião João Galamba informou a ex-CEO de que se iria realizar, no dia seguinte, uma “reunião preparatória da audição parlamentar entre o grupo parlamentar do PS e o Ministério das Infraestruturas”.

“Nesse dia 16 de janeiro à tarde, a CEO da TAP comunica por telefone ao adjunto Frederico Pinheiro a intenção de participar na reunião preparatória do dia seguinte, entre o Ministério das Infraestruturas e o GPPS [grupo parlamentar do PS]”, refere o comunicado do ex-adjunto.

Frederico Pinheiro diz ter informado por escrito o ministro da intenção da TAP de participar na reunião, tendo sido dada autorização.

As mensagens a que a CNN Portugal teve acesso

O ministro das Infraestruturas "nega categoricamente” ter "procurado condicionar ou omitir informação à CPI da TAP". É desta forma que João Galamba garante que “toda a documentação solicitada foi integralmente facultada” aos deputados.

Reagindo às acusações feitas pelo seu ex-adjunto, o governante afirma que essa mesma exoneração ocorreu por Frederico Pinheiro ter “repetidamente negado a existência de notas de reunião que eram solicitadas pela CPI, o que poderia ter levado a uma resposta errada à CPI por parte do gabinete do Ministério das Infraestruturas”.

Entretanto a CNN Portugal teve acesso a mensagens enviadas por João Galamba a Frederico Pinheiro. O ministro pediu ao ainda ajunto que divulgasse as notas tiradas durante a reunião.

De acordo com mensagens, João Galamba questionou Frederico Pinheiro sobre as notas, que o ex-adjunto terá recusado dar inicialmente. “Como é que tu te lembras que tens notas um mês depois da reunião em que a Eugénia [chefe de gabinete do Ministério das Infraestruturas] pediu tudo o que havia sobre a reunião com o grupo parlamentar?”, questiona João Galamba, numa mensagem em que dá conta de que o Governo teve de pedir a prorrogação do prazo para o envio de documentos devido a este facto.

Numa outra mensagem enviada a Frederico Pinheiro, João Galamba pede ao seu adjunto que lhe envie as notas, bem como a uma das suas assessoras, “com a máxima urgência”.

Já este sábado, a CNN Portugal teve acesso à mensagem de resposta enviada por Frederico Pinheiro a João Galamba: “Olá João e Eugénia, boa tarde. Só vi agora o telemóvel. As notas que eu referi ontem à Cátia [adjunta do gabinete que estava a preparar respostas formais à CPI], são as mesmas que referi e li na nossa reunião no gabinete da Eugénia", começa por escrever na mensagem, a que a CNN Portugal teve acesso.

“Na altura considerámos todos que, sendo algo informal, não seria de relevar. No entanto, depois disso, seguiu um comunicado de imprensa a indicar o meu nome como tendo estado presente na reunião. Como referi então, tal decisão criou a possibilidade de eu ser chamado à CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito]. Se tal acontecer, eu terei de referir que tenho essas notas. Dito isto, creio que a decisão de não revelar a existência dessas notas deve ser revista”, pode ler-se na mesma mensagem.

Partidos pedem demissão de João Galamba, "politicamente diminuído"

O PSD considerou esta sexta-feira que o ministro das Infraestruturas não tem condições para continuar em funções caso se confirme que quis omitir factos à CPI da TAP. “Acabamos de saber pela voz do seu ex-assessor que o ministro quis mentir à comissão parlamentar de inquérito, omitindo informação relevante”, afirmou o líder parlamentar do PSD, considerando que “isso é inaceitável”.

Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, Joaquim Miranda Sarmento afirmou que, “se isso é assim, não há condições para que João Galamba continue no Governo”. O social-democrata defendeu que o ministro das Infraestruturas “está politicamente muito diminuído”.

Também o líder parlamentar do Bloco de Esquerda defendeu que, se João Galamba “deliberadamente tentou mentir a uma comissão de inquérito, não pode continuar como ministro”, exigindo explicações também do primeiro-ministro, António Costa, “em nome da democracia e da verdade”.

“Se há um ministro que deliberadamente tentou mentir a uma comissão de inquérito não pode continuar como ministro. Se há acusações de que o ministro quis faltar à verdade a uma comissão de inquérito, essas acusações têm de ter uma resposta clara e inequívoca por parte do Governo”, disse aos jornalistas Pedro Filipe Soares.

De acordo com o líder parlamentar bloquista, “o senhor ministro, o senhor primeiro-ministro são chamados a dar respostas em nome da democracia e em nome da verdade a este Parlamento”.

Através de um vídeo enviado à redação da CNN Portugal, André Ventura reagiu à polémica em torno de Frederico Pinheiro. O presidente do Chega entende que Galamba deveria resignar e “assumir a responsabilidade”.

Relacionados

Governo

Mais Governo

Patrocinados