Ser feliz também se aprende. “Ninguém pode e nem deve ser feliz o tempo todo”

15 jun, 08:00
Felicidade alegria praias por do sol mar Getty Images

ENTREVISTA A BRUCE HOOD || Psicólogo e professor universitário britânico alerta que “começamos a sentir-nos insatisfeitos com as nossas vidas à medida que nos comparamos cada vez mais com os outros.” As redes sociais vieram potenciar a infelicidade, porque “encorajam a ‘comparar e a desesperar’”. No seu mais recente livro, indica sete lições para estar de bem com a vida

Bruce Hood é professor de psicologia na Universidade de Bristol, no Reino Unido. É responsável pelo curso Ciência da Felicidade, lançado em 2018, que ensina os jovens universitários a… serem felizes. O curso deu origem ao livro “A Ciência da Felicidade – Sete lições para viver bem”, agora lançado em Portugal com a chancela da editora Nascente.

A propósito desta obra, Bruce Hood falou à CNN Portugal. Garante que é possível aprender a ser feliz e deixa alguns alertas sobre a felicidade. Fala sobre os perigos das comparações, sublinhando que “começamos a sentir-nos insatisfeitos com as nossas vidas à medida que nos comparamos cada vez mais com os outros”. E garante que “ninguém pode e nem deve ser feliz o tempo todo”.

O psicólogo e professor universitário nascido em Toronto, no Canadá, deixa claro que não se pode ser feliz sozinho e que a nossa felicidade depende também da felicidade de quem nos rodeia, garantindo que o egocentrismo é inimigo de uma “felicidade forte e duradoura”.

O especialista diz que a felicidade tem também uma carga genética, mas é possível ensinarmos os nossos filhos a serem felizes: “É importante oferecer oportunidades para que o seu filho faça amizade com outras crianças, incentivando-o a ser generoso e gentil”. O resto, a vida irá devolver-lhe.

 

A felicidade é algo que podemos aprender? É possível aprender a ser feliz?

Sim, há seis anos que ministramos um curso denominado “Ciência da Felicidade”, que demonstrou aumentos significativos na felicidade dos alunos que o frequentam em comparação com aqueles que não o fazem. Medimos isso convidando os alunos a preencherem questionários de autorrelato relacionados com a felicidade, ansiedade, depressão e solidão, antes e depois do curso. Obtemos regularmente um aumento de 10% a 15% [nos índices de felicidade e bem-estar dos alunos]. Essa felicidade volta ao nível inicial se não acompanharem as atividades recomendadas. Mas os alunos que continuam com pelo menos algumas das atividades mantêm uma felicidade mais elevada até dois anos mais tarde (o momento em que abandonam a universidade).

A felicidade é uma escolha e depende apenas de cada um de nós?

Não inteiramente. A felicidade é obviamente uma experiência pessoal, mas é gerada quando estamos satisfeitos com as nossas vidas. E isso inclui aqueles que nos rodeiam.

Aliás, duas das lições que explica no seu livro passam por evitar o isolamento e conectar-se com outras pessoas…

Sim. Por exemplo, os países mais felizes do mundo são as nações nórdicas (Finlândia, Noruega, etc.) e a razão parece estar relacionada com a confiança que os seus cidadãos têm nas instituições e entre si.

No prefácio, diz que a maioria de nós somos crianças felizes e muitos tornam-se adultos infelizes e insatisfeitos com a vida. Onde é que essa noção de felicidade se perde? Em que momento da nossa vida perdemos essa sensação de felicidade?

Começamos a sentir-nos insatisfeitos com as nossas vidas à medida que nos comparamos cada vez mais com os outros. Por isso, diria que os problemas de saúde mental começam a crescer por volta da adolescência, quando as crianças se comparam cada vez mais com os seus pares. Esta comparação é agravada pelas redes sociais, que encorajam os utilizadores a “comparar e a desesperar”, por causa das representações irrealistas que são retratadas online. Assim, a adolescência (e até meados dos 20 anos) é a altura de pico dos problemas de saúde mental e penso que isto se reflete na transição para a idade adulta, quando há mais pressões.

Mas, se é possível aprender a ser feliz, porque é que não somos todos felizes e há cada vez mais problemas de saúde mental, incluindo depressão? Porque é que tantas pessoas são infelizes? Existe falta de cultivo da felicidade? Existe um défice de trabalho por parte das instituições e das empresas?

A felicidade vem e vai ao longo das nossas vidas. É impossível estar constantemente feliz. Precisamos vivenciar a infelicidade como parte da nossa reação natural aos contratempos da vida e todos temos problemas. Ensino uma maneira melhor de lidar com os problemas para que eles não dominem as nossas vidas. É verdade que a felicidade não tem sido priorizada, pois a competição pelo sucesso significa que muitos sacrificam a sua saúde mental na busca pelo sucesso. Não há nada de errado em ser ambicioso, mas é extremamente importante obter o equilíbrio correto entre trabalho e vida pessoal.

É impossível alguém estar permanentemente feliz. Então, suponho que a felicidade seja feita daqueles pequenos momentos que acontecem quando algo corre bem nas nossas vidas. Eu não estou feliz… sou feliz… é isso?

Ninguém pode e nem deve ser feliz o tempo todo, porque precisa do que é mau para apreciar o que é bom. Além disso, o cérebro acostuma-se com estados estacionários. Mas podemos passar mais tempo com um estado de espírito mais feliz do que com um estado de espírito infeliz, que é o que tento ensinar.

Na introdução do seu livro, diz que o que faz uma criança feliz são, em parte, os genes dos pais. Pode explicar melhor essa importância da hereditariedade na felicidade? Os filhos de pais deprimidos estão ‘condenados’ à tristeza e à depressão?

A genética comportamental informa-nos que a herdabilidade da felicidade anda à volta de 50%. Isso significa que, se observarmos o grau de semelhança entre os filhos e pais, há uma grande variação. Algumas crianças são muito parecidas com os pais e outras muito diferentes dos pais, mas, em média, a semelhança é de cerca de 50%. Por outras palavras, mesmo que os pais estejam muito felizes, um filho ainda pode estar infeliz e vice-versa.

O ponto principal é que há espaço para melhorias. Por exemplo, estudos com gémeos idênticos e não idênticos mostram que é possível ensinar os dois tipos a serem mais felizes, mas as vantagens não dependem da semelhança genética. Além disso, vale a pena considerar que a herdabilidade da felicidade é a mesma da inteligência. Todos reconhecem que a educação é importante para todos os níveis de inteligência e, portanto, o mesmo argumento se aplica à felicidade – todos podemos beneficiar.

O ser humano tende à negatividade, ao sofrimento por antecipação, à tristeza? Se sim, porquê?

O cérebro dá atenção especial às informações negativas porque é uma estratégia evolutiva de sobrevivência para que possamos reproduzir-nos. Não há vantagem em prestar atenção nas coisas boas ou quando as coisas não estão a mudar. Em vez disso, é melhor antecipar os problemas e tentar resolvê-los ou concentrar-se em coisas que são potencialmente ameaçadoras.

Um “eu” excessivamente egocêntrico pode ser a fonte de toda infelicidade?

Quando somos egocêntricos, direcionamos a nossa atenção e esforços para nós mesmos e não para os outros. Achamos que os nossos problemas são mais importantes do que os dos outros e por isso exageramo-los. Também tendemos a fazer comparações negativas, considerando o quão melhor estão os outros que são mais bem-sucedidos do que nós, em vez de considerar aqueles que são menos afortunados. Quando somos egocêntricos, não nos beneficiamos do apoio recíproco e da generosidade fornecida por outros, de que podemos necessitar para superar os problemas da vida.

Além disso, a felicidade que geramos para nós mesmos quando somos egocêntricos não é tão forte e não dura tanto quanto a felicidade gerada para os outros. Por exemplo, podemos decidir comprar um presente caro para nos sentirmos felizes. No entanto, essa felicidade não é autêntica e durará pouco. Por outro lado, se gastar esse dinheiro com alguém que não espera, essa felicidade será uma verdadeira surpresa, mais impactante e durará muito mais tempo.

Também diz que nosso senso de identidade é construído durante o desenvolvimento quando criança. Como podemos começar a cultivar hábitos para a felicidade nos nossos filhos?

É importante oferecer oportunidades para que o seu filho faça amizade com outras crianças, incentivando-o a ser generoso e gentil. Com o tempo, deverão tornar-se mais populares e isso ajudará a fortalecer as ligações sociais.

A quinta lição do seu livro – “Controlando a sua atenção” – explora como, quando não estamos envolvidos em atividades que exigem nossa atenção, tendemos a mergulhar em pensamentos negativos. Mas não é importante também aceitar estes pensamentos negativos, a nossa tristeza, até mesmo para o luto?

Sim, é importante processar a tristeza e principalmente o luto, mas estou focado na infelicidade que é desproporcional ao problema que atrapalha o funcionamento diário normal. É aí que se torna um problema de saúde mental.

Então, afinal, o que é felicidade? Como é que a felicidade é medida?

A felicidade abrange uma série de questões, mas penso que a melhor definição é uma sensação de contentamento com a vida em termos daquilo que alcançou, onde está atualmente e como acha que será o seu futuro. Abrange emoções positivas e pensamentos positivos. Pode medir isso simplesmente pedindo às pessoas que avaliem o quão verdadeiro isso é numa escala de 0 a 10 (que é o método usado pelo Relatório Mundial da Felicidade).

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