opinião

I.A. e a nova corrida ao Espaço

21 mai, 16:00

Será, portanto, um mandato Europeu crucial, aquele que se iniciará após as eleições deste mês de junho

De um lado os E.U.A. Do outro, a China. A meio, a Europa. Na sombra, a Rússia. Sem conhecer bem ainda, Índia.

Dos fins militares aos mais comerciais, do controlo e segurança dos cidadãos aos da biologia sintética ou aceleração na descoberta de novos medicamentos para o cancro (e não só), a I.A. [Inteligência Artificial] assume-se como a corrida que as nações mais poderosas querem vencer neste século. Em cima da mesa está o controlo e o poder para os próximos 50 anos. É a nova corrida à Lua e ao Espaço, para lembrar os idos anos 60 do século passado.

Recentemente, a 17 de maio de 2024 em Leiria, o Ministério Público pela Procuradoria da República da Comarca de Leiria reuniu várias forças de segurança para uma tarde em volta da I.A. e a Investigação Criminal. Presentes estiveram comigo Carlos Pinho, Procurador da República da Área de Inovação, Tecnologias e Projetos da PGR, também Carlos Cabreiro, Diretor da UNC3T da Polícia Judiciária, e ainda a Professora de Direito da Univ do Minho, Isa António; a moderar a mesa-redonda esteve o Dr. Celso Leal, Procurador da República do DIAP das Caldas da Rainha.

No balanço de uma tarde de sala cheia e muito participada ficam várias considerações a que todos, e não apenas as forças de segurança, devem prestar total cuidado e especial atenção.

I.A. e a regulação

Em primeiro o A.I. ACT que a Comissão Europeia pretende aprovar e implementar. Por maiores críticas que a regulação possa obter de algumas comunidades, nomeadamente científica que apela a que a regulação possa “proteger” empresas maiores sendo essas as únicas que possuem recursos para fazer face à regulação (nomeadamente por terem as equipas legais necessárias para monitorizar e cumprir as exigências), a verdade é que na comparação com os E.U.A. e a China é deveras a Europa a única a refletir preocupação na verdadeira salvaguarda dos direitos individuais dos seus cidadãos.

Foi aliás lembrado por Carlos Pinho e Isa António o exemplo do uso de I.A. já nalguns tribunais norte-americanos, com as enormes diferenças entre os do Estado da Califórnia vs do Indiana, onde neste último decisões de liberdade condicional tomadas por I.A. sob consulta dos seus juízes têm feito correr muita tinta; Porquê? Porque os modelos de I.A. no caso do Indiana foram treinados com o histórico de casos estando os mesmos com inúmeros vieses de género, raça e etnia, sem tal ter sido aparentemente removido e, portanto, derivando hoje a I.A. em decisões novamente enviesadas, replicando “tendências” de outrora...

O ponto mais veemente citado pela Professora Isa António foi, aliás, esse, o de que será sempre preferível optar por um julgamento por um juíz ao de um julgamento por um algoritmo, sem que se saiba devidamente como o mesmo foi treinado e orientado no seu fim. Mesmo no Github, lembrou Carlos Pinho, pode ser consultado o modelo da OpenAI, embora tal complexidade faça com que a informação mesmo estando partilhada não derive em qualquer esclarecimento possível.

Uma corrida ao domínio do século XXI

Lembrámos todos na mesa-redonda que o momento é de uma verdadeira corrida, tal como a dos anos 60 do século passado, pelo domínio do Espaço e da Lua. E tal como nessa época, os recursos humanos, financeiros e tecnológicos estão a ser determinantes.

Senão vejamos:

A China já lidera no número de patentes em I.A. com mais 1/3 em 2023 do que as registadas pelos Estados Unidos da América. Mas para o resto do Globo, e na Europa este tema acentua-se mais ainda, as infraestruturas de cloud e de servidores com os seus GPU’s e CPU’s para treinar e colocar estes modelos a funcionar estão sobremaneira assentes em infraestruturas da Amazon, Google ou Microsoft; empresas norte-americanas. Mesmo as melhores universidades americanas já deixaram de conseguir ter as infraestruturas necessárias para conseguirem desenvolver modelos de I.A. similares aos do Gemini da Google ou do ChatGPT da OpenAI.

Claro que a China e os E.U.A., lutando pelo domínio e liderança, lançam-se em pistas que embora paralelas têm curvas algo diferentes. A meta final é a mesma, mas as barreiras intermédias nem todas são iguais.

Se os E.U.A. ambicionam o Globo, a China está mais focada primeiro no país (sem grandes limites no que diz respeito à segurança nacional empurrando de forma vigorosa na componente industrial militar), e logo a seguir no Indo-Pacífico. Mesmo que a Índia fique de fora (mas em aliança aos E.U.A.), serão ainda assim 4MM de cidadãos na região.

Já os 730M de pessoas da Europa serão mais propensos a adotar soluções dos E.U.A., a somar aos 400M de pessoas dos E.U.A. e Canadá totalizando assim 1.1 MM de pessoas.

Mas já ninguém sabe bem para onde poderão pender os 700M da América Central e Sul, onde a China tem fortes alianças... Idem para África, onde se esperam que os atuais 1.4MM sejam 2.4MM em 2050 - e aqui quer China quer Rússia podem ditar as regras.

A grande limitação chinesa nesta ‘”corrida”, por ora, está no embargo perpetrado na era Trump do acesso da China aos semicondutores de última geração, onde os EUA puxam para si a maior parte, relegando para a China apenas as segundas linhas de desempenho: de lembrar que a maior parte dos GPUs necessários são desenhados pela NVIDIA – empresa americana – produzidos pela TSMC em Taiwan - aliados americanos – com máquinas da ASML – holandeses, próximos dos americanos – e 80% do quartzo de alta-qualidade necessário ao fabrico dos chips vem de uma única mina na... Carolina do Norte, E.U.A. 

Mas crê-se que a China não se ficará por aqui, e estima-se que estará já em marcha um plano para desenvolver no país a resposta e depender menos do exterior nesta componente.

Como adicional curiosidade, saiba que a China gasta anualmente mais em semicondutores do que em petróleo, mais precisamente 15,3% do total de importações para os primeiros vs. 13,5% para o segundo (Citibank, 2022).

O que se segue

Para já e no breve trecho o que é notório é que a capacidade física (servidores e datacenters) continuará a ser determinante para acelerar modelos de I.A. cada vez melhores e mais adotados. Como referência, de lembrar que Portugal só este ano terá o seu primeiro supercomputador.

Também fundamental será decidir a quem cabe a gestão dos arquivos judiciais e policiais do nosso país, que são esses (ou parte deles) que serão a base para treino dos modelos de I.A. que as nossas forças de segurança e os tribunais pretenderem desenvolver e aplicar.

Igualmente, que a regulação dos E.U.A. nesta matéria será mais liberal enquanto a da Europa manterá o pendor de maior firmeza nos limites e liberdades aos seus cidadãos, seja na aplicação por Estados, empresas ou cidadãos de modelos de I.A.

A Rússia certamente manterá o foco da I.A. no campo da segurança interna e poderio militar. E a China como vimos também com exponenciais desenvolvimentos na área da segurança, mas logo a seguir em telecomunicações, serviços, transportes, etc., com isso sendo o único verdadeiro concorrente dos E.U.A.

3... 2... 1...

Será, portanto, um mandato Europeu crucial, aquele que se iniciará após as eleições deste mês de junho. Onde a Comissão Europeia certamente atribuirá vários incentivos financeiros ao desenvolvimento dos setores críticos europeus através da I.A. para também a Europa poder ter alguma independência.

Quem sabe surja algum tipo de organização similar ao que se fez na exploração espacial com a Agência Espacial Europeia (ESA) ou na aeronáutica com a Airbus.

Para terminar, faria minhas as palavras do Dr. Carlos Cabreiro: cá estaremos nos próximos 50 anos para ver tudo isto desenrolar-se.

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