opinião
Colunista e comentador

A mensagem de Rui Santos para Vítor Bruno

14 jun, 23:00

Caro Vítor Bruno,

Já o disse publicamente e volto a reafirmá-lo: vejo em si, à partida, qualidades que o podem colocar num plano de grande evidência como treinador principal. Para já no FC Porto, por ora o que mais interessa.

Um bom treinador não é apenas aquele que sabe de tácticas e de treino; um bom treinador, para se distinguir dos outros, que sabem de tácticas e de treino, precisa de ter outras qualidades e uma delas, que emana da personalidade, é saber relacionar-se com o mundo que o rodeia.

Para isso é preciso ter mundividência, capacidade para comunicar e perceber os outros.

É notório que o Vítor tem isso e já arrisquei publicamente a previsão de que pode tornar-se, a prazo, num dos melhores treinadores portugueses de futebol.

Durante 13 anos como adjunto de Sérgio Conceição vi em si a muleta essencial, o braço mecânico mas também a visão e o complemento e, às vezes, a base do pensamento do líder.

Para mim, os adjuntos mais valiosos são aqueles que dão soluções diferentes àquelas que os lideres preconizam. “Vais pela direita? Não é melhor ires pela esquerda?!” - porque assim e assado… No fundo…

…Fazer pensar! Contribuir para a decisão, mesmo que o seu ponto de vista não seja seguido.

Já lá vai o tempo em que os adjuntos eram os que levavam os sacos das bolas e o Vítor, nas ausências do Sérgio, por castigo, foi dando nota de que era capaz.

E a forma como sempre assessorou o líder durante 13 anos, 7 dos quais no FC Porto, nomeadamente quando era necessário tomar a palavra e passar a mensagem, nunca me deixou dúvidas sobre o que tinha e tem para dar.

O modo como transmitiu as suas ideias no dia da apresentação dizem muito. Não hesite. Faça. De acordo com as suas convicções e princípios.

As acusações de traição são, talvez, dores de consciência. Algumas pessoas acham que lealdade é sinónimo de submissão, como se a função de um adjunto fosse o de ler levado por uma trela ou obedecer à voz do dono e às suas ordens.

Senta, busca, pega, deita — não, isso não é lealdade. Isso é uso e abuso e a integridade das pessoas e dos profissionais pode estar entre a gratidão e — em função dos contextos - a liberdade de decidir.

Quem traiu quem?

O contexto foi que Sérgio Conceição escolheu claramente o lado de Pinto da Costa, dando-lhe um apoio inequívoco.

O contexto foi que, durante a campanha eleitoral e nos dias que se seguiram à vitória de André Villas-Boas, descobriram-se muitos actos lesivos para a instituição-FC Porto.

O contexto foi que a Villas-Boas quis sempre fazer uma transição pacífica, respeitando a parte do legado de Pinto da Costa que era de respeitar (e não a desrespeitosa), mas o ‘regime’ não estava preparado para a sucessão e achou sempre que era possível encobrir as razões de uma falência há muito anunciada.

Falência financeira e falência de princípios.

Vítor Bruno tem um desafio: provar que é possível manter o FC Porto competitivo, sem abusos de poder. Sem colocar os jogadores nos Gulags dos condicionamentos físicos e psicológicos.

Por um FC Porto saudável, inclusivo, suficientemente livre para que cada qual, debaixo de uma organização sustentada pela competência e pelo rigor, sem submissões mas também sem o preconceito sobre o fantasma dos centralismos (uma narrativa que servia para esconder, por exemplo, as negociatas dos bilhetes e das comissões absurdas com transferências), poder tomar decisões na plenitude da sua consciência.

O Vítor entra agora numa nova dimensão. Tem de provar que sabe ser líder. E acredito que saberá fazê-lo. Até porque tem, atrás de si, um grande exemplo: o seu pai  - Vítor Manuel.

Que eu tive o prazer de conhecer quando estava, bem activo, no terreno, e que está no meu ‘álbum de ouro’ como uma das melhores pessoas com quem privei no futebol.

Desejo ao Vítor Bruno as maiores felicidades. Porque acredito na competência e no carácter e porque — já o disse noutras intervenções — podemos estar a assistir ao lançamento como chefe de equipa de um treinador que rapidamente se pode colocar, e não apenas no nosso contexto, entre os melhores.

Colunistas

Mais Colunistas

Patrocinados