Passou meses a visitar reclusos no corredor da morte e assistiu a três execuções. Ficou fascinado com o que aprendeu

CNN , Faith Karimi
15 jun, 12:00
Repórter Steven Hale (Caitie McMekin/News Sentinel/USA Today Network via CNN Newsource)

Este repórter norte-americano foi um dos sete repórteres escolhidos por sorteio para testemunhar a execução de Billy Ray Irick. Esta não foi, contudo, a única execução a que assistiu. Durante todo o percurso, teve ainda oportunidade de conhecer o corredor da morte e não podia ter sido mais surpreendido

A 9 de agosto de 2018, Steven Hale ficou à porta de uma prisão do estado norte-americano do Tennessee enquanto um assassino condenado aguardava a dose letal de um cocktail de três drogas. Foi a primeira execução de um recluso no corredor da morte naquele estado em quase uma década.

Hale foi um dos sete repórteres escolhidos por um sorteio para testemunhar a execução de Billy Ray Irick na Instituição de Segurança Máxima de Riverbend, em Nashville. Tinha escrito histórias sobre a horrível violação e assassinato de uma menina de sete anos por Irick, mais de três décadas antes.

Mas nada o preparou para aquela noite de 2018.

Não muito longe, numa área reservada aos defensores da pena de morte, um homem tocava a música “Hells Bells” dos AC/DC num altifalante.

E enquanto um acompanhante conduzia Hale e outros jornalistas para a sala de execução, Hale viu um outro pequeno grupo de pessoas amontoadas num campo fora da prisão. Estavam lá para mostrar o seu amor por Irick.

Um homem desse grupo contou a Hale que tinha telefonado para a prisão anteriormente e implorado aos funcionários para que o deixassem sentar-se na sala de execução para que Irick pudesse ver um rosto amigo pouco antes de morrer. O homem soluçou quando um funcionário da prisão disse que não, recorda Hale.

Nessa noite, enquanto Irick dava o último suspiro na sala de execução, o grupo fez uma vigília no exterior da prisão, na esperança de reclamar o seu corpo para um memorial. As suas histórias ficaram na memória de Hale muito tempo depois da execução.

Rapidamente ficou fascinado com o empenho demonstrado por estes apoiantes. Não eram familiares dos prisioneiros, nem fãs do corredor da morte. Também não eram ativistas contra a pena de morte - pelo menos, não no início.

Eram estranhos unidos numa missão: visitar, fazer amizade e confortar os reclusos no corredor da morte naqueles que poderiam ser os seus últimos meses.

“Não sabia que essas pessoas existiam”, garante Hale à CNN. “Não sabia que alguém ia lá visitar pessoas no corredor da morte, não como advogados, nem mesmo como membros da família, apenas como pessoas normais.”

Uma cama de injeção letal na sala de execução da Instituição de Segurança Máxima de Riverbend, em Nashville (Jae S. Lee/The Tennessean/USA Today Network)

Começou a juntar-se às suas viagens semanais a Riverbend, onde se sentavam com prisioneiros no corredor da morte e falavam de tudo, desde futebol às suas famílias.

Para os habitantes do Tennessee, a favor ou contra a pena de morte, foi uma época turbulenta. Num espaço de menos de dois anos após a condenação de Irick à morte, o estado realizou mais seis execuções, uma sequência sem igual na região desde a década de 1940.

Hale assistiu a duas dessas execuções, para além da de Irick. O jornalista relata as experiências num novo livro, “Death Row Welcomes You: Visiting Hours in the Shadow of the Execution Chamber", que explora as complexidades do sistema de pena capital do Tennessee e as amizades únicas que se desenvolvem entre os assassinos condenados e os estranhos que os visitam.

O livro documenta o passado conturbado dos prisioneiros e examina a perspetiva dos mesmos após décadas na prisão, longe do público. Hale admite ter ficado impressionado com a normalidade das conversas que ele e outros tiveram com os prisioneiros durante as suas muitas visitas.

“Estes encontros são tão normais que chegam a ser extraordinários e tão estimulantes que chegam a ser desafiantes”, escreve Hale, no livro. O jornalista conta à CNN que, durante uma das suas visitas, um recluso do corredor da morte soube que tinha frequentado a Universidade de Auburn e começou a desafiá-lo. “Ele estava a provocar-me por causa de Auburn e a dizer que estava sobrevalorizada naquele ano... quase parecia que eu podia estar num bar algures”.

“Naquela sala de visitas, tudo parecia normal”, relata. "E depois, quando saímos e havia arame farpado e um guarda armado, lembramo-nos: ‘Oh, sim, estou numa prisão de segurança máxima’".

Hale, de 36 anos, é repórter do Nashville Banner. A CNN falou com ele sobre os encontros pessoais com prisioneiros no corredor da morte e sobre a comunidade única de visitantes, que lhes mostram amor nos seus últimos meses. As respostas foram editadas por razões de extensão e clareza.

Como é que passou de escrever sobre reclusos no corredor da morte para mergulhar no seu mundo?

Estava a fazer a cobertura da justiça criminal no Tennessee e tinha interesse na pena de morte. Mas quando me mudei para o Tennessee em 2010, não havia execuções a decorrer. Foi assim até cerca de 2014, altura em que o estado começou a agendar algumas execuções. Ofereci-me para testemunhar uma delas como repórter e estava a preparar-me para ela quando foi cancelada, devido a um litígio sobre os medicamentos para a injeção letal.

E depois, em 2018, o estado marcou uma série de execuções após a conclusão do litígio da injeção letal e eu comecei a cobrir esses casos. Estava a tentar entrevistá-lo [ao Irick] ou a qualquer um dos homens no corredor da morte. E, aqui no Tennessee, é muito difícil ter acesso a pessoas detidas como repórter, sobretudo no corredor da morte. E, durante esse processo, conheci algumas pessoas - apenas civis normais - que iam à prisão visitar os reclusos do corredor da morte. Fiquei muito impressionado com esta comunidade. Comecei a sentir que havia ali uma história maior.

Quando foi a sua primeira visita aos reclusos do corredor da morte e como foi essa visita?

Pouco tempo depois da primeira execução. Visitei o corredor da morte com esta comunidade de pessoas e sentei-me naquela sala com eles. Fiquei muito comovido com aquela experiência. Era diferente de tudo o que eu já tinha visto. Foi então que pensei: “Acho que posso ter um livro para escrever aqui. Só porque havia todas estas pessoas vindas de diferentes sítios que estavam juntas naquela sala. E era tão diferente do que eu tinha imaginado”.

O que é que lhe chamou a atenção nessa primeira visita?

A vasta demografia dos visitantes. Há alguns jovens que vão lá para visitar e depois há algumas pessoas mais velhas que vão lá através de uma igreja ou de uma organização comunitária. Na primeira noite em que fui ao corredor da morte para estas visitas, estava lá sentado... e havia uma mulher mais velha ao meu lado. Não sei dizer exatamente a idade que tinha, mas parecia mais velha do que os meus pais. Estava uma mulher branca mais velha sentada com um homem negro no corredor da morte. Portanto, lá as idades e a demografia estão todas misturadas e foi fascinante ver isso. As pessoas desta comunidade não são realmente ativistas. Talvez agora se vejam como tal, mas quando se envolveram nisto não o eram.

Porque é que estas pessoas visitam o corredor da morte e assistem às execuções?

Muitos dos visitantes que conheci e sobre os quais escrevi no livro começaram a visitar o corredor da morte através de uma igreja ou porque outro visitante os convidou. As suas razões variam. Em muitos casos, penso que o veem como uma expressão da fé cristã. Para outros, o que começou por ser uma espécie de viagem pessoal transformou-se noutra coisa.

O que é que os reclusos do corredor da morte pensam das visitas? 

Penso que as visitas são muito importantes para eles devido às necessidades sociais normais que todos temos... estas relações representam uma aceitação de quem eles são atualmente. Os tribunais, a prisão e grande parte da sociedade fecharam-nos como as pessoas que eram há 30 ou 40 anos, pessoas que fizeram coisas horríveis. Mas as amizades que desenvolvem com os visitantes regulares não são definidas por isso.

Da esquerda para a direita, Stephen West, David Miller e Billy Ray Irick. Os três eram assassinos condenados e foram executados pelo Estado do Tennessee em 2018 e 2019 (Departamento de Correção do Tennessee/AP)

Como é que conciliou os crimes dos reclusos no corredor da morte com o que eles são agora? 

Essa é uma boa pergunta e foi algo que eu próprio questionei a alguns dos visitantes. Perguntei-lhes: quanta pesquisa fizeram sobre algumas destas pessoas? Sentiram que precisavam de saber por que é que eles estavam no corredor da morte antes de os conhecerem? Um dos visitantes disse-me: “Não pesquisei. Não procuro as pessoas no Google quando as conheço na vida normal". Por isso decidi não o fazer, porque sabia que a pessoa que encontraria na internet não seria a pessoa que iria conhecer.

Mas há um [recluso] no livro, em particular, de quem me tornei muito amigo. O nome dele é Terry Lynn King e não procurei saber muito sobre o caso. (King foi condenado por homicídio em primeiro grau e está no corredor da morte do Tennessee desde 1985).

Uma coisa que sempre disse, e que outros visitantes me disseram, é que se sabe o suficiente só pelo facto de a pessoa estar no corredor da morte. Sabe-se que só se chega lá porque se foi condenado por matar alguém ou mais do que uma pessoa. Por isso, para muitos dos visitantes e para mim próprio, isso era suficiente.

Como jornalista - e para o livro - sabia que teria de ir muito fundo no seu passado e nos crimes que tinham cometido. Mas no que diz respeito a conhecê-los no presente, queria apenas conhecer a pessoa que estava lá na altura e aceitá-los nesses termos.

Que tipo de preparação teve de fazer para as visitas aos reclusos do corredor da morte?

Tentei não pensar muito nisso. A primeira vez que fui à Instituição de Segurança Máxima de Riverbend para uma execução foi muito pesado psicologicamente. Mas na vez seguinte fui para visitar o corredor da morte. De certa forma, foi uma noite muito mais leve, porque eu sabia que não estava lá para uma execução. Estava lá com pessoas que já lá tinham estado antes e que estavam entusiasmadas por ver os seus amigos no corredor da morte. Como repórter, eu só queria absorver o máximo que pudesse. Estava numa atmosfera e num ambiente que a maioria das pessoas nunca chega a ver.

Como funciona o processo de visitas?

O corredor da morte do Tennessee tem uma configuração única, na medida em que tem um sistema hierarquizado de níveis. Por isso, quando as pessoas chegam lá pela primeira vez, estão mais ou menos fechadas da forma mais tradicional e depois, com base no tempo e no comportamento, podem obter mais privilégios (como visitas). Saem das celas a maior parte do dia e podem fazer trabalhos manuais, comprar comida no armazém e esse tipo de coisas. No livro, conto como o Terry chegou com um saco de pipocas de micro-ondas e disse: “Queres pipocas?”. E foi até ao canto e rebentou-as. É uma experiência tão surreal entrar na secção de visitas do corredor da morte.

Qual é a dimensão da comunidade de pessoas que visitam estes reclusos?

É difícil dizer, porque há visitantes regulares e outros como eu. Mas a comunidade de que falo no livro tem provavelmente uma dúzia de pessoas. Na primeira vez que lá fui, havia cerca de 12 visitantes do exterior e essa quantidade de homens no corredor da morte na sala.  É uma comunidade bastante pequena. Mas uma das coisas fascinantes é que as pessoas têm como missão torná-la numa comunidade maior, convidando outras a irem lá. Eu era uma dessas pessoas.

Esta experiência mudou a sua opinião sobre a pena de morte?

Eu cresci a acreditar que a graça e a redenção eram coisas boas e que matar pessoas, mesmo que tivessem feito o mesmo a outras, era errado. Por isso, entrei nisto como alguém que se opunha à pena de morte. E quanto mais me ocupei do assunto como jornalista, mais me apercebi da forma como o sistema de pena de morte na América não cumpre as suas próprias normas.

Tornou-se arbitrário no sentido em que há estados onde se pode cometer um crime e ser condenado à morte. Noutros estados, pode cometer-se o mesmo crime e não se é condenado. Mesmo dentro dos estados, pode haver um condado onde se pode ser condenado à morte por um crime, mas não noutros condados.

Contudo, quanto mais testemunhei estas execuções, mais me convenci de que a distância que mantemos entre nós enquanto sociedade e esta questão é uma grande parte do que permite que ela [a pena de morte] persista. Se mais pessoas passassem algum tempo com as pessoas no corredor da morte, se assistissem a estas execuções, talvez tivessem uma opinião diferente sobre elas.

Na história da pena de morte, fizemos muitas alterações na forma como a aplicamos - enforcamento de pessoas, eletrocussão de pessoas, injeção letal. Agora, há estados que estão a experimentar o gás e outras formas. Mas, de acordo com a minha experiência, ao ver a injeção letal e duas electrocussões, independentemente da forma como se faz, parece claramente que se está a matar uma pessoa.  Quando se vê de perto, é muito óbvio. No livro, descrevo-o como uma barbaridade disfarçada de burocracia e armada com jargão jurídico.

Há também uma disparidade racial, na medida em que a raça da vítima tem uma correlação muito forte com a sentença. Os indivíduos que matam pessoas brancas têm mais probabilidades de serem condenados à morte do que um que mate pessoas negras. Não é uma forma justa de lidar com esses crimes.

A que execuções assistiu e quais foram as últimas palavras que os reclusos proferiram?

Testemunhei a injeção letal de Billy Ray Irick e as eletrocussões de David Earl Miller e Stephen West. Inicialmente, Irick recusou-se a fazer uma declaração final, antes de subitamente dizer que lamentava. Miller garantiu apenas que era “melhor do que estar no corredor da morte”. Mas a que me vem mais frequentemente à cabeça é a imagem de West a chorar na cadeira elétrica. Não sei e não consigo realmente imaginar tudo o que lhe estava a passar pela cabeça nessa altura. Mas muitas vezes vem à minha mente a imagem dele amarrado na cadeira elétrica com lágrimas a correrem-lhe pelo rosto.

O que é que espera que as pessoas retirem do seu livro?

Espero que o livro desafie as noções preconcebidas das pessoas sobre os homens no corredor da morte e o tipo de visitas que recebem.

Uma coisa que está no centro do tema do livro é a premissa da pena de morte - que há pessoas que são tão terríveis que não podem voltar atrás. Não podem ser reabilitadas ou mudadas. E eu vi que isso não é verdade. Porque conheci algumas das pessoas no corredor da morte do Tennessee que eu deixaria entrar em minha casa com os meus filhos.

E isso não é para diminuir os crimes que cometeram. Mas é porque não são nada parecidos com a pessoa que cometeu o crime por uma série de razões, quer se trate de saúde mental, quer de abuso de substâncias, quer da infância que tiveram. Algumas das pessoas que conheci estão no corredor da morte há mais tempo do que eu estou vivo. Já não são as mesmas pessoas.

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