Se tiverem um tanque, acarinhem-no muito

16 jun, 17:29
Weghorst

POLÓNIA 1-2 PAÍSES BAIXOS || Os neerlandeses sabem gerir a maneira como correm mas não sabem marcar

24 segundos, um metro e 97 centímetros: o melhor do jogo

Foi quando a Holanda, perdão, foi quando os Países Baixos jogaram simples que o golo lhes apareceu - só dois jogadores tocaram na bola, um deles uma vez (Aké), o outro três (Gakpo): até esse instante ao minuto 29 havia muita posse neerlandesa, mais remates, mais ataques, mais talento, mais futebol, mais oportunidades, mais desperdício também, mas era a Polónia que estava à frente naquele seu jeito abnegado, recuado, cínico, feio mas eficaz porque a Polónia acabou a primeira parte com quatro remates e um golo e os neerlandeses fizeram 13 remates para ter um mesmo golo, o tal que envolveu somente dois jogadores. Portanto: serve de pouco jogar muito quando se falha tanto e foi na jogada mais humilde da primeira parte que os Países Baixos marcaram - por vezes os artistas têm de saber melhor quando moderar ou expandir todo o alcance da sua arte, é um processo em curso na seleção de Ronald Koeman.

Os Países Baixos tinham cinco oportunidades desperdiçadas até vir aquele minuto 29 - e mesmo assim os neerlandeses não conseguiram o golo sozinhos porque precisaram de ajuda: Aké recuperou no miolo ofensivo um alívio de um defesa polaco, Gakpo progrediu com bola, um toque, dois toques, o terceiro toque foi o remate mas a bola provavelmente também não iria dentro não fosse o desvio do polaco Salamon que traiu o seu guarda-redes Szczesny. Ou seja: os neerlandeses - que palavra tão feia como o jogo polaco na primeira parte - os neerlandeses sabem o que fazem nos primeiros dois terços do campo, a bola nos pés de um deles nunca sofre maus-tratos, eles sabem recebê-la, guardá-la, passá-la - 90% de eficácia de passe no fim do jogo (578 passes, 523 bem-sucedidos) que comparam com 80% de eficácia dos polacos (o pior valor do Euro até este jogo, a seguir é a Hungria, com 84%), mas os neerlandeses estão tão obcecados em dominar e passar a bola como deve ser que negligenciaram a habilidade que dá plenitude ao jogo - acertar na baliza, marcar: Memphis fez quatro remates e acertou zero vezes na baliza; Gakpo, que marcou aos trambolhões, tem quatro remates, dois bem direcionados, dois nem tanto. Entre Gakpo e Memphis estão oito remates dos 20 que os Países Baixos fizeram, desses 20 só quatro foram na direção da baliza.

Mas depois há esse gigante de 1,97 metros que entra aos 81 minutos e faz golo aos 83 numa jogada que começa num livre direto, em que os neerlandeses fazem oito trocas de bola numa posse que durou 24 segundos e que foi concluída com um centro de Aké para o matulão Weghorst desviar no coração da área, Weghorst só fez esse remate e mais nenhum e há uma lição a tirar disso - e a lição não tem nada que ver com o tamanho, o Gakpo tem 1,93 metros, está longe de ser baixinho mas está longe de ser também o que o Weghorst é, um tanque de combate, e é essa a lição, acarinhar os tanques deste Euro, é estimar o Fullkrug, é cuidar do Weghorst: contra equipas piores, e a Polónia é pior que os Países Baixos, os neerlandeses têm de equilibrar a ideia de beleza do seu jogo com a frieza de uma referência de área, sem isso aquela frente aberta Gakpo-Memphis-Simons tem um talento tão luminoso que incandesce de tal maneira a baliza que se torna difícil vê-la e sobretudo acertar nela - e coincidência ou não, foram os três substituídos e foi sem eles em campo que apareceu o 1-2. Weghorst providencia aquele pragmatismo potente do gigante antifintas que dá muito jeito ter numa equipa - porque traz os artistas-Memphis ou os artistas-Gakpo de volta à terra: mais uma finta, mais um toque pode ficar muito bem esteticamente mas finalizar de primeira à primeira oportunidade é bem melhor quando o jogo está difícil - e o desperdício holandês só não custou um 2-2 porque Verbruggen evitou o empate aos 90 minutos numa defesa também ela humilde e pragmática.

Os golos

1-0


1-1


1-2

Correr menos: o momento (contínuo) do jogo

Só há três equipas que tiveram 90% de eficácia ou mais no passe até agora e os Países Baixos são a que correu menos dessas três: 108,9 km com 65% de posse; a Alemanha correu 110 km com 68% de posse e jogou a segunda parte contra mais um, dá para gerir de outra maneira; a Itália correu 116,6 km com 65%. Resumindo: entre essas equipas que passam melhor, os Países Baixos são a que se cansa menos com bola, os italianos têm mais 7,7 km corridos com a mesma posse neerlandesa e a mesma eficácia de passe - e a Holanda acaba a correr menos num jogo em que teve de procurar a vitória enquanto a Itália correu mais para gerir uma vitória.

O bom substituto: a pequena surpresa do jogo

O maior craque polaco está a recuperar de lesão, sendo assim houve Buksa em vez de Lewandowski e foi de Buksa o golo polaco naquele desvio ao primeiro poste no primeiro lance de perigo dos polacos no jogo. No demais: teve uma eficácia de passe de 83%, acima dos 80% médios da equipa, correu 11,28km (acima da média dos seus companheiros).

O aroma: o pior do jogo

O pior do jogo é ter de escrever "neerlandês", "neerlandeses" e derivados: que palavras tão feias para um povo que teve e tem futebolistas tão bons, "holandês" era bem mais aromático. Depois disso, o pior do jogo é uma equipa fazer 20 remates e só ter quatro na direção da baliza, mas já falámos sobre isso.

Vídeos Euro 2024

Mais Vídeos Euro 2024

Patrocinados