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Infanticídio tecnológico

11 jun, 22:09

“Dois já estão, faltam 198!”, declarou a Secretária da Energia dos Estados Unidos, Jennifer Granholm, na cerimónia de inauguração do mais recente reator nuclear americano, Vogtle 4. Os “198 que faltam” referem-se ao compromisso que os Estados Unidos assinaram na mais recente COP, juntamente com outros 21 países representando 44% do PIB mundial, em triplicar a sua capacidade de energia nuclear até 2050. À data de arranque de Vogtle, os Estados Unidos operam 100 reatores nucleares.

Os recentemente iniciados mas problemáticos Vogtle 3 e 4 viram a sua construção atrasar-se 8 anos e derrapar em 17 mil milhões de euros. Esta é, infelizmente, uma tendência histórica de primeiras construções (FOAK: First Of A Kind). Vogtle 3 e 4 são modelos AP1000, os primeiros do seu tipo a serem construídos nos Estados Unidos. São, no entanto, a única entrada no célebre estudo de comparação de fontes de energia do banco de investimento Lazard. Este estudo é usado como o alfa e o omega dos investimentos em energia por muitos em lugares de decisão em Portugal e no mundo. No estudo em questão, o pior projeto da história da construção nuclear americana é usado como representativo de toda a indústria mundial. O estudo ignora muitos fatores, como a unidade 4 ter sido 30% mais barata e mais rápida de construir do que a unidade 3, devido a uma curva de aprendizagem. O estudo ignora também que em regiões como a China, Japão, Coreia do Sul e Índia, as construções nucleares são menos de um quarto do preço da média dos Estados Unidos. Nestas regiões, os projetos acabam dentro das estimativas temporais e orçamentais. O programa nuclear chinês ou os quatro reatores nucleares Sul-Coreanos nos Emirados Árabes Unidos também viram curvas de aprendizagem impressionantes. A curva de aprendizagem Chinesa é algo que nem os mais acérrimos anti-nucleares poderão ignorar.

Uma das promessas para contornar elevados custos iniciais nucleares são os Small Modular Reactors (SMRs). A promessa de serem construídos em série, numa linha de montagem, e depois montados como Legos no local, é um grande atrativo. O custo inicial de CAPEX ser reduzido em comparação a um grande reator atrai também os investidores privados. Mas esta tecnologia ainda está na sua infância. Na Europa, existe uma aliança industrial para o desenvolvimento e comercialização destas tecnologias. Simultaneamente, a diretora do Banco Europeu de Investimento defende que a Europa deve arriscar mais neste tópico. Existem já vários SMRs no mundo civil como na Rússia e na China. Além disso, todos os veículos nucleares militares têm reatores nucleares pequenos, desde 1955. E é verdade que ainda falta demonstrar que é possível escalar a construção de SMRs para fins civis. Como todos os ecossistemas de startups, nem todas vingarão. Há que separar o trigo do joio. Imensas start-ups de solar e eólico conheceram um destino infeliz. Exigir que todos os projetos de SMRs se tornem um rotundo sucesso é colocar a baliza num patamar impossível. Esta é uma técnica bem identificada no discurso anti-científico.

Na parte financeira, o já citado Lazard, utilizado vezes sem fim para justificar que em Portugal se deve investir exclusivamente em sol e vento, acrescentou no seu relatório de 2023 os custos de “firmar as renováveis”. Isto significa correções de preços aos projetos de fontes intermitentes através do acrescento de armazenamento para apenas 4 horas, maioritariamente sob a forma de baterias. Os números do relatório indicam que, com apenas 4 horas, o custo de “firmar renováveis” em várias zonas dos Estados Unidos ficaria similar ou ainda mais caro que o pior projeto nuclear americano, Vogtle. A versão do relatório do grupo Lazard para 2024, acabada de sair, revê os custos de firmar renováveis em alta. O aumento destes preços não é surpreendente. As empresas europeias de energia estão a rever em baixa os seus alvos de instalação de renováveis devido ao aumento de custos e ao retorno cada vez menor destes investimentos. Consequentemente, vários países, incluindo Alemanha e Portugal, estão a rever os seus objetivos climáticos neste momento. Espera-se que as empresas comecem a reduzir os orçamentos de investimento se algo não mudar.

Mas uma mudança já se deu, e os mais conspirativos apontariam para uma deliberada ausência deste facto das fontes noticiosas Portuguesas. A Siemens Gamesa, uma das maiores empresas europeias de energia eólica, cortou 15% da sua força laboral devido a reduzidos volumes de negócio. Inclusive, foi anunciado um corte de 670 postos de trabalho em Portugal. Esta notícia correu o velho continente, mas em Portugal, nem uma linha na imprensa. Para um país que afirma apostar massivamente nesta forma de energia, este anúncio vem na pior altura. Os preços previstos nos leilões eólicos offshore flutuantes a decorrer no Reino Unido apontam para um preço do MWh de 207€/MWh, acima das piores projeções de SMRs. Os planos energéticos parecem decidir o vencedor na secretaria, não no mercado. É normal que uma tecnologia na sua nascença necessite de apoios. Mas por que razão apoiar eólico offshore e não SMRs, ambas tecnologias emergentes, para além de uma razão ideológica?

Voltando ao solar, a curva de aprendizagem do solar fotovoltaico permanece um dos grandes feitos técnicos da humanidade. A combinação de um imenso financiamento inicial em pesquisa e a capacidade Chinesa de escalar a produção (juntamente com alguns aspectos… “menos bons”) tornaram os painéis fotovoltaicos num bem competitivo em mercado. A China domina mais de 90% da cadeia de abastecimento do solar e muitos pensam se a União Europeia não terá trocado uma dependência de gás da Rússia por uma dependência renovável da China. O ponto que quero fazer é que ninguém se opôs à investigação e ao investimento em solar e eólico há 20 anos atrás. Tecnologias que hoje só existem devido a somas avultadas em R&D, subsídios, e formas de financiamento acessível.

É de uma hipocrisia tremenda ver os lobistas das renováveis dizer que os mesmos investimentos não devem ser feitos a outras fontes. Um verdadeiro infanticídio tecnológico. Segundo a Agência Internacional de Energia, há mais investimentos em solar fotovoltaico do que em todas as restantes formas de geração de eletricidade. Há interesse genuíno em SMRs para a descarbonização da indústria, inclusive de designs avançados, como é o caso do reactor apoiado por Bill Gates que acaba de lançar a sua primeira pedra. Vamos precisar de todas as fontes de baixo carbono disponíveis, agora e muito depois de 2030, 2050, pelo que o argumento do tempo de construção é também inválido. Urge repensar onde investir, por razões sociais,  económicas, e geopolíticas.

Obrigado ao professor Bruno Gonçalves pela boa discussão na elaboração deste artigo. Consultem os seus livros gratuitos aqui

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