Impostos sobre as empresas, Saúde e Habitação. É nestas medidas que as linhas vermelhas se podem atravessar no diálogo entre PS e Governo

11 abr, 08:00
Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro no debate entre os líderes dos partidos com assento parlamentar (Lusa/ José Goulão)

Sem surpresa ou choque: foi assim que o Programa do Governo de Luís Montenegro chegou aos socialistas. É notória a intenção de voltar atrás ou mesmo anular medidas emblemáticas da governação de António Costa. Podem ser obstáculos na negociação. Sobre o Orçamento para 2025, ninguém abre o jogo

A tarde de ontem foi de muito trabalho entre os socialistas. Ou, antes, de muita leitura. Depois da entrega do Programa do Governo, antigos governantes, deputados e vários nomes próximos de Pedro Nuno Santos entregaram-se a uma leitura exaustiva do documento, preparando-se para os dois dias de debate, que arrancam esta manhã.

Os socialistas ouvidos pela CNN Portugal admitem que o documento não lhes causou “surpresa” ou “choque”, uma vez que as prioridades elencadas pelo Governo estão alinhadas com as promessas eleitorais da Aliança Democrática. 

Durante a tarde, o argumento das “quase 200” páginas foi o mais utilizado para evitar reações. Depois, a agenda apertada, porque havia reunião do grupo parlamentar para confirmar Alexandra Leitão como nova líder da bancada.

Um responsável próximo de Pedro Nuno Santos dizia que era preciso “estabilizar a narrativa”. Isto porque o PS quer alinhar este novo desenvolvimento com a estratégia que tem traçado até agora. Nas palavras de outro socialista, era momento de “digerir” a nova informação. 

Na entrevista à TVI e CNN Portugal, o secretário-geral do PS já tinha vincado que, apesar das diferentes visões para o país, o partido não deixaria de aprovar as propostas do novo governo que respeitassem os ideais socialistas.

Linhas vermelhas é algo que o PS tem rejeitado traçar quando confrontado com as negociações com o novo governo. Contudo, o documento ontem divulgado veio tornar mais vincadas três delas: o IRC, a saúde e a habitação.

“A linha vermelha do PS é com o Chega. Com os restantes partidos deve haver diálogo. De negociar a ser muleta vai uma grande distância”, resume Ivan Gonçalves, deputado socialista que abandonou o Parlamento devido à nova composição à direita.

Adalberto Campos Fernandes considera que as aproximações feitas pelo governo ao PS não serão “o suficiente” para contrariar o chumbo e garantir, no mínimo, uma abstenção socialista. Mas deixa o aviso: “estamos a discutir com demasiada antecipação a posição em relação ao Orçamento. Há uma ânsia enorme de definir posicionamentos”.

(Lusa)

1. IRC

No Programa de Governo, Montenegro ‘pisca’ o olho ao PS, incluindo a proposta de reduzir em 20% as tributações autónomas sobre viaturas das empresas em sede de IRC. Mas é outra mudança no IRC, mais ampla, que vinca as diferenças face aos socialistas: descer a taxa normal de IRC de 21% para 15%.

Esta medida tem sido fortemente criticada por Pedro Nuno Santos, que alega que esta alteração terá impacto sobretudo nas grandes empresas. “40% das empresas não pagam IRC” e “as empresas que investem os lucros conseguem reduzir muito a taxa efetiva de IRC”, chegou a explicar na campanha eleitoral.

“Pelo que tive oportunidade de ver, a questão do IRC parece incontornável”, reage o deputado socialista Carlos Pereira, admitindo que o IRC, por si, “nunca seria suficiente” para o PS repensar o seu voto quanto ao Orçamento do Estado.

Este Programa de Governo, confessa, “não é um bom sinal”. “Sendo que, nos últimos dias, foi muito claro, até por gente que dá conselhos a Montenegro, que não era prudente provocar o PS com linhas vermelhas”, junta.

Para Carlos Pereira, o caminho é simples: sem humildade para negociar, Montenegro “está a apostar na tese clássica de que quem deixa cair um governo perde eleições”.

Já o socialista Álvaro Beleza admite que é uma voz isolada no PS porque, para ele, esta medida “faz sentido”. “É positiva para colocar Portugal no radar para captar investimento internacional. Admito que nesse ponto o PS não chegará a acordo.”.

(Lusa)

2. Saúde

Montenegro tem um plano de emergência para a área da Saúde. E o Programa do Governo deixou claro como o novo Governo quer reformular a Direção Executiva do SNS e avaliar o modelo das Unidades Locais de Saúde (ULS). São temas que nem no próprio PS geram unanimidade.

“Estive a ver o programa, não creio que traga grandes alterações ou novidades face ao que foi dito em campanha. É uma evolução natural”, começa por dizer Adalberto Campos Fernandes, antigo ministro da Saúde socialista. Para concluir: “não me parece que haja um confronto muito significativo ou uma barreira intransponível”.

Campos Fernandes considera natural que se queira um “ajustamento, talvez simplificando um pouco” na cúpula do SNS, bem como no modelo das ULS. “A curiosidade grande é vermos como tudo se vai operacionalizar”, junta.

Já o socialista Álvaro Beleza, médico de profissão, considera que há a pretensão de “esvaziar” a direção executiva do SNS e o modelo das ULS. Insiste que não são “uma invenção portuguesa” nem socialista. E lembra que esta solução é aplicada na Madeira, onde o PSD governou e governa.

“Quando dizem analisar, parece-me um passo atrás”, refere. Naquilo que apreendeu do Programa do Governo, Beleza diz encontrar “linhas de diálogo para vários partidos, para vários lados”. E garante: “É inteligente da parte do Governo estar a fazer isso. Vai iniciar-se um processo de diálogo que só faz bem ao país”.

3. Habitação

No Programa de Governo, são concretizadas várias medidas para a habitação. O novo executivo mostra que quer acabar com o programa Mais Habitação e eliminar os travões às rendas. Chama-lhes mesmo de “contrarreformas” socialistas. Sobre esta classificação, Marina Gonçalves, ex-ministra da Habitação, atira reações para o próprio Governo,

À CNN Portugal, reconhece que a leitura que fez do documento não foi com “surpresa”. “Tivemos uma discussão em 2023, onde ficou bem claro onde há convergências e o que nos separa”.

Mas essas divergências, evidenciadas pelo Programa de Governo, podem representar um obstáculo às negociações entre o PS e o executivo daqui em diante. Marina Gonçalves não assume posição: “em matéria de habitação, não há nada de novo naquilo que nos separa e nos aproxima. Tem de ser uma análise feita a cada momento”.

(Lusa)

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