Estas bizarras e caóticas 36 horas na Rússia parecem o princípio do fim para Putin

CNN , Nick Paton Walsh
25 jun 2023, 16:45
Vladimir Putin (Kremlin via AP)

ANÁLISE. Ao projetar desesperadamente que tudo está como dantes, o Kremlin apenas sublinha o quanto mudou. 

Foram 36 horas que permitiram vislumbrar o fim do governo do Presidente russo Vladimir Putin. Quase todas as ações eram improváveis, na melhor das hipóteses, há uma semana – há 17 meses, muitas eram inconcebíveis. 

Um mercenário leal desmonta a premissa da invasão, depois alega que um ataque aéreo atingiu as suas tropas, antes de tomar uma importante cidade militar sem confrontos, de acordo com Prigozhin, e depois marchar até ficar a algumas centenas de quilómetros de Moscovo. Mas, de repente, dá uma reviravolta desconcertante, voltando atrás para evitar o derramamento de sangue, enquanto o Kremlin afirma que Alexander Lukashenko, o presidente da Bielorrússia que Putin parece tratar com desprezo, mediou um dramático indulto, no qual o insurreto, que tinha a sua arma apontada a Moscovo, opta agora pelo exílio em Minsk.

Mesmo depois de a poeira assentar, continua a fazer pouco sentido. É importante recordar que ainda não ouvimos Yevgeny Prigozhin dizer que aceitou o exílio na Bielorrússia e que não há provas de que as suas unidades tenham efetivamente parado. Ele é um proliferador de desinformação. Devemos desconfiar igualmente da aparente solução com que o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, tentou pôr fim a este episódio surpreendente na noite de sábado. Duas horas antes, Wagner estava (quase) às portas da capital e, de repente, está tudo perdoado. 

Estão a faltar grandes partes desta história. Talvez nunca venhamos a saber quais são. Muitas emoções poderiam ter alterado o rumo de Prigozhin. O avanço para norte foi demasiado fácil? Terá ele aceite que entrar na capital deixaria os seus homens vulneráveis, mesmo perante uma fraca reação militar russa? Os militares regulares não estavam a juntar-se a ele em número suficiente? Será que ele acreditava que uma cedência só iria aumentar o seu apoio? Embora, à primeira vista, a cedência de Prigozhin o faça parecer fraco, mesmo acabado, foi ele quem tomou a decisão nas últimas 36 horas. 

Putin limitou-se a reagir. Inicialmente silencioso, mas depois bombástico e confiante, prometendo um "castigo inevitável" para a "escumalha". Mas, horas depois, tudo isso foi esquecido. O estado emocional de Putin – se fosse conhecido – seria, sem dúvida, menos revelador do que as suas ações. Ao deixar sair Prigozhin e, aparentemente, ao varrer toda a rebelião para debaixo do tapete, parece estar no seu ponto mais fraco dos últimos 23 anos.

É possível que os seus serviços especiais passem a perseguir Wagner e os seus apoiantes, lentamente, longe dos holofotes dos últimos dois dias. No entanto, a solução do Kremlin para o problema foi retrair também. É uma atitude tão contrária a tudo o que Putin defende que só pode sugerir que não teve outra escolha: que não tinha forças para ter a certeza de que podia conter Prigozhin. 

Esta é talvez a maior lição da chamada Marcha da Justiça. Não é que um chefe mercenário não tenha enviado uma força de dimensão modesta para Moscovo para executar um golpe, mas que o Kremlin teve de o deixar ir. 

A vulnerabilidade de Putin está comprovada

A posição de Putin estava claramente a enfraquecer devido à catastrófica má gestão da guerra. Mas como é que ele seria afastado – que circunstâncias poderiam permitir isso – era algo que escapava aos funcionários e analistas. Não era uma opção provável.

Mas agora que aconteceu, temos um vislumbre por detrás da grossa cortina que o Kremlin usa para esconder as suas lutas internas, incompetência e fragilidade, permitindo-lhe projetar uma confiança desmesurada – uma omnipotência pós-soviética. Parece que a coisa está muito feia lá dentro.

Agora, o resto do mundo também o viu – da Ucrânia à NATO e aos aliados de Putin. Alguns amigos mantiveram-se calados: o Cazaquistão e o Irão – ambos com uma dívida passada para com a Rússia – chamaram a isto um "assunto interno". Não se trata de um apoio incondicional.

Só podemos tentar adivinhar se a ideia de Prigozhin no comando terá causado tanto pânico nas casas de campo da elite dos subúrbios de Moscovo que sustentam o apoio a Putin. No entanto, a sua vulnerabilidade está agora comprovada, pela primeira vez em 23 anos – duas décadas em que acumulou muitos inimigos e dívidas. (É ridículo afirmar que os últimos dois dias foram uma elaborada charada destinada a melhorar de alguma forma a posição de Putin ou a fornecer um pretexto para uma escalada. Trata-se de um assunto inteiramente interno, que distrai das necessidades urgentes da guerra. Fazer com que o chefe do Kremlin pareça tão inequivocamente fraco não pode de modo algum reforçar a sua posição.)

Então, onde é que isto deixa a Rússia e os seus ansiosos adversários? Não podemos saber o que virá a seguir, mas é provável que siga o padrão explosivamente errático dos últimos dois dias. Prigozhin pode desaparecer durante alguns meses. Putin pode fazer algumas mudanças no seu pessoal militar. As coisas podem parecer "normais". Mas mudaram completamente e um mundo pós-Putin – e a força dramática necessária para o impor – foi vislumbrado. Parece ser o princípio do fim para ele.

O catalisador mais agudo de qualquer mudança será o impacto que este drama bizarro vier a ter nas linhas da frente da Ucrânia. É impossível imaginar que uma série de flutuações na presença militar da Rússia não tenha enfraquecido as posições defensivas no sul e no leste – precisamente os locais onde a Ucrânia está a avançar. A avaliação mais otimista que se pode fazer é que a moral militar russa deve ter sentido um soluço ao ver o seu comandante-chefe e a sua figura militar mais proeminente envolverem-se num frente-a-frente que durou 24 horas. Dariam verdadeiramente a sua vida nas linhas da frente russas este fim de semana, dada a confusão que observam no comando superior?

A Ucrânia afirma que já está a avançar. É demasiado cedo para saber qual o impacto que a Marcha da Justiça teve na guerra. Mas o Kremlin deve estar bem ciente dos danos para as posições de Putin e Prigozhin se este conflito – que Moscovo enquadrou como uma batalha existencial contra a NATO – acabar por ser perdido. Talvez essa consciência tenha alimentado silenciosamente as decisões bizarras e as reviravoltas, à medida que os combatentes do Grupo Wagner avançavam tão facilmente no sábado para norte, na autoestrada M4, em direção a Moscovo.

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