Grupo Wagner já começou a retirada: a "marcha pela justiça" de Prigozhin durou menos de 24 horas

CNN Portugal , MJC com Lusa
24 jun 2023, 20:48

O líder do grupo Wagner parecia determinado ao anunciar a revolta dos "verdadeiros patriotas" russos. Mas, ao fim do dia, Progozhin concordou em suspender as operações para evitar um "derramamento de sangue russo". As negociações foram conduzidas por Lukashenko, sob indicações de Putin

Contra todas as expectativas, o chefe do grupo paramilitar Wagner suspendeu as movimentações da rebelião na Rússia contra o comando militar, menos de 24 horas depois de ter ocupado Rostov, cidade-chave no sul do país para guerra na Ucrânia. 

“Eles queriam desmantelar a companhia militar Wagner. Em 23 de junho, embarcámos numa marcha pela justiça. Em 24 horas, chegámos a 200 quilómetros de Moscovo. Nesse percurso não derramámos uma gota do sangue dos nossos soldados", explicou Prigozhin, o líder do grupo Wagner, na sua mensagem no Telegram. "Agora chegou o momento em que sangue poderá ser derramado. Compreendendo a responsabilidade [pela hipótese] de o sangue russo ser derramado, estamos a inverter as nossas colunas e voltaremos aos campos de campanha como planeado."

A informação tinha chegado pouco antes, através do presidente da Bielorrússia, Aleksander Lukashenko, que conduziu as negociações com Evgeniy Prigozhin. Como resultado das negociações que duraram o dia inteiro, “Prigozhin concordou em parar a marcha em direção a Moscovo", anunciou o comunicado bielorrusso.

Pelo acordo, os soldados do Wagner receberam garantias de segurança e imunidade, ou seja, não haverá represálias, nem para Prigozhin nem para os outros mercenários. Prigozhin irá para a Bielorrússia e o caso  aberto pela procuradora-geral russa será rerirado. "Evitar um derramamento de sangue era mais importante do que castigar as pessoas", afirmou o Kremlin na sua primeira reação ao acordo com os revoltosos.

Pelas 20:30, as agências de notícias confirmavam que os combatentes do grupo Wagner tinham iniciado a retirada de Rostov-do-Don. As imagens mostravam a população a aplaudir, manifestando o seu apoio aos revoltosos.

Bielorrússia: o aliado que teve um papel fundamental

Foi o gabinete do presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, que anunciou primeiro que o líder de Wagner, Yevgeny Prigozhin, tinha aceitado uma proposta para suspender as operações. Segundo o comunicado Vladimir Putin falou com Lukashenko pela manhã e, com sua aprovação, Lukashenko realizou negociações com Prigozhin.

“As negociações continuaram ao longo do dia. Como resultado, eles chegaram a um acordo sobre a inadmissibilidade de desencadear um massacre sangrento no território da Rússia”, dizia o comunicado.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, explicou depois que Lukashenko se ofereceu para mediar o acordo, porque conhecia Prigozhin pessoalmente há cerca de 20 anos.

No final, Lukashenko voltou a falar com Putin por telefone para lhe comunicar o que ficou acordado. “Hoje às 21:00, os presidentes voltaram a falar ao telefone. O presidente da Bielorrússia informou o presidente da Rússia detalhadamente sobre os resultados de suas negociações com as autoridades de Wagner PMC”, informou o comunicado do gabinete de Lukashenko. “O presidente da Rússia apoiou e agradeceu ao seu colega bielorrusso pelo trabalho que fez.”

Esta situação revela bem como a Bielorrússia está cada vez mais ao serviço de Putin, acusam os opositores de Lukanshenko, que têm denunciado o enfraquecimento do regime de Minsk, cada vez mais dependente de Moscovo.

Esta manhã, Svitlana Tikhanovskaya, a líder da oposição que desafiou Lukashenko nas eleições presidenciais de 2020, disse que a rebelião de Wagner “é a melhor oportunidade para expulsar os militares russos de [Bielorrússia]”. “Se perdermos essa oportunidade”, disse no seu apelo em vídeo, “a Rússia fará conosco exatamente o que fez com a Ucrânia”.

O que aconteceu nas últimas 24 horas?

As tensões entre os mercenários e Moscovo agudizaram-se na sexta-feira, quando Prigozhin, de 62 anos, acusou o Exército russo de realizar ataques a acampamentos dos seus mercenários, causando “um número muito grande de vítimas”, acusações que foram negadas pelo Ministério da Defesa da Rússia. O líder do grupo paramilitar desmentiu ainda Moscovo, ao dizer que as forças russas estavam a recuar perante a contraofensiva ucraniana.

Como resposta, Prigozhin convocou uma revolta contra o alto comando militar da Rússia, garantindo ter 25 mil soldados e convocando os russos a juntarem-se no que designou por “marcha pela justiça”, sem esconder que estava disposto a “ir até ao fim” nesta rebelião, embora rejeitasse a existência de um golpe militar.

Moscovo não demorou a reagir e os serviços de segurança russos (FSB) acusaram o chefe do grupo paramilitar de lançar uma guerra civil e apelaram aos mercenários para deter o seu líder. Nesse sentido, o Ministério da Defesa russo prometeu "garantir a segurança" dos combatentes se eles se dissociassem da "aventura criminosa" encetada por Prigozhin.

As primeiras movimentações na sexta-feira à noite foram recebidas com prudência pela Ucrânia, cujo exército sublinhou estar “a observar” os desenvolvimentos do conflito entre o grupo Wagner e o alto comando militar russo.

Perante o maior desafio à sua autoridade desde o início da guerra na Ucrânia, Putin não nomeou Prigozhin no seu discurso na manhã de sábado através da televisão estatal russa, mas defendeu que a revolta do grupo Wagner foi causada por “ambições desmesuradas por interesses pessoais”. Reiterou ainda que não iria deixar cair o país numa “guerra civil”, enquanto o grupo paramilitar já assumira o controlo das instalações militares e do aeródromo de Rostov, uma cidade-chave para o ataque à Ucrânia.

A comunidade internacional seguiu atentamente os acontecimentos em Moscovo e a NATO assegurou que estava “a monitorizar a situação”, enquanto a Comissão Europeia descreveu a rebelião como “um assunto interno” da Rússia e o G7 – que reúne Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido – falou sobre o tema com o líder da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell.

Por outro lado, Turquia e Irão declararam apoio a Putin, com as autoridades russas a responderem com manobras defensivas para travar o avanço do grupo Wagner sobre Moscovo e noutras cidades, além do avanço das forças chechenas de Ramzan Kadirov e de avisos para o “Ocidente russofóbico” contra o aproveitamento da situação. Já a Bielorrússia, um dos aliados mais próximos do Kremlin, catalogou a rebelião como “um presente para o Ocidente”.

“Estamos muito conscientes das consequências de um golpe de Estado na maior potência nuclear” do mundo, disse o ex-Presidente russo Dmitri Medvedev, atualmente vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, citado pela agência oficial TASS. “Na história da raça humana, nunca houve uma situação em que o maior arsenal de armas nucleares tenha sido controlado por bandidos. Obviamente, tal crise não se limitará a um só país. O mundo será levado à beira da aniquilação”, sustentou.

Entretanto, os soldados do grupo Wagner avançavam no território russo, em direção a Moscovo. A meio da tarde, Prigozhin reivindicou a ocupação de Rostov, cidade-chave no sul da Rússia para guerra na Ucrânia, onde estariam cerca de 5 mil elementos do grupo mercenário. O governador da província de Lipetsk russa confirmou que o grupo paramilitar Wagner entrou na região, a 340 quilómetros de Moscovo. E uma unidade de cerca de 5 mil combatentes estava a dirigir-se para a periferia de Moscovo, por estrada, liderados pelo comandante Dmitry Utkin.

Preparando-se para um possível ataque, a segurança foi reforçada na capital russa. A Praça Vermelha foi fechada e o presidente da Câmara de Moscovo assumiu que a situação era "difícil" e decretou tolerância de ponto na segunda-feira para limitar as deslocações da população. "Para minimizar os riscos (...), decidi decretar a segunda-feira um dia de folga", exceto para certas atividades e serviços municipais, acrescentou o presidente da câmara, Sergei Sobyanin.

O autarca apelou aos moscovitas para que limitassem "ao máximo" as suas deslocações na cidade, mantendo-se em casa, e avisou que o trânsito poderia ser "bloqueado" em certas estradas e em alguns bairros, no âmbito da "operação antiterrorista" em curso.

Zelensky: "A fraqueza da Rússia é evidente"

Foi já após a tomada da cidade de Rostov (sul) e o discurso de Putin, a rotular a rebelião como uma “traição” e a prometer “defender o povo”, que o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, se dirigiu ao mundo apontando a autodestruição russa. "Hoje o mundo pôde ver que os líderes da Rússia não controlam nada. E isso não significa nada. Simplesmente, um caos completo. Uma ausência de qualquer previsibilidade", afirmou.

“A fraqueza da Rússia é evidente. Quanto mais tempo a Rússia mantiver as suas tropas e mercenários nas nossas terras, mais caos, dor e problemas criará para si própria”, referiu Zelensky, continuando: “Quem escolhe o caminho do mal destrói-se a si próprio”.

Zelensky garantiu também que os ucranianos não vão ficar calados, não permanecerão inactivos: "A segurança do flanco oriental da Europa depende estritamente das nossas defesas". E dirigindo-se a Putin, Zelensky disse: "Quanto mais tempo as suas tropas permanecerem em terras ucranianas, maior será a devastação que trarão para a Rússia".

 

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