Questão de costumes e visões internacionais de ambos os partidos chocaram. Até lá houve uma certeza: votos na esquerda são essenciais para reeditar uma solução como a geringonça
Unidos na perspetiva nacional, foi preciso chegar à questão internacional para ver algum despique no debate entre o Bloco de Esquerda e CDU, que foi transmitido pela SIC Notícias. Ambos entendem que é necessário aumentarem a votação de 2022 para impedir o PS de ter uma maioria absoluta, mas a visão sobre a guerra na Ucrânia e o envolvimento do Ocidente ameaçou o entendimento.
É que na visão de ambos, ainda que tenha sido o secretário-geral do PCP a afirmá-lo com mais clareza, a solução de 2015 é a mais próxima da ideal. Paulo Raimundo disse isso mesmo, sugerindo que o único voto útil é na CDU, porque "obrigará o PS a cumprir todas as promessas que está a fazer agora".
O PCP quer, assim, reeditar a solução da famosa geringonça formada por António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. De resto, o líder comunista atirou mesmo que esses tempos deram aos portugueses um dos melhores governos da democracia.
Questionado diretamente se admite um acordo por escrito com o PS, Paulo Raimundo disse que a única forma de haver avanços é constituir uma maioria no Parlamento "que obrigue o PS a vir", prometendo que, como garantiu ter acontecido até aqui, tudo o que for feito de positivo vai ter o contributo da CDU.
Uma postura um pouco diferente da de Mariana Mortágua. É que se os comunistas não esclarecem a possibilidade de um acordo escrito com o PS, a coordenadora do Bloco de Esquerda lembrou que esse era um desígnio que pretendia para estas eleições, mas que o PS lhe respondeu com um não.
"Sabemos como é possível subir o salário médio em Portugal", disse, pedindo o fim da precariedade e a regulação dos contratos de trabalho, antes de afirmar que o silêncio do PS fala por si.
O perigo, concordaram de novo, é as semelhanças com o PSD. Isto porque Paulo Raimundo entende que há muitas semelhanças, e são elas que preocupam a CDU. Semelhanças em temas como os interesses dos grupos económicos, apontando exemplos de Banif ou BES.
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Também não se distinguem, disse, na questão da legislação laboral: "Tudo o que tem que ver com salários, veja-se as posturas...". "O PSD nunca faltou à chamada e o PS de facto roubou-lhe as bandeiras", reiterou, dizendo que o PS é o PS que se apanhou com a maioria absoluta, com condições de governação, e até com dinheiro, mas que tomou as opções que tomou.
Ucrânia rompe clima
Um clima de união e entendimento que foi rompido por dois temas: primeiro a eutanásia. Foi Mariana Mortágua, numa clara intenção de se afastar da CDU - para ganhar votos ao rival? -, que lembrou as posições de ambos sobre a morte medicamente assistida.
A coordenadora do Bloco de Esquerda marcou o ponto, com Paulo Raimundo a limitar-se por dizer que esta é uma questão "muito complexa", sem se querer alongar mais.
Mas na questão internacional há mesmo uma diferença marcada. Talvez não na Palestina - ambos parecem defender a causa do povo da Faixa de Gaza com os mesmos argumentos - mas certamente na Ucrânia e na questão da segurança europeia.
Se Paulo Raimundo sugeriu que a guerra na Ucrânia tem cinco atores - além de Ucrânia e Rússia, a CDU entende que também Estados Unidos, União Europeia e NATO são parte ativa. Mortágua não se alongou muito na questão, mas pediu que seja feito mais na questão da defesa europeia. Quer a bloquista uma defesa europeia por si só, e não um alicerce que se baseie na Aliança Atlântica. Ainda assim há um ponto crucial que os difere: Mariana Mortágua afirmou que uma negociação de paz terá de incluir sempre a autodeterminação da Ucrânia.
Tal como fez na eutanásia, foi também Mariana Mortágua a querer marcar posição. O Bloco de Esquerda lembrou a dificuldade da CDU em criticar regimes como o chinês ou o angolano.