Todos os olhos postos no que Putin fará a seguir

CNN Portugal , Análise de Nick Paton Walsh
23 fev 2022, 23:33
Vladimir Putin (AP Images)

A iminência da guerra já está a prejudicar a economia da Ucrânia. Perceba porquê

Foi tudo e nada.

Depois de semanas de alertas vindos do Ocidente acerca de uma invasão russa em várias frentes e em todo o país, a primeira movimentação militar de Vladimir Putin na Ucrânia foi relativamente pequena.

O reconhecimento na segunda-feira por parte do Kremlin das duas repúblicas separatistas e a decisão do envio de tropas russas é a flagrante formalização de algo que já aconteceu. Eu testemunhei, no início da tomada de poder de Donetsk por gangues separatistas em 2014, dois homens com uniformes militares da marinha e de cabelo rapado a distribuírem rádios Kenwood aos manifestantes no interior dos escritórios do governo. Este foi sempre um exercício organizado pela Rússia, mas só agora é que parecem dispostos a hastear a sua bandeira sobre o mesmo. A violação da soberania da Ucrânia aconteceu há oito anos, e a assinatura dos decretos e o envio de tropas torna-a mais visível.

Mas esta não é uma invasão total. Não são os 150 000 soldados e viabilizadores - muitos em “formação tática” - a ameaçar Kiev e a derrubar o governo, como alertaram os governos ocidentais. Esse cenário assustador prevê bombardeamentos de domínio rápido, seguidos por dezenas de milhares de soldados, causando potencialmente dezenas de milhares de vítimas civis e milhões de refugiados.

Aquilo que se segue é algo fluido.

Em primeiro lugar, a resposta do Ocidente terá de escolher quantas das sanções ao seu dispor serão aplicadas. As sanções possuem um número limitado de opções, não são uma infinita caixa de ferramentas.

A contenção por parte das nações europeias pode sugerir que esta invasão formal não é suficiente para pressionar o botão do juízo final em relação às sanções, embora a suspensão inicial do gasoduto Nord Stream 2 pela Alemanha aponte para o surgimento de uma resposta mais robusta. A Casa Branca sugeriu que irá avançar com sanções comerciais contra as repúblicas separatistas - o que é basicamente uma ameaça contra as empresas russas com atividade naquela região. Putin pode estar a tentar acentuar as divisões entre as capitais ocidentais em relação às sanções, obrigando-as a responder a esta movimentação adicional.

Em segundo lugar, esta não é a melhor opção para Putin no longo prazo. Ele passou a ser publicamente o responsável pela questão separatista. Deixou de poder escudar-se sob o manto da negação e prometeu enviar tropas russas para apoiá-los. Estas tropas irão provavelmente ficar perto de uma frenética linha de conflito com a Ucrânia. Alguns poderão ser atingidos nas permanentes escaramuças. Putin poderá ter de responder. Os indícios não são seguramente de paz ou de um cenário de estabilidade militar.

Então, é aqui que termina? Será este o somatório das vontades de Putin? Algumas figuras políticas russas têm vindo a debater se Moscovo deve reconhecer não apenas as repúblicas separatistas como aquilo que são, mas como aquilo que querem ser – abrangendo a totalidade das regiões de Donetsk e Lugansk. Isto significaria que as tropas russas estariam efetivamente a garantir a segurança nas áreas do leste da Ucrânia defendidas pelo exército ucraniano. No momento em que escrevo, isso continua por esclarecer. Mas é uma janela possível para a escalada.

Esta movimentação inicial faz parte de um plano militar russo mais vasto? É difícil considerar esta limitada manobra formal de controlo como o prefácio do iminente ataque generalizado para o qual os EUA têm alertado. Mas importa recordar que Putin não trabalha segundo um ciclo noticioso de 24 horas. Ele não necessita da aprovação do Congresso nem tem eleições intercalares a aproximarem-se. Ele pode fazer o que quiser, quando quiser, durante o tempo que quiser. E ao passo que as potências ocidentais acreditam que será “uma questão de dias” até que as tropas russas em posições mais avançadas junto da fronteira abandonem a sua “formação tática” com vista à invasão, as forças armadas russas poderão não estar assim tão preocupadas em fazê-los regressar aos quartéis e a um banho quente.

Qualquer “pacificador” russo - para usar as palavras de Putin - em Donbass pode ter como objetivo manter o foco militar no leste por parte da Ucrânia. Os governos ocidentais avisaram que o plano russo passa por invadir as fronteiras do norte da Ucrânia e isolar a maior parte das forças armadas da Ucrânia no leste da capital Kiev, facilitando a provável tentativa do Kremlin de mudança de regime. Estas primeiras introduções russas em Donbass - presumindo que venham a crescer - poderiam estar idealizadas para manter o foco da Ucrânia no leste.

Ou poderá ser apenas isto, por enquanto. Putin atua muitas vezes em pequenos passos graduais - como o judoca que vai ajustando a sua pega, em vez do peso-pesado que avança para um soco. O próximo passo poderá acontecer no verão, ou no próximo ano. O líder do Kremlin parece apreciar a dissecação de carácter gerada por cada movimento seu. Dependendo do analista e do dia, ele é o pragmático que responde a cada evento como um hábil oportunista; ou ele é o jogador de xadrez 5D racional e estratégico que causa tumultos na geopolítica. Não sabemos com que Putin iremos lidar.

Mas tivemos a oportunidade de ver um Putin na noite de segunda-feira. Tal como alguns analistas comentaram, o desenvolvimento mais preocupante das últimas 48 horas talvez tenha sido a traição que o seu discurso de 57 minutos à nação russa causou no seu estado de espírito e convicções políticas. Com uma parte de aula de história revisionista, outra parte de crítica da NATO, e uma tirada contra a mera existência da Ucrânia, não foi um bom exemplo de um jogador de xadrez racional. Fez ressoar o furioso autoritário que tínhamos visto horas antes, sentado a dezenas de metros de distância do pequeno grupo de funcionários que ele havia permitido entrar na mesma sala que ele, repreendendo os seus conselheiros mais próximos para que “falassem mais alto” e “falassem de forma direta”.

O discurso mostrou um homem isolado, desinteressado das preocupações dos russos comuns, falando principalmente para si mesmo - ou para livros de história imaginados, ou para uma possível pandilha de potenciais sucessores – acerca dos seus antigos ressentimentos acumulados desde 1989. Até reservou um momento para se mostrar aborrecido por Bill Clinton o ter desprezado há 22 anos. Esta pode ter sido uma atuação encenada, destinada a perturbar os espectadores, e nesse caso foi extremamente eficaz. Ou pode ser a manifestação mais nítida até ao momento daquilo que move a personalidade singular por trás da maior crise da Europa em décadas, e do que pode servir de combustível para o seu futuro.

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