Durante quase oito anos, os territórios separatistas têm sido palco de uma guerra entre separatistas apoiados pela Rússia e forças ucranianas, que provocou a morte de mais de 14 mil pessoas. A recente decisão de Putin levantou receios de uma guerra mais vasta na Ucrânia
O presidente russo, Vladimir Putin, reconheceu, na segunda-feira, dois territórios separatistas ucranianos como Estados independentes, ordenando o envio de tropas russas para as regiões, num esquema perigoso que desafia o direito internacional e que pode provocar um confronto militar mortífero.
O decreto do Kremlin que reconhece as autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk, na Ucrânia, representa uma escalada de um conflito de longa duração.
Durante quase oito anos, os territórios separatistas têm sido palco de uma guerra entre separatistas apoiados pela Rússia e forças ucranianas, que provocou a morte de mais de 14 mil pessoas.
Mas a decisão de Putin de enviar forças para as regiões motivou preocupações de uma eventual guerra mais ampla na Ucrânia. Eis como o conflito começou:
Qual é a história recente de Donbass?
A guerra começou em 2014, depois de rebeldes apoiados pela Rússia tomarem controlo de edifícios do governo ucraniano, deixando áreas de Luhansk e Donetsk nas mãos de separatistas pró-russos. O ano de 2014 ficou também marcado pela anexação russa da Crimeia, que provocou uma contestação global.
As áreas controladas pelos separatistas em Donbass ficaram conhecidas como as Repúblicas Populares de Luhansk e Donetsk. O governo ucraniano garante que as duas regiões estão, de facto, a ser ocupadas pela Rússia, embora não sejam reconhecidas por nenhum governo na esfera internacional, à exceção da próprio Kremlin e da sua estreita aliada, Síria. O governo ucraniano recusa-se a falar diretamente com qualquer uma das repúblicas separatistas.
O acordo de Minsk II de 2015 levou a um cessar-fogo hesitante e o conflito passou para uma guerra sem grandes avanços ao longo da “linha de contacto”, que separa o governo ucraniano das áreas controladas pelos separatistas. Os Acordos de Minsk (assim designados devido ao nome da capital da Bielorrússia onde foram assinados) proíbem armas pesadas perto da linha de contacto.
A linguagem em torno do conflito é fortemente politizada. O governo ucraniano designa as forças separatistas por “invasores", enquanto os meios de comunicação russos chamam “milícias” às forças separatistas e assumem-se como habitantes locais que se defendem contra o governo de Kiev.
Desde 2014, mais de 14 mil pessoas morreram no conflito em Donbass. A Ucrânia diz que 1,5 milhões de pessoas foram forçadas a fugir das suas casas, com a maioria a permanecer nas áreas de Donbass, que permanecem sob controlo ucraniano, e cerca de 200 mil a reinstalarem-se na região mais vasta de Kiev.
Como é que Putin alimentou o conflito?
Os separatistas de Donbass têm recebido um apoio substancial de Moscovo. A Rússia há muito que defende que não tem soldados no terreno, mas dirigentes dos EUA, da NATO e da Ucrânia dizem que o governo russo abastece os separatistas, dá-lhes aconselhamento e informações e integra os seus próprios oficiais nos seus quadros.
Nos últimos anos, Moscovo também distribuiu centenas de milhares de passaportes russos a pessoas em Donbass. Dirigentes e observadores ocidentais acusaram o presidente russo, Vladimir Putin, de tentar criar autenticidade no terreno através da naturalização dos ucranianos como cidadãos russos, uma forma de reconhecer os Estados separatistas. Também lhe dá uma razão para intervir na Ucrânia.
Na semana passada, o parlamento russo recomendou que o Kremlin reconhecesse formalmente partes do LPR e do DPR como estados independentes, outra agravação da retórica que os dirigentes norte-americanos afirmaram, na altura, demonstrar que Putin não tem qualquer intenção de cumprir o acordo de Minsk.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba, deixou uma garantia: a Ucrânia “não irá parar até libertar os nossos territórios em Donbass, Crimeia, até que a Rússia pague por todos os danos que causou."
Putin há muito que acusa a Ucrânia de violar os direitos dos russos na Ucrânia, argumentando que tem o direito de intervir militarmente para os proteger.
Nas últimas semanas, o presidente russo disse que estava a decorrer um “genocídio” em Donbass. Embora estas declarações por parte de Putin não sejam novidade, o momento em que surgem motivou preocupações entre os responsáveis políticos ocidentais, que receiam a repetição de um conflito semelhante ao de 2008, na Geórgia.
Isto porque, na altura, Putin argumentou também que a Geórgia cometeu um genocídio contra civis na República separatista da Ossétia do Sul, em agosto de 2008. Durante o breve conflito, a Rússia lançou uma invasão militar em massa, que avançou bastante para o interior da Geórgia.
Tal como em 2014, a região de Donbass é agora o centro do conflito entre o Oriente e o Ocidente, entre o impulso de Putin para reafirmar o controlo, enfraquecendo o Estado ucraniano, e a crescente aspiração dos ucranianos a juntarem-se ao conjunto das democracias europeias.