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Diretor executivo CNN Portugal

Este foi o melhor discurso do 25 de Abril (na íntegra)

25 abr, 14:36

Isto é um texto de opinião minúsculo para um discurso maiúsculo. E a minha opinião é que o melhor discurso oficial dos cinquenta anos do 25 de Abril foi este: o da política como ação construtiva da esperança, irmanando irrepreensível e inexoravelmente democracia e liberdade. Este discurso foi dito por duas pessoas, Rui Tavares e Ana Gabriela Cabilhas, que em elogio aqui ecoo na íntegra

"Enchamos as nossas conversas de objetos de desejo político"

"Falemos, francamente, entre concidadãos e com os nossos amigos estrangeiros que tanto admiram o 25 de Abril, de sonhos e de pesadelos. 

Durante todos aqueles anos, a minha mãe tinha pesadelos com o ditador. Aqui bem perto, na casa para onde veio trabalhar quando saiu da aldeia aos 17 anos. Nós somos filhos e netos e bisnetos dessas mulheres que às centenas de milhares vieram trabalhar para casas de família nas grandes cidades e devemos ter orgulho nelas.

O que o patrão lhe dizia, um brigadeiro do antigo regime, quando ela tinha coragem de revelar os pesadelos com o ditador, era ‘cuidado Lucília, se você tivesse mais educação já estava presa’.

Querendo com isso dizer que se ela fosse um pouco mais de risco o regime não deixaria de a encarcerar. Como, aliás, aconteceu ao seu irmão, que de facto tinha um pouco mais de estudos e que se tornou cliente habitual da sede da PIDE na António Maria Cardoso por coisas tão simples como comemorar a República.

É curioso, se pensarmos bem nisto, porque o que aquele defensor e beneficiário da ditadura dizia era que ela tivesse cuidado em não ser presa. Nunca lhe disse ‘pesadelos? pesadelos porquê?’

É que até o próprio regime, os seus defensores, sabiam perfeitamente e contavam com isso, que o medo era o que o sustentava. E aquilo com que eles contavam era que os portugueses tivessem sempre muito medo e muito pouca imaginação. Então imaginemos agora alguém que naquele ano de 1974, antes do 25 de Abril, tivesse um sonho e acordasse no dia seguinte e contasse à boca pequena à sua família ‘olha com o que é que eu sonhei hoje’. Que coisa extraordinária. Sonhei que jovens militares vinham de Santarém para derrubar o regime. Sonhei que enfrentavam uma coluna de tanques militares ali ao pé do terreiro de Paço. Sonhei que um deles, um jovem oficial, abria os braços em frente ao canhão e o outro que estava lá do lado, à frente dele e que podia ter disparado, não disparou e não houve sangue. Sonhei que depois ali no Rossio, no Lar do Carmo, conforme os militares foram subindo, as pessoas deram-lhe cravos para porem no cano das espingardas. Que as crianças brincavam ali em segurança sabendo que não haveria risco. Sonhei que o ditador iria nesse mesmo dia embora. Sonhei tudo isto e ainda sonhei mais, que passado uma semana estaríamos aos milhões nas ruas a celebrar o 1.º de Maio. E depois todos os dias que nasceram do dia 25 de Abril, todos eles importantes.

Haverá democracia plena quando metade da população não pode votar? Não devemos nós então celebrar o 25 de Abril de 1975, quando finalmente as mulheres votaram sem condições neste país?

Todos esses dias que nasceram do dia 25 de Abril são importantes e todos nos dizem muito, mas são todos incomparáveis com o dia que os criou e que os permitiu.

Agora imaginem ainda outra coisa, imaginem ser um jornalista em Paris ou em Nova Iorque, e começar a receber as fotografias que vinham por uns modems rudimentares que existiam na altura do que se passava naquele dia num país onde nada se esperava, a não ser imagens cinzentas e de pobreza e de medo. E começar a ver aquelas imagens de soldados com cravos e pensar: mas o que é que se passa em Portugal, o que é que se passa naquele canto da Europa? Ficaram todos pelo mundo fora imediatamente fascinados e apaixonados pela nossa revolução. E ela inspirou o mundo.

Cientistas políticos, aliás bastante conservadores, dizem que o 25 de Abril iniciou a terceira vaga de democratização no mundo, que foi pelo sul da Europa, à América Latina, ao Sudeste Asiático, à Europa do Leste, até muito recentemente se iniciar a partir de 2016 a contra-revolução dessa vaga.

E a razão por que o 25 de Abril deu a volta ao mundo é porque o 25 de Abril foi belo, foi a mais bela revolução do século XX. E é nossa.

E tudo o que fizemos desde então foi cumprir Abril. Portugal estava séculos atrasado em relação a outros países que já tinham resolvido o problema do analfabetismo. Gente inclusive desta Assembleia, como Helena Cidade Moura, que faria agora há 100 anos e que escreveu a cartilha que permitiu alfabetizar milhares de pessoas, esses jovens soldados, essas jovens estudantes foram pelo país fora a alfabetizar os seus concidadãos. Passámos a ter férias pagas, salário mínimo, Serviço Nacional de Saúde, as famílias como a minha que não tinham tido um filho na universidade, puseram lá os cinco. E tantas famílias em todo Portugal ainda hoje, quando a gente lhes pergunta do que mais se orgulham, não é do carro, nem da casa, nem do terreno, nem de qualquer bem de consumo. É da neta que está a fazer o Erasmus, é do bisneto que acabou o mestrado e já quer fazer o Erasmus. E isso foi sempre cumprir Abril.

Abril, podem procurar à vontade, eu já o fiz muitas vezes. Percorram a nossa história de 900 anos, para trás e para a frente, não acharão outro dia com a folha de serviços de 25 de Abril de 1974. Amanheceu com ditadura, com censura, com presos políticos, com uma polícia temida, com uma guerra colonial e ao fim do dia já se sabia que tudo isso ou já tinha acabado ou tinha de acabar.

Os jornais que saíram naquele dia dizendo não foram visados por qualquer comissão de censura, eles disseram com isso que não aceitavam nem as antigas nem as novas que viessem a ser criadas.

Por isso, cria-se uma situação paradoxal para os amigos do 25 de Abril e uma facilidade, uma abertura para os inimigos do 25 de Abril. É que para os amigos do 25 de Abril a fasquia está muito alta. Ouviremos muitos discursos aqui hoje que tentarão em vão acrescentar qualquer coisa ao mais belo de todos os dias.
E agora reparem num ambiente atual que vivemos pelo mundo, em que o que alguns mais desejam, quando desejam muito o poder e a celebridade, é estar nas bocas do mundo e que toda a gente fale deles. Como dizia um político do século XX, chamem-nos criminosos ou palhaços, riam-se de nós ou tenham medo, o que importa é que falem sempre de nós, que se foquem o tempo todo em nós. Pois bem, o que quererá fazer alguém que não tenha conseguido chegar à fama ou ao poder de outra forma e que queira muito chegar a essa fama e a esse poder?

Se chamar a atenção, a melhor maneira é menosprezar ou até profanar o 25 de Abril. Por isso, peço-vos, não lhes demos esse prazer. Enchamos as nossas conversas de objetos de desejo político. Em cada quartel vazio imaginemos uma residência de estudantes, em cada aldeia despovoada imaginemos um novo projeto sustentável e solidário para várias gerações, imaginemos um país que já é um país de ponta nas energias renováveis ou na ecologia, imaginemos uma economia do conhecimento que dê o justo valor a todos. É assim enchendo o país de objetos de desejo político que nós evitamos os pesadelos do passado e continuamos a sonhar Abril.

E darei apenas um exemplo pequeno, porque podem ser grandes ou pequenos.

Nós temos aqui mesmo ao lado um pedestal vazio para uma estátua que nunca decidimos qual seria. Essa estátua, sugiro eu, que seja daquela mulher, pode ser a Dona Celeste que saiu com a sua braçada de cravos no dia 25 de Abril, pode ser Aurora, Laurinda, Maria Albertina, Miquelina, eu chamo-lhe apenas Dona Liberdade, uma mulher comum portuguesa que inventou o mais belo símbolo revolucionário, que deu a volta ao mundo e que deve ser celebrada, porque essas mulheres, incluindo aquelas que vieram para aqui às quatro da manhã pôr esta sala bonita, merecem e nós precisamos.

Muito obrigado."

Rui Tavares, porta-voz do Livre

 

"A solução está nesta Câmara, em cada um de nós"

"Há 50 anos, o vermelho vivo dos cravos substituiu o vermelho do sangue que naquele dia podia ter sido derramado. Os cravos floriram nas armas e a esperança iluminou um novo futuro para Portugal.

O futuro:

  • De um País onde o sol nascia para todos, mas o privilégio da sombra era só para alguns. 
  • De uma Nação de gente boa - apesar de ferida, detida e torturada.
  • De um País de meninas e meninos que não terminavam a quarta classe para trabalhar.
  • De um País onde ao mesmo tempo que se dividia uma sardinha para alimentar 2 ou 3, multiplicavam-se as sementes da revolução por 4 ou 5.  
  • De uma Nação onde as mulheres não podiam ser donas de si.

O futuro:

  • De uma Pátria chamada ao sofrimento de uma Guerra colonial que não queria que fosse sua, mas que fez das convicções de paz e fraternidade a sua maior arma. 
  • De uma Nação onde os jovens tinham de decidir entre matar, morrer ou fugir à pátria.
  • De um País onde muitos levantaram a voz e usaram a arte, pelos que eram silenciados. Onde muitos resistiram, unidos, contra a servidão de quem agarrado ao poder via e fingia não ver, ouvia e fingia não ouvir.
  • De um Portugal que sonhava em ser livre.

Como as estrofes imortais de Camões, que narram feitos dos heróis do mar, ou as palavras apaixonadas de Torga que ecoam pelas serras de alma lusitana, a nossa história é farol que nos guia, porque um País sem memória traça o seu próprio fim.

Hoje, mais do que um justo elogio ao passado - que agradecemos e admiramos - importa renovar um compromisso com o futuro.  

A minha geração nasceu e cresceu em democracia. Somos filhos de um Portugal que, tal como a semente, germinou na escuridão, para dar flor e fruto em liberdade. Mas questionemos! Vibra hoje, tão intensamente como há 50 anos, a chama da liberdade? Estamos tão comprometidos com a liberdade individual, como há 50 anos? Vivemos, com igual empenho, a democracia? Não admito! Não podemos admitir que a melhor versão da nossa democracia tenha ficado no passado, cristalizada na Revolução dos Cravos.

Abril não é apenas um marco na história, é uma Revolução contínua e inacabada. Abril desafiou os grilhões do passado e abriu portas a um futuro de sonhos e possibilidades. Trouxe a insatisfação, a inquietação e o desassossego. Trouxe a liberdade que liberta – a liberdade de ser, de pensar, a liberdade para ambicionar mais e melhor, e para tomarmos o futuro nas nossas mãos. 

Nos 50 anos de democracia, somos chamados a ser os guardiões do seu futuro. De uma democracia melhorada e reconciliada com o povo, que não se contenta em sobreviver, mas que procura florescer com a intensidade de abril de 74, de novembro de 75 ou da ida às urnas para a Assembleia Constituinte 

A voz do povo é a maior força da democracia. Por isso, a Casa da Democracia deve escutar o povo, para devolver ao povo a concretização das suas legítimas expectativas. A solução? A solução está nesta Câmara, em cada um de nós!

Recusando que os extremistas radicalizem a sociedade, dividindo-a em dois: os políticos e o povo. Não! Os políticos estão ao serviço do povo. Os políticos são também eles o povo. Os nossos corações aceleram tanto quanto conquistamos em conjunto, e apertam tanto quanto falhamos coletivamente. Porque aqui não há nós e eles, somos todos Portugal.

Hoje temos liberdades que não tínhamos há 50 anos. Mas há um Portugal que está por fazer! Onde está a liberdade sem verdadeira igualdade de oportunidades? A igualdade de oportunidades vem com a solução aos problemas das pessoas que sabemos existirem, e para os quais este Governo e esta Assembleia estão dedicados em resolver. 

Elevando o debate político. Convocando a tolerância e o diálogo para a atividade parlamentar. Percebendo que aqui não são os partidos que ganham ou perdem, são os portugueses que têm de ganhar!!!! Rejeitando soluções simplistas para desafios complexos. Jamais tratando os extremismos com mais radicalismo. Levantando a voz a qualquer revisionismo histórico de saudade soviética. Reforçando a responsabilização dos titulares de cargos públicos. Combatendo o populismo, a demagogia e a desinformação. Envolvendo a sociedade civil. Dando lugar às novas gerações e a mais mulheres na política. Lutando por uma justiça que funcione. Apoiando o jornalismo independente. Rejeitando vagas wokistas, a nova “censura do bem” e a doutrinação da educação, protagonizadas por extremismos em polos opostos do pensamento ideológico. Substituindo a política de café e do comentário nas redes sociais, por mais participação na comunidade. Rompendo com os interesses instalados. Concretizando as reformas de que o País grita. Dizendo NÃO, NÃO a quem quer dividir o País. O futuro da nossa democracia não é certo, mas a forma como o preparamos é a chave para a defender melhor: com mais progresso, solidariedade, mais respeito pelas pessoas e pela dignidade que a todos deveria estar consagrada, pelo planeta e os seus recursos. 

Que os feitos grandiosos nos inspirem a erguer novos horizontes de esperança. Que a minha geração, que as diferentes gerações façam, cada uma, a sua parte. Para que Portugal possa ser novamente sonhado. Para um futuro com história. Porque contar-se-á desta história a mudança que soubermos protagonizar. Pela Nação Valente que é de todos.

Dos que a construíram e dos que a herdaram. Dos militares, dos combatentes e dos que têm uma dívida de gratidão para com eles. Dos mais afastados da política e dos que exercem funções públicas. Dos que se desiludiram e dos militantes e simpatizantes dos partidos. Dos votantes e dos que precisamos que voltem a votar. Do interior e do litoral. Das ilhas e do Continente. Dos mais novos e dos mais velhos. Dos que em desalento emigraram, e dos filhos de Portugal que queremos que voltem a casa. De homens e mulheres. Independentemente de quem somos, de onde vimos, quem amamos.

Que cada português, onde quer que esteja, saiba que o coração da pátria bate em uníssono com o seu. Porque a essência da liberdade está dentro de nós e é ela que mais ordena.

Viva Portugal!"

Ana Gabriela Cabilhas, deputada do PSD

 

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