Momento 1: sanções; momento 2: rublo; momento 3: belicismo. Como os Aliados podem escalar a resposta à Rússia

22 fev 2022, 21:49

Oligarcas com contas congeladas e bancos proibidos de realizar operações: para já são estas as sanções aplicadas à Rússia, sendo a primeira linha de retaliação aos atos de Putin. Quais são os seguintes?

Foi no primeiro dia de dezembro de 2021 que os Estados Unidos ameaçaram a Rússia com sanções económicas inéditas em caso de invasão da Ucrânia. Quase três meses volvidos, essa invasão parece cada vez mais possível e a verdade é que tropas russas já estão desde esta terça-feira em território que é internacionalmente reconhecido como ucraniano: as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk. Essa ação, que Vladimir Putin não vê como invasão à Ucrânia porque reconheceu a independência daqueles locais, espoletou um anúncio de sanções por vários países, desde os Estados Unidos à Nova Zelândia

Embora seja esperado que a Rússia saia verdadeiramente afetada, nomeadamente pela suspensão da certificação do gasoduto Nord Stream 2, Vladimir Putin parece pouco preocupado e irredutível na sua decisão. Por isso mesmo, será que estas sanções são suficientes? E que outras sanções podem vir a surgir?

Para os especialistas ouvidos pela CNN Portugal, esta é a derradeira tentativa do Ocidente, encabeçado por Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia, de tentar seguir uma via diplomática que evitaria um conflito armado, no qual a NATO não pode teoricamente intervir uma vez que a Ucrânia não é um membro daquela organização.

O general Leonel de Carvalho defende a atuação do Ocidente em três momentos diferentes, que explicamos mais à frente. Estas sanções que agora se conhecem são apenas o primeiro momento, que tem como grande objetivo evitar uma escalada para um conflito no terreno. "Temos uma primeira linha, uma segunda e ainda uma reserva. Estamos na primeira linha, que ainda dá hipótese à diplomacia", afirma o general.

É isso que entende Ana Santos Pinto, que fala numa pressão “para regressar à mesa das negociações”. De resto, aponta a investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), estas sanções já vinham sendo anunciadas e servem como um ponto intermédio para que ainda haja tempo e espaço para conversas. “Qualquer intervenção militar terá um impacto fortíssimo, as consequências seriam muito mais significativas.”

A também antiga secretário de Estado da Defesa diz ainda que ambos os lados precisam de “alavancas negociais”, argumentos que lhes permitam ter força na mesa de negociações. Do lado do Ocidente parece clara a intenção: um recuar da Rússia e o reconhecimento da soberania total da Ucrânia. Do outro lado, haverá um ponto em que Vladimir Putin se mantém irredutível: não vai permitir uma adesão ucraniana à NATO.

“Vladimir Putin não encara a Ucrânia como um Estado independente da Federação Russa. O objetivo é desmembrar a Ucrânia e retirar-lhe soberania”, acrescenta Ana Santos Pinto, apontando o desejo russo de minar essa mesma soberania por duas vias: integridade territorial, através do reconhecimento da independência de Donetsk e Lugansk; a não adesão à NATO, que impede a Ucrânia de ter soberania em política externa.

Manifestantes pró-Ucrânia junto à embaixada russa em Kiev (Efrem Lukatsky/AP)

Para já, Ana Santos Pinto pede tempo: "Não podemos aplicar sanções e dois ou três dias depois aplicar novas medidas. Temos de esperar para ver como a Rússia responde e dar tempo para os canais diplomáticos".

As sanções de cada país (a primeira linha)

Dos Estados Unidos à Nova Zelândia, foram vários os países a anunciar sanções contra a Rússia. É aquilo que o general Leonel de Carvalho refere como uma "primeira linha" de ação, que já estava planeada e concertada entre o Ocidente há muito tempo. "As sanções económicas já estavam planeadas de acordo com a vontade dos Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido", diz.

Assim, Ursula von der Leyen confirmou que as sanções da União Europeia, que "vão doer muito", têm por objetivo atingir a Rússia de forma financeira e militar e serão aplicadas contra:

  • Os que se envolveram na “decisão ilegal” de reconhecer Donetsk e Lugansk como independentes;
  • Os bancos que estão a financiar o exército russo e outras operações naquele território;
  • Atingir a habilidade do governo e Estado russos de acederem a capital da União Europeia e aos mercados e serviços financeiros, e limitar o financiamento de políticas agressivas e que aumentem a tensão;
  • Atingir o comércio das duas regiões de e para a União Europeia, assegurar que os responsáveis claramente sentem as consequências ecomómicas das suas “ações ilegais e agressivas”.

O Reino Unido vai sancionar cinco bancos russos e três oligarcas. A confirmação foi dada pelo primeiro-ministro britânico, que anunciou o congelamento de bens e a proibição de viagens para o país no caso dessas três personalidades, identificadas como Gennady Timchenko, Boris Rotenberg e Igor Rotenberg.

Já a Alemanha, e à margem das decisões europeias, decidiu suspender a certificação do gasoduto Nord Stream 2.

Nord Stream 2 (Stefan Sauer/dpa via AP)

Os Estados Unidos também optaram por sanções a instituições financeiras, mas é expectável que novas propostas sejam conhecidas nos próximos dias.

O rublo (a segunda linha)

Para Ana Santos Pinto, mesmo que as atuais sanções não apresentem um efeito, há ainda espaço para uma intervenção não bélica. Isso pode passar, diz, por uma solução que já foi admitida pelo primeiro-ministro britânico e que consistiria na proibição de a Rússia realizar transações com base no dólar, euro ou libra, ficando mais exposta à utilização da sua moeda nacional, o rublo, que não tem tanta estabilidade nos mercados.

Já Leonel de Carvalho, que vê neste passo uma "segunda linha", refere que esta pode ser atingida caso o conflito avance para a existência de vítimas mortais, o que pode ser precipitado pela tentativa da Ucrânia de defender o seu território integral, Donetsk e Lugansk incluídos.

Na prática, o que o Ocidente prevê é sanções para quaisquer instituições e empresas que possam vir a negociar com a Rússia ou instituições russas naquelas moedas. Isso pode ter um impacto significativo na economia russa, uma vez que a grande maioria das vendas de petróleo e gás natural são realizadas em dólar, num sector que representa 14% do Produto Interno Bruto russo - o país é o segundo maior produtor mundial de gás natural e o terceiro maior produtor de petróleo, do qual produz 11% das reservas mundiais. Os especialistas dizem ainda que isso pode mesmo afetar outros sectores da economia do país.

Ainda assim, é importante relembrar que isso teria consequências, nomeadamente na Europa, que está altamente dependente do gás que vem da Rússia.

O Ocidente pode ainda aplicar sanções à exportação de alta tecnologia para a Rússia. Uma hipótese em cima da mesa é os Estados Unidos pararem a comercialização de semicondutores (chips essenciais para carros a telemóveis, por exemplo), deixando a Rússia mais isolada, mas afetando também as áreas da Defesa e da Economia

Mais uma vez, isso pode significar consequências negativas para estas empresas, o que dá razão à noção de sacrifício que foi referida pela ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha.

Leonel de Carvalho concorda e diz que há que dar espaço para ir reagindo a eventuais retaliações, "porque tem de haver sempre meios para reagir a um novo passo". Nesta "segunda linha", o general continua a acreditar na diplomacia e concorda que a proibição de negociação nas moedas europeias e americana pode ser um forte fator, tal como a proibição de exportações de produtos para a Rússia.

"Tudo isto traz grandes prejuízos a ambas as partes", recorda.

Belicismo (a terceira linha)

No plano militar traçado por Leonel de Carvalho, existe ainda um último ponto, no qual poderá haver mesmo uma confrontação bélica. Esse passo pode ser dado se a Rússia ultrapassar as fronteiras ucranianas, nomeadamente para a Polónia, o que obrigaria a uma ação ocidental, já não pelo meio político-económico mas sim pelo meio militar.

Será para acautelar esse cenário que muitos países, como é o caso da Hungria, têm reforçado as suas fronteiras com a Ucrânia, que faz fronteira com quatro países da União Europeia (Polónia, Hungria, Eslováquia e Roménia).

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