“Depois das férias, temos de lidar com o lixo que tentámos esconder debaixo do tapete”. Aqui há dicas para um regresso mais suave à rotina

17 set 2023, 11:00
Férias/Regresso do Trabalho

Cada família tem as suas estratégias para regressar às rotinas. É o regresso às aulas, o regresso ao trabalho, as refeições que é preciso preparar, os percursos que o trânsito dificulta, as coisas que nos fazem bem a ficarem em segundo plano. E a exigência de, perante os outros, ter uma vida perfeita. Espante-se: não há vidas perfeitas. Há sim estratégias para vidas mais equilibradas.

Mesmo quando se passa grande parte do tempo a viajar, voltar à rotina pode ser um desafio. Incluindo na família de Sofia Mesquita, do marido Mário, e dos dois filhos Maria Rita e Simão, que até se definem como “Descomplicados”.

Enquanto empresários, conseguem trabalhar à distância e aproveitam a tenra idade dos filhos, de cinco e dois anos, que ainda não implica um compromisso intensivo com a escola, para longas temporadas longe de casa.

Tailândia, Singapura, Indonésia, Maldivas, Panamá, Colômbia, México ou Maldivas foram alguns dos destinos. Viajar com crianças traz desafios, que a família partilha com os seguidores no perfil de Instagram. Contudo, também há desafios no regresso à base, na Ericeira. Para que a transição seja mais suave, a família adotou um conjunto de estratégias.

“Tentamos manter as rotinas que temos em casa. Temos uma música para o momento de lavar as mãos, os dentes e dormir. Os momentos de rotina são muito importantes. O espaço físico não é o mesmo, mas o espaço emocional é”, descreve Sofia Mesquita.

De cada viagem, e de cada regresso, saem aprendizagens. “Costumo dizer que cada criança tem o seu ritmo. E os pais têm de se adaptar”.

“Quando estão cá, vão à escola. Na mais velha acaba por ser mais fácil, está numa idade em que quer brincar com outras crianças. No mais novo, já tivemos mais dificuldades. Às vezes, não quer ficar. Respeitamos. Há vezes em que ficamos mais tempo na sala com ele, para se adaptar. Noutras, acabamos por trazê-lo para casa”, descreve.

Tendo ou não filhos, o regresso à rotina pós-férias pode ser um autêntico desafio. Tanto na organização, como em termos emocionais. E, por isso, abaixo, seguem as dicas do neuropsicólogo e hipnoterapeuta Alberto Lopes.

A história da família de Sofia Mesquita dá-nos também algumas pistas: moderar as expectativas, tanto na ida como na volta das férias, porque com crianças o descanso nem sempre é o desejado; e incluir aspetos habituais da rotina nos dias de férias, para que o corte e o regresso não se mostrem tão duros.

Famílias partilha, no Instagram, dicas para evitar ansiedades em viagens com crianças (DR)
Regressos são mais difíceis para o membro mais novo da família, Simão (DR)

Sete conselhos fundamentais para não se sentir assoberbado pela rotina

Sentimentos de impotência e frustração. No período pós-férias, nos consultórios do neuropsicólogo Alberto Lopes sente-se uma maior procura por ajuda. O regresso à rotina pode ser assoberbante. E tudo porque olhamos para as férias como o “escape” a tudo o que nos atormenta no resto do ano.

“As férias podem ser uma fuga temporária a conflitos mal resolvidos. E adiamos esses conflitos, que ficam adormecidos. São como vulcões, permanecem ativos à espera de uma fagulha que os faça ressurgir. O retorno significa olhar para as coisas que ficaram temporariamente esquecidas”, descreve o especialista, destacando que a maior procura por férias no estrangeiro neste ano pode ser um sintoma de que a saúde mental dos portugueses está ainda mais frágil.

Depois, somos “atropelados por uma avalanche de problemas”, “temos de lidar com o lixo que tentámos esconder debaixo do tapete”. E o cérebro, “ao adaptar-se a um ambiente relaxado, pode encontrar dificuldades no regresso ao trabalho. Exige uma reconfiguração da atividade cerebral. O cérebro precisa de se readaptar”. Como? É isso que Alberto Lopes explica agora:

1.Não há um “interruptor para ligar ou desligar a paz interior ou a felicidade”, mas há técnicas que permitem gerir melhor as emoções. Afinal, os nossos pensamentos podem ser os nossos piores inimigos. O especialista explica que, em vez de nos focarmos nos sentimentos negativos, “podemos direcionar a nossa atenção para os aspetos mais positivos da vida”. “Não existem dias maus, existem momentos maus”, insiste.

2.Quando tudo parecer demasiado intenso, é boa ideia fazer uma pausa, por mais breve que ela possa ser. Alberto Lopes recomenda técnicas de meditação e respiração. “Não é preciso inscrever-se num curso”, diz. Só um momento para respirar fundo já ajuda a nossa mente a perceber que o ambiente está calmo. Ou uns minutos, ao pequeno-almoço, para simplesmente aproveitar o cheiro do café.

3.Passamos horas e horas nos ecrãs. Quando os pacientes chegam até Alberto Lopes, uma das coisas que o neuropsicólogo pede para ver são as estatísticas de uso do telemóvel e das redes sociais. E normalmente confirma as suspeitas: aqueles que passam mais horas ligados, e que transmitem imagens de vidas perfeitas nas redes, são geralmente aqueles que têm as vidas mais desestruturadas e mais precisam de ajuda. O especialista aconselha a estabelecer limites. “Somos escravos do telefone. Quando estamos com sobrecarga de informações, entramos em stress. Devíamos antes pensar que, se acontecer alguma coisa grave, alguém vai dizer-nos”. Há quem utilize as férias para se desligar do mundo da tecnologia. Alberto Lopes defende que isso pode ajudar, no regresso às rotinas, a “restabelecer os limites de tolerância” ao consumo online.

(Pexels)

4.Queixamo-nos muitas vezes de que não temos tempo. Mas Alberto Lopes argumenta que, se nos desprendermos dos ecrãs, que têm um efeito do hipnótico – quem nunca foi só espreitar o Instagram e acabou uma hora a deslizar no feed? -, podemos dar prioridade a tarefas que nos deem mais conforto, que nos desafiem mais, como um hobby que há muito queríamos desenvolver, participar em ações de voluntariado, fazer exercício físico ou estar com amigos. Ou simplesmente para dormir, que é essencial.

5.“Temos sede de pele”, resume Alberto Lopes, para falar da importância de estabelecermos redes de apoio, determinantes para a nossa saúde mental, em especial no regresso às rotinas. Mas como é isso possível num mundo onde cada um parece fechado na sua vida, onde pode ser difícil fazer novos amigos, onde a vida se vive cada vez mais atrás de ecrãs? O especialista sugere que se encontre um interesse e se procure desenvolver a rede a partir daí. Ele pode ser o voluntariado num hospital ou associação de apoio a animais, diz. E como chegar a essas pessoas? “Talvez possamos usar o lado positivo das redes sociais”.

6.No regresso às rotinas, depois de muitos dias de papo para o ar, sem fazer nada, podemos sentir-nos assoberbados, que não conseguimos dar conta do recado. E, nesse sentido, diz Alberto Lopes, é essencial aprender a dizer “não”. A palavra é pequena, mas pode custar muito dizê-la. A essa aprendizagem, nas nossas vidas pessoais ou profissionais, tem de se juntar a “auto-compaixão”: ou seja, a capacidade de admitirmos que vamos passar por derrotas e fracassos. E que está tudo bem em não sermos perfeitos. Quando o trabalho é motivo de ansiedade, aconselha, o esforço deve concentrar-se na procura de novas valências e desafios. Mas também no saber dizer “não” àquilo que possa ser demasiado para nós.

7.Quando conselhos como os anteriores não produzem os efeitos desejados, não há nada como procurar ajuda especializada. Alberto Lopes alerta que os indicadores da saúde mental em Portugal são preocupantes, como o número de suicídios. “São 4 aviões que caem, por ano, de pessoas que põem termo à vida em Portugal”, compara.

(Getty Images)

Preparar o regresso antes de ir de férias

Para Raquel Côbo, o regresso à rotina é sempre “na força do ódio e a desejar ganhar o Euromilhões”, diz na brincadeira esta empregada de limpeza de Braga. “Não sou o tipo de pessoa que chega ao fim das férias triste, porque considero que as aproveitei ao máximo”, explica depois, já num tom mais sério.

Antes de ir descansar, pensa na Raquel futura que vai ter de voltar ao trabalho e às aulas. E as estratégias estão bem definidas para uma transição mais suave: “tento deixar a casa impecável, quase sem roupa suja e com coisas no frigorifico e no congelador. Também deixo roupa preparada para os primeiros dias. Assim, quando chego, fica mais fácil”.

“Mal chego de férias, tenho de desfazer logo as malas, se não já sei que não pego nelas durante uma semana”. São estratégias simples, mas que ajudam muito. Até porque o tempo de Raquel é bem limitado. Começa no trabalho às 9:00 e só volta a casa, depois das aulas, às 23:00.

Raquel Côbo numas férias em Paris (DR)

 

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