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Meu querido Manel: "estás aqui, vais estar sempre aqui!"

28 jun, 17:03

Rui Santos presta homenagem ao "eterno capitão" Manuel Fernandes

Meu querido “Manel”,

Decidiste partir.

Pensas tu.

Não partiste, estás entre nós.

Não aches que foi por acaso que te chamaram “capitão eterno”.

Ao contrário de muitos que fazem muito pouco para ter palco, tu fizeste tudo.

Marcaste centenas de golos e estiveste em campo durante anos, em condições de treino difíceis que estas gerações de hoje não fazem nem ideia, jogaste futebol de primeira, com aquela tua fintinha curta absolutamente incomparável e com uma extraordinária capacidade para aparecer na área a finalizar, o instinto matador que é uma qualidade a diferenciar os pontas-de-lança, fizeste TUDO para merecer o reconhecimento do público português e não apenas dos adeptos do Sporting.

Nada foi por favor, ou por compadrio.

Desabrochaste como uma flor num terreno árido e, na CUF, como extremo direito, começaste a dar nas vistas.

Não havia empresários que transformam pigmeus em gigantes e até foste tu, na tua humildade, quem deu uma mão, mais tarde,  ao grande José Mourinho, no início de uma carreira fulgurante.

Sempre foste, aliás, um óptimo ‘olheiro’. Não destes, agora, do Google e da Net, que se sustentam nas técnicas virtuais para tirarem conclusões de relatório, mas daqueles - já extintos - que usavam apenas o olhar (não cibernético) para diferenciar os melhores dos vulgares.

Tu, que estás entre nós para sempre, és uma semente do futebol com paixão.

A paixão que dedicaste ao Sporting, mas acima de tudo a paixão que dedicaste ao futebol na sua dimensão mais pura, quando o dinheiro era apenas um complemento natural do talento e não, como agora, quando o dinheiro aparece ainda antes de se mostrar talento minimamente sustentado.

Sinais dos tempos, com os quais — eu sei —tinhas alguma dificuldade em lidar.

Para ti, era amor, acima de tudo. Era identificação. Era verdade. Lá está, era paixão.

Não me esqueço das tuas entradas pela porta 10-A, com o teu amigo “mui executivo” Rui Jordão, que também recordo com saudade, e com quem aliás desenvolveste algumas das melhores jogadas que vi sobre os relvados e não me esqueço do modo como contribuíste para atenuar o impacto daquele trio de avançados constituído por Marinho, Yazalde e Dinis que marcou uma época no velhinho Estádio de Alvalade, num tempo em que o maliano Salif Keita também fazia vibrar as bancadas como poucos.

Como jogador, tiveste a concorrência (nomeadamente na Seleção Nacional) de grandes vultos do futebol luso como o já referido Jordão, Fernando Gomes e Nené, só para citar três exemplos de jogadores que se destacaram nos clubes dominantes do futebol nacional, e talvez por isso não tenhas atingindo na equipa das quinas a dimensão que fizeste tudo para merecer.

E, por falar de trios, o que dizer das triangulações que fazias com o já citado Jordão e com António Oliveira, os três “reis do instinto”, sendo tu aquele que mais trabalhava para fazer emergir a luz do talento?

Inesquecível.

… Mas sabes, meu querido Manel, aquilo que vai ficar para sempre no meu coração, mesmo considerando alguns excessos leoninos, que também presenciei — contudo genuínos — é a tua dimensão humana.

O Homem que és e sempre foste.

Não gostavas dos profissionais da batotice e tínhamos isso em comum.

Gostavas de rivalidade sadia, respeitavas os adversários, tinhas por isso a simpatia deles, menos as dos crónicos batoteiros.

Convivemos durante anos no mesmo espaço mediático e tive o privilégio de te conhecer até em momentos de lazer.

É isso que fica, meu querido Manel. E é isso que repousa no meu coração. E fica o nosso querido Tiago, a tua extensão, o teu filho, que te considera como Pai mas acima de tudo como maior Amigo.

É isso que fica, meu querido Manel. Tu e o teu legado. O do futebol da essência e da vida no seu estado mais natural.

Obrigado!

Uma nota final para sublinhar a dimensão da dignidade institucional protagonizada pelo Sporting, antes da tua partida. Esta foto que traduz a maior homenagem que se pode ter — receber a taça de campeão nacional das mãos de Varandas (presidente) e do máximo goleador (Gyokeres) quando estamos a fazer trabalho defensivo (hospitalar) — é um sinal de que o humanismo ainda vale e pode vencer no Desporto.

Bem-hajam!

Querido “Manel”, estás aqui! Vais estar sempre aqui!

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