"Na Igreja há espaço para todos, todos, todos": Francisco fala aos jovens e garante-lhes que todos são amados, tal como são

3 ago 2023, 21:54

Cerca de 500 mil jovens acompanharam a cerimónia do Acolhimento, no Parque Eduardo VII. O momento foi sobretudo de festa. O Papa Francisco inspirou sacerdotes e trouxe otimismo aos peregrinos, mostrando "o amor que tem pelas pessoas"

"Chicos y chicas, somos amados tal como somos, sin maquillaje, ¿entiendes esto?" O Papa Francisco dirige-se aos jovens e, como sempre, não se fica pelas palavras escritas no discurso. Interpela os jovens, exige-lhes uma resposta, um "siiiiim" dito em uníssono. "Rapazes e raparigas, somos amados tal como somos, sem maquilhagem, entendem isto? Não vos ouço." E os jovens gritam ainda mais alto.

Francisco tem duas mensagens essenciais para transmitir aos cerca de 500 mil jovens que o ouvem na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em Lisboa: primeiro que cada um deles é amado por Jesus tal como é e, depois, que "na Igreja ninguém está a mais, há espaço para todos". E, mais uma vez, volta a pedir a intervenção dos jovens: "Repitam comigo. Quero que digam na vossa própria língua: todos, todos, todos." "Todos, todos, todos." 

E com este "todos", assim acentuado, deixa claro que não há lugar a discriminações de nenhum tipo - nem mesmo de género ou de orientação sexual - o que não deixa de ser, também, uma mensagem para dentro da Igreja. "Amigos, quero ser claro convosco, que sois alérgicos às falsidades e a palavras vazias: na Igreja há espaço para todos e, quando não houver, por favor façamos com que haja, mesmo para quem erra, para quem cai, para quem sente dificuldade", apelou Francisco no seu primeiro discurso aos jovens da JMJ na cerimónia de Acolhimento, esta tarde, no Parque Eduardo VII. 

O Papa começou por atravessar todo o recinto no "Papamóvel", percorrendo os vários corredores que foram criados por entre a multidão. Com segurança apertada mas deixando sempre espaço para a informalidade de Francisco, que gosta de estar perto das pessoas. A cerimónia, que se previa de festa, cor e inclusividade, começou com as palavras dos jovens, em cartas dirigidas ao Papa e lidas em diversas línguas, onde lhe contavam algumas das suas angústias, dúvidas e tristezas. 

Seguiu-se o cantor Héber Marques, que interpretou o tema, composto de propósito para este evento, "Dia de Sol", ao mesmo tempo que o Parque se enchia das bandeiras de todos os países. A fadista Mariza interpretou "Foi Deus" e Buba Espinho trouxe consigo o Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento para dar voz à melodia tradicional do cancioneiro alentejano “Nossa Senhora do Carmo” - dois momentos desafiantes para quem não fala português, mas de uma grande beleza. Por fim, cantou Tiago Bettencourt.

Só depois de tudo isto, sorrindo, Francisco se dirigiu aos jovens - "Boa tarde. Bem-vindos" - arrancando um enorme aplauso dos jovens.

Tal como Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, já tinha feito na missa de abertura da JMJ, o Papa Francisco fez uma referência ao perigo que pode vir do “mundo virtual” que tanto significado tem para os jovens mas que é apenas uma ilusão: “Quero fazer-te notar uma coisa: muitos, hoje, sabem o teu nome, mas não te chamam pelo nome. Com efeito, o teu nome é conhecido, aparece nas redes sociais, é processado por algoritmos que lhe associam gostos e preferências. Mas tudo isso não interpela a tua singularidade, mas a tua utilidade para pesquisas de mercado. Quantos lobos se escondem por trás de sorrisos de falsa bondade, dizendo que conhecem quem és, mas sem te querer bem, insinuando que creem em ti e prometendo que serás alguém, para depois te deixarem sozinho, quando já não lhes fores útil. São as ilusões do mundo virtual e devemos estar atentos para não nos deixarmos enganar, porque muitas realidades que nos atraem e prometem felicidade mostram se depois pelo que são: coisas vãs, supérfluas, substitutos que deixam o vazio interior."

E depois deste aviso, instou os jovens a serem curiosos, a fazerem muitas perguntas: "A inquietude é o melhor remédio contra a habituação, aquela normalidade rasteira que anestesia a alma", disse.

O Papa fala em espanhol mas é seguro dizer que todos o entendem - uns mais claramente, muitos recorrendo a uma aplicação de telemóvel de tradução simultânea. Um grupo de peregrinos surdos que veio da paróquia de Saint Jude, em Boston, nos EUA, encabeçados pelo padre Jeremy acompanhou a cerimónia com um entusiasmo enorme, com a ajuda da sua intérprete de Língua Gestual, "cantando" Aleluia com as mãos. No final, abraçavam-se, emocionados.

Grupo de peregrinos surdos de Boston

O padre Thomas, da Índia, que veio com 16 peregrinos (dos 3 mil que vieram da Índia para a JMJ), confessa que ficou "muito inspirado" pelas palavras de Francisco e que todos se sentem abençoados por estar aqui, a ver o Papa, pela primeira vez: "Tem sido maravilhoso."

O padre Thomas (à direita), da Índia

O padre Stephen, originário do Gana mas que está a servir no Chile, guardou as palavras do Papa Francisco no seu telemóvel para levá-las até aos jovens da sua paróquia. "Somos chamados como somos, não como a sociedade diz. Esta foi a mensagem mais importante, penso que todos os jovens vão sentir-se identificados", diz este sacerdote que atravessou o Atlântico com mais 18 jovens. "Tem sido tudo muito tocante. Estive dois dias a receber confissões no Parque do Perdão e foi extraordinário, havia filas enormes, e as pessoas estavam muito emocionadas, muitas choravam durante a confissão. Foi uma experiência que jamais esquecerei."

O padre Stephen (à direita) é do Gana mas está a servir no Chile

Hwang, uma jovem sul-coreana que mal sabe falar inglês, foi uma das que acompanharam a cerimónia com a aplicação de tradução simultânea. Que a língua não seja barreira para a linguagem do amor, afinal, diz, essa foi a maior mensagem que tirou das palavras do Papa: "É visível o amor dele pelas pessoas".

Hwang (à direita) veio da Coreia do Sul

"Deus nos ama", disse o Papa, pedindo a todos que repetissem, "mais forte" e ainda mais alto. O desejo de Francisco é que estes "sejam dias para fixar no coração que somos amados tal como somos. Este é o ponto de partida da JMJ, mas sobretudo da vida". Os jovens dizem que entenderam a mensagem e prometem voltar amanhã ao Parque Eduardo VII para um momento mais introspectivo, a Via Sacra. Mas, até lá, "há festa no ar". 

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