O que querem os jovens da Igreja? Mais do que dizer ámen, "querem ser reconhecidos"

3 ago 2023, 07:00
Jornada Mundial da Juventude - JMJ Lisboa (Associated Press)

Há cada vez mais jovens que se afastam da Igreja. O que é preciso para os reaproximar? A comunicação é importante, mas tem de ser verdadeira e transparente. Além disso, os jovens querem não só ser ouvidos como ser parte ativa. São eles que o dizem. E também é por isso que estão em Lisboa: na JMJ constrói-se Igreja

"Precisamos de um despertar, todos, mas sobretudo os jovens." Rosalía e Maria Gutierrez vieram da diocese de Fort Wayne-South Bend, no Indiana, EUA, para participar na Jornada Mundial da Juventude (JMJ). As duas irmãs pertencem a uma comunidade hispânica, católica, e para elas, que sempre viveram na fé, não há lugar a dúvidas. "Mas vemos os jovens à nossa volta cada vez mais perdidos. Não têm objetivos, não acreditam em nada. Isso pode ser muito assustador. Porque não sabem o que esperar, não têm onde se agarrar. Parece que os jovens não percebem a mensagem de Jesus ou têm medo dessa mensagem", diz Maria, resumindo, em poucas palavras, uma das grandes angústias da Igreja contemporânea: o que fazer para que os jovens se aproximem da Igreja? Ou para que não se afastem, como tantas vezes acontece, à medida que crescem?

Essa é a pergunta para um milhão de euros. "Se soubéssemos a resposta não teria de estar aqui", afirma a sorridente Rocío Miralles, missionária espanhola da comunidade Fe y Vida, que esta quarta-feira conseguiu encher o pequeno auditório da Igreja de São João de Deus, em Lisboa, para falar disso mesmo, de como se poderá evangelizar as gerações mais novas - os chamados 'millenials' e a geração Z. "Achei que não viria ninguém", admite à CNN Portugal, no final das duas horas de palestra. "A meio da tarde e com tantas coisas que poderiam fazer, fiquei muito feliz por estes jovens terem vindo e, mais do que isso, por se interessarem, intervirem, quererem saber. É muito importante falar pessoalmente com os jovens, é isso que estamos aqui a fazer." "Mantém-te em contacto com os outros" é o lema desta comunidade ecuménica da Cantábria.

Rosália e Maria Gutierrez vieram dos EUA à JMJ

Os 'millenials' (nascidos entre 1981 e 1993) são geralmente inconformistas e autodidatas - são pessoas que não gostam de receber ordens, que lhes digam como fazer. Outra das características dos 'millenials' é que evitam os compromissos e fogem da rotina. "Querem ser livres e sonhar, abrir os seus horizontes." Por isso, antes de mais, defende Rocío Miralles, "a Igreja tem conhecer as pessoas que tem à sua frente, saber quem são e escutá-las". Na sua opinião, a fé não pode ser "impositiva". "A abordagem tem de partir da vida de cada pessoa, daquilo que ela é naquele momento. Não adianta querer que todos partam do mesmo sítio, se estamos em sítio diferentes." 

Já a geração Z (nascidos entre 1994 e 2010) é conhecida por ser impaciente, 'multitask' (fazer várias coisas ao mesmo tempo), independente e com um tempo de atenção muito curto. É a geração que já cresceu com a Internet. "Para eles tudo está ao alcance de um clique, por isso reagem mal a tudo o que lhes custa tempo, dinheiro, energia. Este é um grande desafio para a evangelização", admite Rocío Miralles.

Para estes jovens a comunicação é muito importante e por isso a Igreja tem de aprender a comunicar com eles - tem de aprender a sua linguagem e usar os seus meios, as redes sociais (o Instagram, o Facebook, o TikTok, o Twitter, etc.). "Mas é importante que as redes sociais não se convertam na sua vida real, que haja uma vida verdadeira para além da vida virtual. Estes meios permitem manter o contacto mas não podem ser o contacto real." Rocío Miralles exemplifica: a Igreja deve usar as redes sociais para marcar encontros, atividades, chamar os jovens para o contacto real.

Além disso, os jovens da geração Z, mais do que serem ouvidos, querem fazer parte, querem ser parte ativa de uma comunidade. "A Igreja deve reconhecer os talentos de cada um e dar-lhes protagonismo. Os jovens querem ser reconhecidos", explica a missionária, querem "uma Igreja mais horizontal e menos piramidal".

Os jovens que a ouviam concordaram. Vários dos que levantaram o braço para falar referiram isso mesmo: a importância de terem encontrado grupos pequenos, em paróquias ou congregações, onde se sentem ouvidos, onde a sua opinião conta, onde podem participar e não apenas ficar no banco da Igreja e dizer "ámen". Também falaram da importância de encontrar outros jovens, de estarem entre iguais, de se sentirem aceites e integrados. 

Finalmente, os mais novos são "consumidores exigentes", ou seja, aderem a causas (sejam elas sociais, políticas ou ecológicas, por exemplo) e querem que a sua Igreja também assuma esse compromisso: "São exigentes com a hierarquia, com quem tem o poder. E reclamam quando as promessas não são cumpridas ou quando são enganados. Exigem uma responsabilização."

Rocío Miralles, missionária espanhola na JMJ

No essencial, Rocío Miralles considera que a regra de ouro - e que serve tanto para falar com os jovens como com os menos jovens - é: "primeiro que tudo, sê verdadeiro". Verdade e transparência são duas palavras que usa muito. "Para seres atrativo tens de ser tu mesmo. Tens de ser verdadeiro contigo mesmo e com os outros. Da mesma forma, a Igreja também tem de se mostrar como é, com as suas coisas boas e coisas más, sem medo de pedir perdão pelos erros, afinal, somos uma comunidade de pecadores", diz a missionária. E admite que com isto também se está a referir ao problema dos abusos sexuais dentro da Igreja Católica: "Uma das coisas que aprendi nesta comunidade é que temos de falar de tudo, do bom e do mau. Esta é a tua Igreja, esta é a tua família, temos de saber o que fizemos antes e o que fazemos agora. Temos de reconhecer os problemas porque se não não os poderemos resolver."

Rocío Miralles diz estas palavras a poucos metros da Alameda Afonso Dom Henriques onde, na noite anterior, um grupo de ativistas colocou um enorme placard lembrando as 4.800 vítimas de abuso sexual no seio da Igreja Católica Portuguesa - um memorial que surgiu "como reação ao 'silêncio ensurdecedor' da Igreja perante o número de vítimas de abusos sexuais, sobretudo numa altura em que o país acolhe a JMJ", explicaram no seu manifesto.

À tarde, o Papa Francisco referiu o tema pela primeira vez na sua visita a Portugal, na homilia das Vésperas (oração ao entardecer) com bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas, seminaristas e agentes pastorais, no Mosteiro dos Jerónimos. Francisco admitiu existir uma “indiferença para com Deus” e “um progressivo afastamento da prática da fé” nos “países de antiga tradição cristã, atravessados por muitas mudanças sociais e culturais e cada vez mais marcados pelo secularismo”. “Isto acentua-se pela desilusão e pela raiva que alguns nutrem face à Igreja, devido às vezes ao nosso mau testemunho e aos escândalos que desfiguraram o seu rosto e que nos chamam a uma purificação humilde e constante, partindo do grito de sofrimento das vítimas que sempre se devem acolher e escutar”, disse. 

Aos presentes, numa intervenção em espanhol, Francisco alertou que o risco, face a estes acontecimentos, é cair na “resignação e pessimismo”, pedindo para que enfrentem “as situações pastorais e espirituais”, e dialoguem “com abertura de coração para experimentar novos caminhos a seguir”. “Sonhamos a Igreja portuguesa como um porto seguro, para quem enfrenta as travessias, os naufrágios e as tempestades da vida”, afirmou o Papa. Falava precisamente para os evangelizadores. Para aqueles que têm como principal missão transportar a palavra de Deus e chegar aos mais jovens.

Jovens reunidos numa missa, em inglês, num jardim de Lisboa

"É verdade que houve uma certa desilusão, porque confiámos na Igreja. Mas não podemos confundir estas pessoas, que cometeram erros, com a nossa fé em algo que é muito maior. Afinal, as pessoas são imperfeitas, mas Deus não", argumenta John, australiano de 19 anos, que atravessou literalmente o mundo para vir à Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. A seu lado, na missa em inglês que acontece ao final da manhã num jardim em Benfica, Marion, também australiana, concorda e não acredita que os jovens se tenham afastado da Igreja por causa das notícias que nos últimos anos foram surgindo sobre os abusos sexuais cometidos por elementos do clero. "Não sei porque se afastam, pensam que é algo aborrecido, querem fazer outras coisas."

"O que é que já vos disseram sobre pertencerem a uma comunidade religiosa?", pergunta Rocío Miralles à plateia de jovens: que é uma seca, que é uma chatice, que não se divertem. À medida que vão enumerando os "insultos" os jovens riem-se. "Isso é verdade?", "Nããããão", respondem em coro. "Nós sabemos que não é verdade, então porque é que os outros não sabem? Temos de mostrar-lhes o que estão a perder. Todos somos Igreja e todos somos missionários, todos temos essa responsabilidade de falar com os outros."

No entanto, uma regra importante é "não encarar isto como uma competição", aconselha. "Tens de estar bem, ser verdadeiro, não enganar, comunicar - no sentido de estabelecer uma relação verdadeira com os outros, interessar-se por eles, acolhê-los, ouvi-los - e esperar que eles percebam que podem estar aqui em comunidade e queiram juntar-se". "A Jesus seguiu-o quem quis seguir, os outros continuaram o seu caminho, ele não impôs nada", explica Rocío Mirelles.

Também é para isso que serve esta Jornada Mundial da Juventude. "É uma boa experiência, para se ver que a Igreja Católica não é só feita de pessoas mais velhas e antiquadas. A Igreja não está a morrer. Ainda há muitos jovens que são cristãos, nos dias de hoje, que têm a sua fé", dizia a austríaca Hemma. "Percebemos que não estamos sozinhos. Porque no dia a dia não é assim tão fácil, na escola não há muitas pessoas a admitirem que acreditam em Deus. E é bom ver esta alegria toda e levá-la para o nosso país, para as nossas paróquias."

"É muito bom vermos tantos jovens juntos, vindos de países tão diferentes, com culturas tão diferentes", confirma a norte-americana Rosalía. "As pessoas ajudam-se umas às outras. E conseguem comunicar, mesmo falando línguas diferentes. Por exemplo, ontem [na terça-feira], na missa, não era preciso entender tudo. Quando rezámos o Pai Nosso, cada um rezou na sua língua e é indiferente. É uma energia muito boa que podemos levar para as nossas comunidades, contar às outras pessoas como foi bom. Talvez queiram juntar-se a nós da próxima vez."

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