Colchões no chão, poucos chuveiros e falta de fichas para carregar os telemóveis. Ser peregrino não é fácil, mas apesar de tudo eles cantam

1 ago 2023, 00:33

A Escola Secundária do Lumiar vai receber mais de mil participantes na JMJ. As salas de aulas foram transformadas em camaratas e no Pavilhão Desportivo já nem há espaço para circular. Mas ao primeiro dia a animação ainda é grande

"Conheces o Cristiano Ronaldo?" David tem 15 anos e vem de Carinthia, na Áustria. Está em Portugal para participar na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e para estar com o Papa Francisco, mas o que ele gostava mesmo era de conhecer o melhor jogador português. São quase nove da noite e, para já, está deitado em cima de um colchão, a petiscar aperitivos e a conversar com os amigos numa sala de aula da Escola Secundária do Lumiar transformada em camarata.

Este grupo é composto por onze jovens, com idades entre os 15 e o 26 anos. Chegaram a Portugal no domingo, de avião, depois de um ano a poupar para a viagem. "Vendemos muitas bolachas e muitos bolos, muitos mesmo, para conseguir estar aqui", diz Hemma, a mais faladora do grupo. Hoje foram passear e foram à praia em Santo Amaro de Oeiras. "A praia é bonita mas a água é muito fria", queixa-se uma das raparigas. Amanhã têm um encontro com outros austríacos. O que esperam desta semana? "Divertirmo-nos. Conhecer outras pessoas. Dançar." "Este grupo adora dançar", explica Hemma. Não em discotecas, nada disso. Mas na rua, num qualquer palco improvisado. Têm coreografias e dançam tanto música pop como ritmos tradicionais. "Até agora está a ser bom", diz David. Está a ser uma viagem de amigos. E têm a sorte de poderem dormir todos juntos e ter um "quarto" só para si.

A Escola Secundária do Lumiar, em Lisboa, vai receber esta semana "cerca" de 1050 participantes da JMJ, explica a professora Elisa à CNN Portugal. Os números ainda são incertos. Os jovens têm estado a chegar nos últimos dois dias e ainda vão continuar a chegar ao longo de terça-feira, dependendo dos horários dos autocarros e dos aviões. Chegam de mochilas às costas, empurrando os troleys, carregados com sacos-cama e colchonetes, empunhando as bandeiras dos seus países e geralmente a cantar. Juntam-se à entrada para receber os 'kits de peregrino" e as instruções dos voluntários, que se distinguem no meio da multidão pelas suas garridas blusas amarelas. Depois, são encaminhados para os seus "quartos". Rapazes para um lado, raparigas para outro (com algumas exceções, como aquele grupo da Áustria), mais novos separados dos mais velhos. "Foi decidido assim porque em algumas culturas isso poderia um problema", explica Margarida, uma das coordenadoras dos voluntários. 

No Pavilhão Desportivo, onde ficam quase todas as raparigas, já quase não há espaço no chão para circular quanto mais para estender o colchão. No entanto, são dez da noite e continuam a chegar peregrinos. "Onde vamos ficar?", interroga-se um grupo de jovens húngaras. São centenas de colchões mais ou menos alinhados uns ao lado dos outros, uma manta de retalhos colorida feita de malas, roupas e sapatos espalhados, cabos elétricos e fichas triplas onde se carregam à vez os telemóveis (ups, parece que vamos ter aqui um problema porque não há fichas para todos e as raparigas já começaram a perceber isso). Sente-se um certo calor, um ar abafado típico de um espaço cheio de gente. Duas raparigas tiveram uma ideia: "Podemos dormir na bancada?" Logo outras as seguiram. "Com jeitinho cabem todas", comenta um dos voluntários. "Muitos destes jovens são escuteiros, estão habituados a isto."

No pavilhão desportivo vão dormir cerca de 500 raparigas

"A única coisa que nos pediram foi um espaço para dormir. Eles trazem os seus próprios colchões", explica a professora Elisa. Os voluntários fotografaram as salas antes de afastarem as mesas e as cadeiras, para depois saberem como as voltar a arrumar. No Pavilhão Desportivo, foi necessário colocar uma cobertura para não danificar o chão onde ainda há umas semanas os alunos da Secundária jogavam basquetebol e voleibol. Cada bloco tem os seus sanitários, mas os chuveiros ficam todos no pavilhão desportivo - e são apenas 20 (ups, parece que vamos ter aqui outro problema). Antevê-se uma manhã caótica. Alguns jovens optam por tomar banho já esta noite, as toalhas vão ficando estendidas em cima de cadeiras, no corrimão, até nas balizas do pavilhão. 

O pequeno-almoço é das 7:00 às 9:00 na cantina. A refeição é volante, cada peregrino tem direito a uma sandes, uma peça de fruta, um iogurte ou um pacote de leite. Alguns grupos juntam-se em oração antes de sair para as atividades do dia. A ideia é que a escola fique vazia durante toda a tarde, para que se proceda à limpeza.

Muitos dos jovens já foram ao supermercado, compraram garrafões de água, sumos, bolachas, batatas fritas. Um grupo de 13 peregrinos da diocese de São Hipólito, na Áustria, foi buscar pizzas e juntou-se nos bancos de pedra do recreio a jantar em modo pic-nic. O irmão Elias Krexnerosb explica que chegaram esta segunda-feira em Lisboa, mas antes estiveram na Madeira, no evento Dias das Dioceses, e conseguiram visitar o túmulo do último imperador da Áustria, Carlos de Habsburgo. Durante a semana planeiam ir a Fátima, uma vez que existe na sua região um importante culto a Nossa Senhora de Fátima. "E queremos participar na jornada, rezar com o Papa e sentir este espírito de união entre os jovens", diz.

O irmão Elias Krexneros e alguns elementos do seu grupo estão a jantar pizzas no recreio da escola

"Alguns de nós já estiveram com o Papa Francisco. Fomos a Roma há quatro anos. Fomos à oração das quartas-feiras e estávamos mesmo à entrada, então quando ele passou por nós cumprimentou-nos. Alguns até lhe apertaram a mão", conta Hemma. Mas a JMJ é diferente. Tem esta emoção de estar com milhares de jovens, de partilhar com os outros este momento. "É uma boa experiência, para se ver a Igreja Católica não é só feita de pessoas mais velhas e antiquadas. A Igreja não está a morrer. Ainda há muitos jovens que são cristãos, nos dias de hoje, que têm a sua fé. Percebemos que não estamos sozinhos. Porque no dia-a-dia não é assim tão fácil, na escola não há muitas pessoas a admitirem que acreditam em Deus. E é bom ver esta alegria toda e levá-la para o nosso país, para as nossas paróquias."

No total a Junta de Freguesia do Lumiar vai receber mais de 14 mil participantes da JMJ de cerca de 50 nacionalidades, confirma o presidente da Junta, Ricardo Mexia. Além da Escola Secundária, há peregrinos em duas escolas básicas e no jardim de infância. "E também vamos acolher alguns eventos ao longo da semana em espaços verdes e outros espaços públicos", diz. Por causa da JMJ, foi preciso reorganizar a escala de férias dos funcionários da junta, assegurar a limpeza e a recolha do lixo. Além disso, a junta é também responsável por alguns dos consumíveis das escolas - como detergentes e papel higiénico.

João Silva, o coordenador dos 34 funcionários do Lumiar, não parou o dia inteiro. A resolver problemas, a apagar fogos. Tem 22 anos e terminou agora mesmo a licenciatura em publicidade e marketing, mas, por causa da JMJ, está de volta às escolas onde fez grande parte do seu ensino. "Vai ser uma semana muito intensa mas acho que se nos organizarmos também vamos poder nós viver a jornada", diz, esperançado. 

Isto vai melhorar, claro. Por ser o primeiro dia, os jovens têm muitas dúvidas e muitas perguntas. Como funciona a aplicação que lhes permite ter acesso às refeições? Onde fica o McDonalds? Como podem ir ao aeroporto buscar uma mala que ficou perdida? Alguém tem um mapa em papel da cidade de Lisboa para que se possam orientar? Há uma rapariga que se está a sentir doente. A tudo os voluntários tentam responder com calma e no seu melhor inglês - a língua franca da JMJ.

À medida que anoitece, a escola parece acalmar. Um grupo de rapazes foi jogar à bola para o campo, apesar de não ter luz. Está uma bela noite de verão, quase sem vento. Pequenos grupos juntam-se em volta das mesas, outros perto das lâmpadas, a conversar. Alguns põem música. Outros cantam (parece que há sempre alguém a cantar entre os participantes da JMJ). Entre as 23:00 e a meia-noite é hora de começar a fazer silêncio. O portão da escola fecha às 2.00. Ou, pelo menos, é assim que deseja António Santos, o chefe da secretaria da escola que se ofereceu para trabalhar durante toda a semana e ficar responsável pelo portão. "Esta noite vamos dar tolerância porque ainda há muita gente a chegar", diz. "Tenho ali um colchão e também quero dormir um bocadinho."

Um grupo de jovens perfumados prepara-se para sair às 22:30. Onde vão? "Vamos explorar." Estão no Lumiar, não hão de ir longe. 

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