Mark Bakacs, fundador da rede social Ideapod, uma presença assídua em convenções e conferências sobre o universo das criptomoedas, foi detido em Lisboa no final de 2022. O processo está neste momento em julgamento e, no centro, está uma nova moeda que nunca existiu
Mark Bakacs era apaixonado pelo requinte e as autoridades portugueses perceberam isso quando analisaram os movimentos bancários do empresário australiano, um dos fundadores da rede social Ideapod - a ‘aposta’ do magnata Richard Branson para rivalizar com o Twitter e com o Facebook. Durante três meses, em Lisboa, gastou 424.848,41 euros em relógios, malas e móveis de luxo, mas também em alfaiates, sapatos, hotéis, restaurantes e serviços de beleza. Foram essas compras que, no final, adensaram as suspeitas sobre o homem que se apresentava aos seus investidores como um guru das criptomoedas, e que acabou preso e julgado em Portugal por crimes de branqueamento e de falsificação de documentos, segundo documentos judiciais obtidos pela CNN Portugal.
A detenção ocorreu em dezembro de 2022, o julgamento está a decorrer neste momento no Tribunal Central Criminal de Lisboa e tudo começou depois de uma operação da Polícia Judiciária, com recurso a escutas e a vigilância de negócios no universo das criptomoeadas. Segundo a acusação do Ministério Público, as autoridades descobriram que Mark Bakacs aproveitou-se da reputação que gozava no meio para “ludibriar” um milionário inglês, cavaleiro da Ordem do Império Britânico, e levar esse milionário a dar-lhe um milhão de dólares (800 mil euros) para uma nova moeda virtual que, na verdade, nunca chegou a receber.
Próximo da norte-americana Ghislaine Maxwell, condenada a 20 anos de prisão por participar no esquema de tráfico sexual concebido por Jeffrey Epstein, foi mesmo na casa da socialite em Nova Iorque que Mark Bakacs deu a festa de lançamento do Ideapod, em 2013. A ideia era conceber uma nova rede social que desse “espaço para as pessoas trocarem ideias umas com as outras”, como descreveu Richard Branson, o multimilionário dono do grupo Virgin e um dos homens mais ricos do mundo. Só Branson, segundo foi reportado na altura, ajudou a arrecadar três milhões de dólares para a rede que Bakacs lançou, juntamente com Justin Brown.
Depois de lançar esse projeto, Mark Bakacs viu no emergente negócio das criptomoedas uma oportunidade para enriquecer. Foi um dos primeiros a aderir à moda da Bitcoin, logo em 2013 e, segundo o próprio anunciou em conferências, entrevistas e em publicações no Linkedin, foi também um dos pioneiros na comercialização do Ethereum, uma moeda digital aliada a uma plataforma financeira descentralizada que, em oito anos, valorizou 25.368% desde a sua origem.
Manteve-se nesse universo, fundou inclusive uma outra empresa chamada Venture One e, mais tarde, em 2021, mudou-se para Lisboa, com o intuito de criar a Elleven Exchange, uma plataforma que prometia emitir uma nova moeda virtual no ecossistema cripto. A oportunidade atraiu um velho amigo italiano que conheceu na Austrália chamado Radomir Kobryn-Coletti, um marketeer e ex-assessor político de Queensland. Os dois arrendaram um primeiro andar na Rua da Emenda, em Lisboa, e foi lá que começaram a desenvolver a ideia.
Mas para isso precisavam de financiamento, muito financiamento. Então, Mark desenvolveu um plano: encontrar alguém que estivesse disposto a investir uma grande quantidade dinheiro na empresa em troca de, mais tarde, faseadamente, vir a receber grandes quantias da moeda virtual que estavam a desenvolver. Foi nesse momento que Radomir Kobryn-Coletti disse a Mark Bakacs que conhecia alguém que talvez pudesse estar interessado: o britânico Scott Nathan Fletcher, um dos empresários mais influentes de Manchester que construiu um império de consultoria digital avaliado em mais de 50 milhões de libras (cerca de 58 milhões de euros).
Scott Fletcher, que foi inclusive agraciado pela coroa britânica com o título de cavaleiro da Ordem do Império, viria a encontrar-se com Mark Bakacs. “Nessa ocasião”, escreve o Ministério Público, o empresário australiano “apresentou-se como uma figura conhecida e reputada no meio dos investimentos em tecnologia, designadamente na área das criptomoedas” e tentou causar “uma impressão séria e fiável, não só quanto à sua pessoa, mas também relativamente à plataforma” que estava a criar.
Os dois conversaram durante vários dias e acabaram por negociar uma troca: segundo o Ministério Público, a empresa de Mark Bakacs, a Elleven Exchange, “emitiria um instrumento financeiro atípico”, que permitiria a Scott Fletcher o acesso à subscrição de dois milhões e 300 mil criptomoedas” em troca do pagamento por parte do empresário britânico de um milhão de dólares.
Algumas semanas depois, o dinheiro viria a cair na conta de Mark Bakacs. No dia 08/09/2021, Scott Fletcher deu ordem para que o seu gestor de conta, na Suíça, transferisse um milhão de dólares para a conta do empresário australiano no Millenium BCP. Mas, como sublinha o Ministério Público, “contrariamente ao que havia sido transmitido, o arguido nunca transferiu essa quantia para a conta da Elleven Exchange”.
Aliás, no próprio dia da transferência, o Millenium BCP começou a suspeitar do movimento tão repentino na conta de Bakacks e pediu-lhe que justificasse o acrescento daquelas centenas de milhares de euros. Em resposta, por escrito, o empresário entregou ao banco um contrato aparentemente firmado com Scott Fletcher, mas em tudo diferente daquele que tinha sido assinado originalmente com o britânico. Nesse documento, lia-se que Fletcher tinha comprado uma carteira composta por pouco mais de 19 bitcoins a Bakacks em troca de 840 mil euros.
O contrato da venda de Bitcoins foi suficiente para que o banco descongelasse a conta do empresário australiano e nada fazia crer que fosse forjado, já que a assinatura do milionário britânico estava lá expressa. Mas após Scott Fletcher ter avançado com uma queixa-crime por não ter recebido qualquer criptomoeda produzida pela Elleven Exchange, as autoridades descobriram como tinha passado pelo crivo do banco: “Copiou, de modo digital, a assinatura” no contrato original e utilizou-a para falsificar um novo contrato - que entregou ao banco - e que nunca foi celebrado entre os dois, segundo refere a acusação do Ministério Público.
De acordo com o documento a que a CNN Portugal teve acesso, rapidamente, Bakacs desfez-se de grande parte do dinheiro. Em três meses, gastou 424.848,41 euros que “consistiram em transferências nacionais e ordens de pagamento internacionais e compras de diversos artigos de luxo, hotéis, restaurantes e serviços de beleza, com a finalidade de dispersar os valores recebidos de modo fraudulento e de dissimular a origem ilícita dos fundos”, lê-se na acusação.
Ao longo da investigação, a Polícia Judiciária intercetou várias conversas e fez buscas à casa onde Bakacs habitava em Lisboa. Lá, apreenderam-lhe cerca de 50 objetos, entre eles um saco de plástico guardado na gaveta da mesa de cabeceira com 640 gramas de Ketamina.
Interrogado pela Polícia Judiciária, em dezembro de 2022, Mark Bakacs explicou às autoridades que “não se lembrava do nome” da criptomoeda que vendeu a Scott Fletcher, mas que a mesma iria ser lançada “atendendo às condições do mercado”. Só não o tinha feito, garantiu, “porque Scott Fletcher apresentou uma queixa-crime contra si”. O processo continua em julgamento, esperando-se uma nova sessão no dia 20 de maio.