Este é, oficialmente, o primeiro dia da Jornada Mundial da Juventude. A missa no Parque Eduardo VII começa às 19:00. Antes disso, os jovens invadiram a Baixa lisboeta. Sentam-se à sombra e conversam. E procuram - quase desesperadamente - um lugar para comer
Filas e muito calor. É o primeiro dia da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e Lisboa parece ter sido invadida por grupos de jovens de chapéu na cabeça que procuram desesperadamente um sítio para comer.
No Terreiro do Paço, os peregrinos espraiam-se pelas arcadas, à sombra, sentindo a pedra fria do chão nas pernas. Há um grupo colombiano a atuar no palco ali montado. Alguns jovens sabem as canções de cor. São canções que falam de Jesus e de Maria e da paz no mundo. Os jovens têm chapéus brancos na cabeça, os chapéus que vinham incluídos no 'kit do peregrino' e levantam os braços no ar a acompanhar a música. Está um calor abrasador. Quem se lembraria de fazer concertos numa praça de cimento às três da tarde?
A esta hora, todos procuram as sombras. Há grupos sentados na calçada ao longo de toda a rua Augusta, encostados aos prédios e às montras das lojas para melhor aproveitar a sombra. Comem, conversam, cantam, jogas às cartas, simplesmente descansam. A igreja de São Nicolau está cheia, coisa rara para uma tarde terça-feira. Um grupo grande de americanos vindos do Indiana, com camisolas cor-de-rosa, entrou para rezar. Outros sentam-se só nos bancos a aproveitar o fresco. O silêncio contrasta com a agitação lá fora.
A esplanada do Continental Snack está vazia. O empregado, de camisa azul clara, segura a ementa mas não há turistas para convidar a sentar-se. Entre os pratos do dia há pescada frita com arroz de tomate e costoletas de porco à salsicheiro. Mas o restaurante não aderiu ao "menu peregrino", que distribui refeições gratuitas aos peregrinos inscritos, por isso não tem uma fila enorme como a Pastelaria Nené, que fica mesmo em frente e serve pregos, francesinhas e bifanas. Xavier, Afonso e os três Franciscos estão há mais de uma hora à espera, mas, se tudo correr bem, não devem demorar muito mais. Felizmente, têm um chapéu-de-chuva com o logótipo da JMJ para se protegerem do sol. "Isto também faz parte da experiência", comenta Afonso, de 15 anos. "Até está mais calmo do que eu imaginava, mas acho que é aquela acalmia antes da tempestade", prevê Xavier, de 21 anos, o responsável por este grupo, que pertence ao Xenon, um clube juvenil de rapazes católicos. "Acho que na quinta-feira, quando o Papa chegar, vão estar ainda mais pessoas."
As irmãs Giselle e Gabrielle não têm chapéu-de-chuva mas têm uma enorme bandeira do Brasil a fazer-lhes sombra, enquanto esperam na fila para almoçar. Vieram de Minas Gerais com a mãe, os filhos e os sobrinhos, de propósito para participar na JMJ. "Eu estive na jornada do Rio de Janeiro e foi uma experiência fantástica. Queria muito trazer o resto da família para passar esta mensagem de amor e para lhes mostrar que há muitos jovens que partilham os valores católicos", diz Giselle. Só chegaram ontem a Lisboa, estão instaladas num Airbnb perto do Parque Eduardo VII e estão super-entusiasmadas. "Mas se houver filas assim todos os dias vamos acabar por perder alguns dos eventos", lamentam.
Nem todas as filas são para comer. Também há pequenas filas para encher as garrafas de água. E uma fila enorme para entrar na igreja de São Domingos. Porquê? "Porque vai haver uma missa agora e porque é uma igreja muito antiga, não é?", certifica-se John, um dos responsáveis pelo grupo de salesianos de blusas azuis que vieram de Hong Kong e Macau e agora estão parados mesmo à frente da Ginjinha do Rossio. John tem 39 anos e é seminarista há 13 anos. Daqui a dois anos espera vir a ser padre. "Para nós é uma grande felicidade estar aqui", diz, com um enorme sorriso. Mesmo que haja alguns "desafios", como ele lhes chama. Um desafio é a comida, que é tão diferente. Outro desafio são os banhos. O grupo está instalado num colégio salesiano em Lisboa e os chuveiros foram montados no campo desportivo. "São filas de chuveiro ao ar livre, a água é fria e temos de usar o fato de banho porque são para rapazes e raparigas", diz. Nada que os faça desanimar. "É mesmo assim."
Subimos a avenida da Liberdade. Sem carros. Grupos de jovens de blusas coloridas também sobem, empunhando as suas bandeiras. Todos os caminhos vão dar ao Parque Eduardo VII onde, às 19.00, Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, preside à Missa de Abertura da JMJ. Antes disso, o palco é ocupado por artistas vindos de todo o mundo. Há ecrãs gigantes ao longo da avenida, para aqueles que não conseguirem chegar mais perto (talvez aconteça nos eventos com a presença do Papa). Felizmente, na avenida há árvores e muita sombra que tornam a caminhada menos dolorosa. A meio, um controlo de segurança. É preciso abrir as mochilas. A partir daí, o recinto está delimitado por um gradeamento e só é possível aceder nas entradas com segurança.
Os grupos de jovens vão chegando ao parque a cantar. Trocam-se cumprimentos. Argentinos falam com sul-coreanos, há abraços entre espanhóis e canadianos. Ainda se procuram as sombras. É preciso esperar um pouco mais para que a temperatura desça. Há jovens empoleirados nos morros de relva e, aos poucos, começam também a ocupar o relvado central - com os seus labirintos muito bonitos mas pouco práticos. Um grupo de espanholas chega, cheias de energia e a gritar: "Esta é a juventude do Papa." O parque está cada vez mais cheio, junto ao palco já quase não há espaço. "Isto é quase como um festival de música", comenta um rapaz. Quase. E está quase a começar.