Iiniciativa parte de um movimento designado This is Our Memorial, que critica a postura da Igreja Católica portuguesa e dos responsáveis políticos em relação à investigação sobre os abusos sexuais na Igreja
"Mais de 4.800 crianças abusadas pela Igreja Católica em Portugal": é esta a frase que se pode ler em três cartazes que estão dispersos pelo distrito de Lisboa, que esta quarta-feira recebe o Papa Francisco no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Cada um dos cartazes está preenchido com 4.815 pontos vermelhos, que representam cada uma das vítimas de abusos sexuais na Igreja em Portugal, de acordo com as conclusões do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.
Os cartazes foram colocados durante a madrugada desta quarta-feira nos três concelhos que vão receber os eventos da JMJ: em Loures, junto ao tribunal; em Lisboa, na Alameda, junto à estação de metro; em Oeiras, junto à estação de comboios, por baixo do viaduto.
A iniciativa parte de um movimento designado This is Our Memorial, que critica a postura da Igreja Católica portuguesa e dos responsáveis políticos em relação à investigação sobre os abusos sexuais na Igreja. O relatório da investigação, levada a cabo por aquela comissão, concluiu que pelo menos 4.815 pessoas foram vítimas de abusos sexuais na Igreja.
O movimento critica o silêncio da Igreja Católica e dos responsáveis políticos desde então, lamentando que nesta altura - em que o país acolhe um evento religioso desta dimensão - a Igreja pareça estar a "fingir que este relatório não existe". "Em março anunciam um memorial que seria erguido durante o evento, em Belém, mas em julho dizem que, afinal, já não há memorial. As declarações públicas de elementos envolvidos na organização da JMJ, e até do Presidente da República, vão desde a minimização das vítimas até ao assumir do 'desconforto' com a ideia de um memorial. Houve pessoas denunciadas neste relatório cuja ligação à ICAR foi suspensa pela igreja e que, entretanto, já retomaram as suas funções", pode ler-se no site oficial do movimento.
O grupo por trás do movimento, que começou no X (ex-Twitter), identifica-se como "um grupo de cidadãos com diversos credos que não quer se esqueçam dos abusos na Igreja Católica portuguesa".
A ideia surgiu naquela rede social como reação ao "silêncio ensurdecedor" da Igreja perante o número de vítimas de abusos sexuais, sobretudo numa altura em que o país acolhe a JMJ. Da reação logo se passou à ação, quando um utilizador do X sugeriu a criação de um cartaz para "dar voz às vítimas", financiado numa campanha de crowdfunding.
O financiamento necessário para a criação de um só cartaz "foi atingido em três horas e, na manhã seguinte, duplicou-se o valor inicial, permitindo a impressão de mais dois cartazes", explica o grupo, que optou por não falar individualmente à comunicação social precisamente para dar visibilidade às vítimas de abusos sexuais.
"Não nos escondemos mas também não queremos aparecer. O foco deve estar em dar voz às vítimas, as caras a aparecer devem ser as dos responsáveis pela instituição que permitiu que este tipo de abuso fosse estrutural e, até ao momento, impune", escrevem no site.
Câmara de Oeiras manda retirar cartaz em Algés. Grupo não foi informado
Já durante a tarde desta quarta-feira, os elementos do movimento ficaram surpreendidos ao verem que um dos três cartazes, instalado em Algés, tinha sido removido.
A informação foi divulgada por um dos membros do movimento, numa publicação na sua conta particular na rede social X (ex-Twitter), na qual descreve o sucedido como uma "censura".
Censura em Algés, após quase 50 anos do 25 de abril.
Luto pela liberdade de expressão das +4800 vítimas, por um memorial que erguemos para que ninguém se esqueça delas. Não esquecemos.#JMJ #WYD pic.twitter.com/hfO6ATA9Wt
— Telma Tavares (@tarantelma) August 2, 2023
O grupo adiantou à CNN Portugal que não foi informado da retirada do cartaz. "Nem nós nem a empresa proprietária do suporte onde o cartaz foi afixado fomos notificados. Também não recebemos qualquer indicação sobre a remoção de qualquer canal oficial do município em questão", indicam, em resposta escrita.
O gabinete de Isaltino Morais justificou entretanto a decisão, alegando que o respetivo cartaz se enquadra na categoria de "publicidade ilegal".
"No Município de Oeiras toda a publicidade ilegal é retirada, neste e em todos os casos", justificou a autarquia, citada pela agência Lusa.