Risco de pobreza subiu em 2023 e afetou mais 60 mil pessoas

Agência Lusa , AM
15 mai, 11:09
Idosos [Foto: Reuters]

Relatório “Portugal, Balanço Social 2023” mostra ainda que a “prevalência da pobreza é maior nas regiões autónomas”

O risco de pobreza em Portugal subiu para 17% em 2023, o que fez com que mais 60 mil pessoas ficassem em risco de ficar pobres, uma realidade que afetou principalmente as mulheres, revela o relatório “Portugal, Balanço Social 2023”.

De acordo com os dados do relatório, que é apresentado hoje publicamente, e inclui alguns dados preliminares do Inquérito aos Rendimentos e Condições de Vida (ICOR), do Instituto Nacional de Estatística (INE), relativo a 2023, a taxa de risco de pobreza aumentou 0,6 pontos percentuais entre 2022 e 2023, passando de 16,4% para 17%.

“O número de pessoas em risco de pobreza aumentou 60 mil”, lê-se no relatório, da responsabilidade dos investigadores Susana Peralta, Bruno P. Carvalho e Miguel Fonseca, da Nova School of Business & Economics.

Este aumento significa que em 2023 o número de pessoas a viver em risco de pobreza ultrapassou as 1,77 milhões.

De acordo com a análise feita, “a taxa de pobreza aumentou principalmente entre as mulheres, com um aumento de 0,9 pontos percentuais em 2023”.

Refere também que “o aumento na prevalência da pobreza reflete-se em todos os grupos etários, principalmente entre as crianças, cuja taxa de pobreza aumentou 2,2 pontos percentuais face a 2022”.

Os dados do relatório mostram que a “prevalência da pobreza é maior nas regiões autónomas”, onde também há mais privação material e social e desigualdade na distribuição do rendimento.

“A taxa de pobreza está quase 10 pontos percentuais acima da média nacional na Madeira, a região com maior taxa de pobreza em Portugal, e nove pontos percentuais acima da nacional nos Açores”, lê-se no relatório.

Acrescenta que a taxa de privação material e social severa desceu em todas as regiões do país entre 2021 e 2022, com exceção dos Açores.

Por outro lado, dá conta de que aumentaram as desigualdades de rendimento, apontando que no ano passado “os 25% mais ricos detinham cerca de 47% da riqueza do país, a comparar com os 25% mais pobres, que detinham apenas 10,8%”.

Com referência a 2022, o relatório refere que o limiar de pobreza estava nos 551 euros mensais e que a pobreza era mais comum entre as pessoas desempregadas (41,3%), as famílias monoparentais (29,9%) e as pessoas com níveis de escolaridade mais baixos (21,9%).

Na pobreza também há desigualdade de género e “as mulheres têm maior taxa de risco de pobreza que os homens (16,8% vs 15,9%)”.

Refere que a taxa de risco de pobreza entre as pessoas que trabalham com contrato temporário “é quase o triplo” (20,6%) da registada entre quem trabalha com contrato sem termo (7,4%).

Por outro lado, quatro em cada dez pessoas desempregadas são pobres, uma realidade que afeta uma em cada dez pessoas empregadas.

“O risco de pobreza também é mais elevado para os estrangeiros (28,5%) comparado com os locais (16,1%)”, aponta o Balanço Social.

Destaca igualmente que a pessoas pobres têm “carências habitacionais bastante marcadas” e que, em 2022, 20,5% das famílias pobres viviam em casas sobrelotadas, por oposição a 7,2% da população que não é pobre, ao mesmo tempo que os “encargos habitacionais excessivos” afetam sobretudo as famílias em risco de pobreza.

“Cerca de 33,9% dos agregados pobres em Portugal têm encargos com a habitação que excedem 40% do rendimento do agregado (face a 6,6% da população não pobre)”, lê-se no relatório.

O relatório analisa também a saúde mental e bem-estar para dar conta de que a maioria das pessoas em risco de pobreza (quase 60%) faz pouco exercício físico, come pouca fruta ou legumes, ao mesmo tempo que assume hábitos menos saudáveis, como fumar (o consumo elevado de tabaco é mais significativo entre a população pobre) ou beber bebidas alcoólicas.

As pessoas pobres têm menos satisfação com a vida do que as pessoas não pobres e 16% afirmam sentir-se raramente felizes.

No dia-a-dia, os pobres enfrentam dificuldades de visão (29%), de caminhar (15%) e de concentração (24%).

Portugal teria quase meio milhão de crianças pobres sem prestações sociais

Sem o pagamento de prestações sociais, haveria perto de meio milhão de crianças pobres em Portugal, alertou a economista Susana Peralta, que defendeu mais apoios em rendimento, mas também de combate à privação habitacional e ensino pré-escolar universal.

Segundo o relatório “Portugal, Balanço Social 2023”, da autoria de Susana Peralta, Bruno P. Carvalho e Miguel Fonseca, da Nova School of Business & Economics, e que é apresentado hoje, “as crianças são um dos grupos da população mais vulnerável a situações de pobreza e exclusão social”.

“A taxa de risco de pobreza entre as crianças diminuiu entre 2021 e 2022 (de 20,4% para 18,5%), pelo que ainda há mais de 302 mil menores pobres em Portugal”, lê-se no relatório.

No entanto, alertou a economista Susana Peralta, “na ausência de qualquer transferência social, sem pensões, sem abono de família, sem rendimento social de inserção, a taxa de pobreza entre as crianças seria de 30%”.

“Portanto, haveria praticamente uma em cada três que seria pobre”, sublinhou, em declarações à Lusa, acrescentando que isso significaria mais de 493 mil crianças pobres.

“Uma em cada três é muita pobreza infantil, quer dizer que há alguma coisa que não estamos a fazer bem”, defendeu.

Susana Peralta apontou duas razões para serem as famílias com filhos as que apresentam maior tendência para serem pobres, desde logo o facto de uma ou mais crianças no agregado condicionarem a participação dos adultos no mercado de trabalho e, por outro lado, porque o mesmo rendimento mensal passa a dividir-se por mais pessoas.

Defendeu, por isso, mais transferências sociais dirigidas às famílias, uma vez que as crianças não geram rendimento.

Sublinhou que o facto de uma criança nascer e crescer numa família pobre gera mecanismos de transmissão intergeracional de pobreza e isso tem impacto na capacidade das pessoas em “solidificarem as suas competências” que, mais tarde, lhes dá ou não sucesso no percurso escolar e no mercado de trabalho.

“Isso é problemático. Quer dizer que deveríamos ter um Estado social muito mais dirigido às crianças. Não apenas do ponto de vista do rendimento, mas também do ponto de vista das condições habitacionais porque vimos que as crianças vivem em situações de maior privação habitacional”, defendeu.

Denunciou, por outro lado, a desigualdade no acesso às creches e ao ensino pré-escolar, uma vez que quase sete em cada dez crianças pobres não conseguem uma vaga, uma realidade que “torna Portugal um caso bastante especial no contexto da União Europeia”.

Segundo a economista, os poucos lugares em creches estão “a ser usados desproporcionalmente pelas famílias mais ricas” e isso “é, de facto, completamente absurdo” porque “deveria ser exatamente o contrário”.

Sublinhou que esta avaliação não tem ainda em conta o programa “Creche Feliz”, que trouxe a gratuitidade em creche para as crianças nascidas a partir de 01 de setembro de 2021.

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