O primeiro dia da visita do Papa a Portugal ficou marcado pelo encontro com 13 das vítimas de abusos sexuais na Igreja. Um encontro que decorreu ao início da noite de quarta-feira, fora da agenda pública e longe dos olhares mediáticos, no qual estiveram também presentes responsáveis de algumas instituições
Mais do que acolher, a Igreja deve escutar os gritos das vítimas de abusos sexuais às mãos do clero. A mensagem deixada pelo Papa Francisco na primeira homilia que fez em Portugal ecoou no Mosteiro dos Jerónimos como um prenúncio daquilo que viria a acontecer pouco tempo depois na Nunciatura Apostólica de Lisboa: o líder católico recebeu 13 vítimas de abusos sexuais por membros da Igreja. Um encontro reservado, que decorreu ao início da noite de quarta-feira, fora da agenda pública e longe dos olhares mediáticos. Estiveram também presentes nessa reunião responsáveis de algumas instituições, como Rute Agulhas, coordenadora do grupo VITA. À CNN Portugal, a psicóloga descreve um encontro carregado de simbolismo e de emoção.
“Descrevo este encontro como um encontro muito emocionante. Houve aqui uma ativação emocional muito forte em todas as 13 vítimas, que tiveram a oportunidade de partilhar a sua situação e de ouvir o Papa a falar com cada uma delas. (...) Havia, de facto, uma disponibilidade emocional muito grande, sem pressas, sem atenção ao tempo e, por isso, cada pessoa teve o seu momento, a sua oportunidade de partilhar aquilo que entendeu, foi escutada", conta a psicóloga
Francisco escutou e, no final, pediu perdão. Em nome pessoal e em nome da Igreja. "No fim, todos nós ouvimos algumas palavras do Santo Padre, que pediu perdão, com vergonha, em seu nome pessoal e em nome da Igreja. E encorajou todos a continuar o seu caminho, apesar das cicatrizes que permanecem", revela Rute Agulhas.
Para a psicóloga, este encontro representa um momento de "alguma reparação e de alguma tranquilidade" para estas pessoas, que saíram de lá "mais serenas, mais em paz, mais reencontradas com a sua fé".
"Sabemos que a maior parte das vítimas de violência sexual neste contexto deixam de acreditar em Deus, perdendo a sua fé e abalando os pilares da sua própria identidade porque estamos a falar de pessoas que desde muito pequeninas cresceram e foram educadas na fé cristã e que, de repente, se veem confrontadas com uma situação destas. Para algumas destas pessoas, este encontro permite também reforçar as suas crenças religiosas e voltar a acreditar", completa.
O Papa Francisco recebeu ainda testemunhos escritos de outras vítimas que não puderam estar presentes fisicamente, mas que pediram para que as suas histórias chegassem, também elas, ao líder da Igreja Católica. Testemunhos que dão voz às mais de 4.800 vítimas de abusos sexuais por responsáveis da Igreja em Portugal. A estimativa consta no relatório da comissão independente criada para o estudo destes casos, que foi divulgado este ano. Um escândalo que o chefe de Estado do Vaticano abordou logo no primeiro dia desta Jornada Mundial da Juventude: o Papa reconheceu a vergonha e a raiva e pediu à Igreja portuguesa que seja um "porto seguro" para todos os que têm de passar "pelos naufrágios e pelas tempestades da vida".