Ucrânia não está a conseguir travar os avanços diários da Rússia na guerra, apesar de "algumas posições mudarem de mãos várias vezes por dia"

CNN , Andrew Carey e Olga Voitovych
29 abr, 17:27
Avdiivka (AP Photo)

A Rússia está a conseguir ganhos táticos diários no leste da Ucrânia, enquanto as preocupações giram em torno dos relatórios militares ucranianos

As tropas de Vladimir Putin obtiveram novos ganhos em pelo menos três locais ao longo da frente oriental da Ucrânia - incluindo, pela primeira vez em vários meses, um avanço na região de Kharkiv, no norte do país -, expondo a necessidade de Kiev de munições e armas dos Estados Unidos e de outros aliados.

Os avanços táticos da Rússia são agora diários e refletem o novo ritmo no campo de batalha desde a queda da cidade industrial de Avdiivka em fevereiro.

Os ganhos são geralmente modestos - desde algumas centenas de metros de território até, no máximo, um quilómetro - mas estão a ocorrer em várias zonas ao mesmo tempo.

Entretanto, as perdas da Ucrânia estão a ser acompanhadas por críticas de influentes bloggers e analistas militares às atualizações oficiais das forças armadas no campo de batalha.

Um dos principais esforços da Rússia é na região de Donetsk. O grupo de monitorização ucraniano DeepState, que atualiza diariamente as mudanças nas posições da linha da frente, mostra as forças russas a avançar em oito locais diferentes ao longo de 20-25 km da linha da frente num período de 24 horas.

Os bloggers militares de ambos os lados informaram que as forças russas atravessaram um curso de água e assumiram o controlo das povoações de Semenivka e Berdychi - o que o comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Oleksandr Syrskyi, confirmou numa mensagem publicada no Telegram no domingo. A Rússia tinha destacado até quatro brigadas em operações ofensivas na área, disse Syrskyi.

Alguns quilómetros a norte, Soloviove está agora também nas mãos dos russos e a pequena povoação de Keramik, pelo menos em parte, também.

"A retirada na zona operacional de Donetsk continua", escreveu o blogger militar ucraniano Myroshnykov.

Um pouco mais a sul, as forças russas também estão a avançar na cidade industrial de Krasnohorivka, entrando pelo sul e pelo leste.

Foram registados combates ferozes em torno da grande fábrica de tijolos da cidade. Um blogger militar russo escreveu sobre a importância da batalha: "A libertação da fábrica significaria, na verdade, a queda da fortificação de Krasnohorivka, uma vez que a periferia norte da povoação é constituída por edifícios privados, que serão demasiado difíceis de defender se a fábrica for perdida."

Noutro local, cerca de 180 km a norte, as forças russas também obtiveram os seus primeiros êxitos em quase três meses na parte da linha da frente que atravessa a região de Kharkiv.

Um porta-voz do exército ucraniano descreveu as forças russas como tendo-se tornado "significativamente mais ativas", enquanto o DeepState fala num avanço russo de um a dois quilómetros para a aldeia de Kyslivka.

De um modo geral, as linhas da frente nesta região têm estado entre as mais estáveis desde que a Ucrânia recapturou uma grande faixa de território na região de Kharkiv no final do verão de 2022.

Trabalhadores dos serviços públicos limpam o resultado de um ataque com rockets russos durante a noite na cidade ucraniana de Kharkiv, em 27 de abril. Stringer/Anadolu via Getty Images

Críticas às comunicações militares

Com as retiradas e as perdas a acumularem-se, bloggers militares como Myroshnykov e o site DeepState criticaram as comunicações oficiais ucranianas, acusando as forças armadas de atualizações cada vez menos realistas do campo de batalha.

O DeepState, num post no Telegram, publicou um vídeo de um soldado russo morto num ataque de drone na aldeia de Soloviove - mas usou as imagens para argumentar que incidentes isolados podem mascarar o quadro geral, o que acusou os militares de também o fazerem.

"Podem ver com prazer, para sempre, o vídeo de um soldado russo a ser feito em pedaços", escreveu o DeepState, "mas nas proximidades há outro local que requer atenção: moscovitas movendo-se calmamente pela aldeia, mantendo-a sob controlo". "As Forças de Defesa (ucranianas) infligem-lhes danos causados pelo fogo, e pode-se repetir pelo menos mil milhões de vezes (na televisão nacional) que dois terços da aldeia estão sob o controlo dos militares ucranianos, mas a imagem da realidade é completamente diferente", acrescentou.

Edifícios destruídos em Ocheretyne, perto de Avdiivka, na região ucraniana de Donetsk. Anatolii Stepanov/AFP/Getty Images

Esta avaliação - de que dois terços da aldeia de Soloviove estavam sob controlo ucraniano - foi feita por Nazar Voloshyn, porta-voz do grupo estratégico-operacional Khortytsia, na televisão ucraniana no sábado. A aldeia vizinha de Ocheretyne também continua a ser controlada em dois terços pela Ucrânia, que tem tudo sob controlo, segundo a mesma fonte.

Por seu lado, o DeepState tem uma visão diferente, avançando que as tropas russas controlam o centro da aldeia de Ocheretyne, incluindo a estação ferroviária, há pelo menos três dias. Na semana passada, o site de monitorização fez uma queixa semelhante contra os militares, acusando "alguns porta-vozes" de incompetência.

O líder do exército ucraniano, Syrskyi, pareceu abordar estas preocupações na sua mensagem de domingo no Telegram, sugerindo que os mal-entendidos se deviam à fluidez dos acontecimentos.

"Há uma mudança dinâmica na situação, algumas posições mudam de mãos várias vezes por dia, o que dá origem a um entendimento ambíguo da situação", escreveu.

Mas também reconheceu que a situação geral da Ucrânia se tinha deteriorado.

"A situação na frente de batalha agravou-se. Tentando tomar a iniciativa estratégica e romper a linha da frente, o inimigo concentrou os seus principais esforços em várias direções, criando uma vantagem significativa em termos de forças e de meios", acrescentou.

Militares ucranianos num veículo blindado regressam do campo de batalha de Semenivka, perto de Avdiivka, a 4 de março. Narciso Contreras/Anadolu via Getty Images

A Rússia obteve pela última vez pequenos ganhos na região no final de janeiro e início de fevereiro, mas o DeepState dá conta de um novo avanço de um a dois quilómetros para a aldeia de Kyslivka. De um modo geral, as linhas da frente nesta região têm estado relativamente estáveis desde que a Ucrânia recapturou uma grande faixa de território na região de Kharkiv no final do verão de 2022.

As forças russas estão também a avançar a oeste da cidade de Donetsk, entrando na cidade industrial de Krasnohorivka a partir do sul e do leste.

Moradores sentados à entrada de um edifício de apartamentos destruído por bombardeamentos russos em Ocheretyne, a 15 de abril. Anatolii Stepanov/AFP/Getty Images

Mais contratempos a curto prazo

Muitos analistas ocidentais, bem como responsáveis ucranianos, consideram que o atual ritmo acelerado da Rússia é precursor de uma grande ofensiva no final da primavera. Presume-se também que Moscovo quer tirar partido da sua vantagem significativa em termos de munições antes que as armas dos EUA - autorizadas na semana passada após seis meses de impasse político - cheguem à linha da frente.

O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), think tank norte-americano, antecipa que haverá mais reveses a curto prazo para a Ucrânia, embora sem grandes derrotas estratégicas.

"É provável que as forças russas obtenham ganhos táticos significativos nas próximas semanas, enquanto a Ucrânia espera que a assistência dos EUA chegue à frente de batalha, mas é pouco provável que consigam dominar as defesas ucranianas", escreveu o ISW.

A outra grande fraqueza quantitativa da Ucrânia, que também ajuda a explicar as recentes trajetórias no campo de batalha, é a mão de obra. No próximo mês entra em vigor uma nova lei de mobilização, que deverá melhorar os processos de recrutamento. Mas Kiev tem-se mostrado muito relutante em dizer claramente de quantos mais soldados precisa, enquanto Moscovo continua a aumentar os números.

"A qualidade (dos combatentes russos) varia, é claro, mas a vantagem quantitativa é um problema sério", argumentou Rob Lee, do Foreign Policy Research Institute, think tank norte-americano, no X.

"Sem a vantagem em termos de efetivos, a vantagem da artilharia e do poder aéreo da Rússia não seria suficiente para a Rússia obter ganhos no campo de batalha. A situação relativa dos efetivos é provavelmente o fator mais importante que determinará a trajetória da guerra, especialmente se a Rússia conseguir manter o recrutamento de 20-30 mil pessoas por mês", defendeu Lee.

*Yulia Kesaieva, Maria Kostenko e Victoria Butenko contribuíram para este artigo

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