"A NATO está preocupada" com o corredor de Suwalki mas "não vale a pena espicaçar o urso"

23 abr, 08:00
Janek Skarzynski/AFP via Getty Images

Para os analistas militares, esta região seria o epicentro de um conflito entre a Rússia e a NATO

São os maiores exercícios militares da NATO desde o fim da Guerra Fria. Mais de 90 mil soldados de 30 países estão a “testar cenários e táticas defensivas” para uma possível ofensiva russa ao longo da frente leste da aliança. É “uma demonstração de força” da NATO, que enviou para o local “mais perigoso da fronteira”, o chamado corredor de Suwalki, 146 fuzileiros portugueses.

“A NATO está preocupada com esta região e quer demonstrar que as forças da NATO estão prontas para defender-se contra qualquer ameaça russa. Este território é o cordão umbilical entre a Rússia e Kaliningrado. Se houvesse um conflito entre a NATO e a Rússia, esta região seria palco de sangrentas batalhas”, alerta o major-general Isidro de Morais Pereira.

Isto deve-se ao facto de a ligação terrestre entre o continente europeu e os países bálticos ser feito através desta estreita faixa de território com pouco mais de 60 quilómetros de largura. Através deste território, que liga a Polónia à Lituânia, passam diariamente mais de oito mil camiões, ligando comercialmente a região ao resto da Europa. Segundo os especialistas militares, este território pode mesmo ser uma grande vulnerabilidade para a Aliança.

Esmagado entre o território da Bielorrússia e o exclave russo de Kaliningrado, os planeadores militares da NATO acreditam que este é um dos principais focos dos planos de Moscovo em caso de conflito com a aliança. Ligar Kaliningrado à Bielorrússia significaria cortar o acesso terrestre da NATO à Lituânia e, por consequência, aos restantes países do Báltico. Do ponto de vista militar, esta situação seria catastrófica para estes países.

Enclave de Kaliningrado e o corredor de Suwalki (CNN Portugal)

De acordo com documentos militares avaliados pelo Ministério da Defesa da Alemanha, este ponto do território é o calcanhar de Aquiles da aliança e obrigaria os países aliados a destacar militares para a região para evitar o pior cenário previsto pelos analistas: o isolamento da Estónia, Letónia e Lituânia.  

“A importância deste corredor é grande e é por isso que a NATO está a fazer esta demonstração de força. A NATO tem de mostrar que está viva e tem força para resistir, caso a Rússia queira invadir. Admito que a Rússia pudesse tomar conta do corredor de Suwalki num ataque surpresa, mas tenho muitas dúvidas que o consiga manter a longo prazo. A NATO é superior”, considera Isidro de Morais Pereira.

Na perspetiva russa, em caso de guerra com a NATO, esta região seria fundamental para garantir que o exclave de Kaliningrado não fica completamente cercado por forças aliadas. A região russa é altamente militarizada e tem costa virada para o Mar Báltico. Porém, com a recente entrada da Suécia e da Finlândia na NATO, quase toda a costa deste mar pertence a países aliados. Isto significa que um potencial fornecimento a Kaliningrado por via marítima seria bastante perigoso.

As autoridades russas descrevem este exclave como como “um porta-aviões impossível de afundar” no mar Báltico e que permite atrapalhar os planos militares da NATO naquela região. Desde os primórdios da ocupação soviética que a cidade se tornou num importante polo militar russo, com várias unidades militares destacadas permanentemente na cidade, que também serve como casa da frota do mar Báltico. Segundo as autoridades da Lituânia, a Rússia tem armas nucleares no território do enclave e, embora não confirme a sua presença, Moscovo tornou público a existência de uma unidade militar especializada em mísseis capazes de disparar ogivas nucleares.

“O mar Báltico tornou-se um lago da NATO e o apoio por mar seria quase impossível para a Rússia. Kaliningrado ficaria em risco de ficar sem abastecimento. Mas também pode ser uma vulnerabilidade para a aliança. Por isso é preciso estarmos prontos e prepararmo-nos para um possível conflito”, explica Isidro de Morais Pereira.

Para o major-general Agostinho Costa este exercício acontece por existência do grupo de países que descreve como “falcões”: a Polónia e a Lituânia. Para o major-general, estes dois países que se sentem ameaçados querem “arrastar a aliança para um conflito” com a Rússia.

Tanto a Polónia como a Lituânia têm sido dos países mais ativos do ponto de vista do rearmamento na região. Recentemente, a Lituânia recebeu um destacamento permanente de quase cinco mil soldados alemães e prepara-se para inaugurar fábricas de munições. Por seu lado, Varsóvia colocou em marcha em 2022 um ambicioso processo de armamento e tem como objetivo tornar-se o maior exército da Europa.

Para o major-general Agostinho Costa, este exercício multinacional da NATO corre o risco de ser lido em Moscovo como uma provocação, num momento em que a tensão já é bastante elevada. “Este exercício é uma provocação de mau gosto. É brincar com o fogo. A tensão entre a NATO e a Rússia é muito alta. É preciso ter bom senso e não apagar incêndios com gasolina. Esta arrogância pode sair-nos cara”, alerta.  

Há muito que a Rússia critica a presença de países da NATO ao redor de Kaliningrado, particularmente depois da adesão da Lituânia, Estónia e Letónia à aliança. “Moveram a infraestrutura da NATO para junto das nossas fronteiras”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, à CNN em 2015, após terem surgido rumores de que a Rússia tinha levado para a região mísseis Iskander com capacidade nuclear. “E este território não é dos Estados Unidos.”

Desde então, a Rússia nunca admitiu possuir armas nucleares em Kaliningrado, mas, em 2018, a Federação de Cientistas Americanos concluiu que a Rússia modernizou significativamente um bunker de armazenamento de armas nucleares na região, com base na análise de imagens de satélite.

“A NATO quer fazer uma demonstração de força, mas o problema não é a NATO, são os países bálticos e a Polónia que nos querem arrastar para um confronto direto com a Rússia. São gente que não tem noção dos riscos que estão a incorrer. Não vale a pena espicaçar muito o urso, muito menos um país como Portugal”, frisa Agostinho Costa.

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