O discurso do Papa Francisco perante meio milhão de jovens - na íntegra

António Guimarães , (notícia atualizada)
3 ago 2023, 18:44

Líder da Igreja Católica discursou para centenas de milhares de jovens em Lisboa

Foi no meio da euforia de meio milhão de peregrinos que o Papa Francisco foi recebido no Parque Eduardo VII, em Lisboa, onde celebrou a cerimónia de acolhimento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

Num discurso longo e pausado, o líder da Igreja Católica focou-se no “nome”, transpondo essa realidade para a atualidade. Quer o Papa que cada fiel tenha um nome, mas que não esconda essa identidade atrás de redes sociais ou perfis.

“O teu nome é conhecido, aparece nas redes sociais, é processado por algoritmos que lhe associam gostos e preferências”, disse.

Mas o Papa também quer espaço para a tolerância. Para que todos se sintam acolhidos na Igreja Católica, que continua a enfrentar divisões, nem sempre acolhendo de forma unânime comunidades como as pessoas LGBTQI+.

Francisco cita uma das cartas enviadas pelos jovens. Uma menina que se confessava “assustada” por haver pessoas que não a aceitam e que acham que não há lugar para ela na Igreja. Motivo para o Papa se dirigir a quem é “alérgico às falsidades e a palavras vazias”.

“Na Igreja há espaço para todos e, quando não houver, por favor façamos com que haja, mesmo para quem erra, para quem cai, para quem sente dificuldade”, reiterou.

DISCURSO NA ÍNTEGRA

Queridos jovens, boa tarde!

Sede bem-vindos e obrigado por estardes aqui. Fico feliz por vos ver e também por escutar o simpático barulho que fazeis, contagiando-me com a vossa alegria. É bom estarmos juntos em Lisboa: para aqui fostes chamados por mim, pelo Patriarca, a quem agradeço as suas palavras, pelos vossos Bispos, sacerdotes, catequistas e animadores. Agradeçamos-lhes por isso com uma grande salva de palmas! Mas foi sobretudo Jesus quem vos chamou: agradeçamos-Lhe!

Amigos, não estais aqui por acaso. O Senhor chamou-vos, não só nestes dias, mas desde o início dos vossos dias. Sim, Ele chamou-vos pelo nome. Chamados pelo nome: tentai imaginar estas três palavras escritas em letras grandes e, em seguida, pensai que estão escritas dentro de vós, nos vossos corações, como que formando o título da vossa vida, o sentido do que sois: tu és chamado pelo nome, tu és chamada pelo nome, eu sou chamado pelo nome. Ao princípio da teia da vida, ainda antes dos talentos que possuímos, das sombras e feridas que carregamos dentro de nós, recebemos um chamamento. Chamados, porque amados. Aos olhos de Deus somos filhos preciosos, que Ele cada dia chama para abraçar e encorajar; para fazer de cada um de nós uma obra-prima única e original, cuja beleza mal conseguimos vislumbrar.

Nesta Jornada Mundial da Juventude, ajudemo-nos a reconhecer esta realidade essencial: sejam estes dias ecos vibrantes da chamada amorosa de Deus, porque somos preciosos a seus olhos, apesar do que às vezes os nossos olhos veem, enevoados pela negatividade e ofuscados por tantas distrações. Sejam dias em que o teu nome, através de irmãos e irmãs de muitas línguas e nações que o pronunciam com amizade, ressoe como uma notícia única na história, porque único é o pulsar do coração de Deus por ti. Sejam dias para fixar no coração que somos amados tal como somos. Este é o ponto de partida da JMJ, mas sobretudo da vida.

Chamados pelo nome: não é um simples modo de dizer, é Palavra de Deus (cf. Is 43, 1; 2 Tm 1, 9). Amigo, amiga, se Deus te chama pelo nome significa que, para Ele, não és um número, mas um rosto. Quero fazer-te notar uma coisa: muitos, hoje, sabem o teu nome, mas não te chamam pelo nome. Com efeito, o teu nome é conhecido, aparece nas redes sociais, é processado por algoritmos que lhe associam gostos e preferências. Mas tudo isso não interpela a tua singularidade, mas a tua utilidade para pesquisas de mercado. Quantos lobos se escondem por trás de sorrisos de falsa bondade, dizendo que conhecem quem és, mas sem te querer bem, insinuando que creem em ti e prometendo que serás alguém, para depois te deixarem sozinho, quando já não lhes fores útil. São as ilusões do mundo virtual e devemos estar atentos para não nos deixarmos enganar, porque muitas realidades que nos atraem e prometem felicidade mostram-se depois pelo que são: coisas vãs, supérfluas, substitutos que deixam o vazio interior. Jesus, não! Ele tem confiança em ti, para Ele tu contas.

E assim nós, sua Igreja, somos a comunidade dos chamados: não dos melhores – não, absolutamente não –, mas dos convocados, de quantos acolhem, juntamente com outros, o dom de ser chamados. Somos a comunidade dos irmãos e irmãs de Jesus, filhos e filhas do mesmo Pai. Nas cartas que me enviastes (são lindas, obrigado!), dissestes: "Assusta-me porque sei que há pessoas que não me aceitam e que acham que não há um lugar para mim (...), eu própria chego a questionar-me se há um lugar para mim ou não". E ainda: "sinto que na minha paróquia não há espaço para errar». Amigos, quero ser claro convosco, que sois alérgicos às falsidades e a palavras vazias: na Igreja há espaço para todos e, quando não houver, por favor façamos com que haja, mesmo para quem erra, para quem cai, para quem sente dificuldade. Porque a Igreja é, e deve ser cada vez mais, aquela casa onde ressoa o eco da chamada pelo nome que Deus dirige a cada um. O Senhor não aponta o dedo, mas alarga os braços: assim no-Lo mostra Jesus na cruz. Não fecha a porta, mas convida a entrar; não mantém à distância, mas acolhe. Nestes dias transmitamos a sua mensagem de amor, que liberta o coração e deixa uma alegria que não desaparece. Como? Chamando os outros pelo nome. Perguntai o nome a quem encontrais e, depois, pronunciai o nome do outro com amor, acrescentando sem medo: "Deus ama-te, Deus chama-te". Lembrai-vos mutuamente que sois preciosos. E não temais ajuntar: "Irmão, irmã, é bom que tu existas". Acreditais nisto? Posso contar convosco?

Nesta tarde, vós também me fizestes perguntas, muitas perguntas. E perguntar, é bom; aliás muitas vezes é melhor que dar respostas, pois quem pergunta permanece "inquieto" e a inquietude é o melhor remédio contra a habituação, aquela normalidade rasteira que anestesia a alma. Por isso, gostaria de vos convidar a fazer uma segunda coisa nestes dias: as perguntas que trazeis dentro de vós, aquelas importantes que dizem respeito aos vossos sonhos, afetos, grandes anseios, à esperança e ao sentido da vida, não as guardeis para vós, mas colocai-as a Jesus. Chamai-O pelo nome, como Ele faz convosco. Levai-Lhe os vossos interrogativos e confiai-Lhe os vossos segredos, a vida dos vossos queridos, as alegrias e preocupações, e também os problemas do vosso país e do mundo inteiro. Então descobrireis uma coisa nova e surpreendente: quando se pergunta ao Senhor, quando se Lhe abre diariamente o coração, quando se reza de verdade, verifica-se uma reviravolta interior. Pois, no diálogo da oração, Deus não cessa de surpreender-te: já que Ele não é um motor de busca, mas o Amigo verdadeiro, não Se limita a dar respostas simples às perguntas que Lhe fazes, mas prefere em vez disso apresentar-te solicitações. Enquanto Lhe pedes o que precisas, começas a sentir dentro de ti outras questões, as d’Ele, que tocam os nervos descobertos da alma e desafiam para o bem, atraem para um amor maior e levam o coração a dilatar-se. Assim Deus entra em diálogo connosco e faz-nos maturar naquilo que verdadeiramente conta: dar a vida.

Foi isto que aconteceu no Evangelho que escutamos: os discípulos, que ainda há relativamente pouco tempo viviam com Jesus, lá permaneciam à espera de respostas. E que faz Ele? Uma surpresa: envia-os em missão. Envia-os sem uma preparação adequada, sem seguranças, sem «bolsa, nem alforge, nem sandálias": confia tanto neles que os envia «como cordeiros para o meio de lobos" (Lc 10, 3.4). E Jesus deposita a mesma confiança em vós. Os discípulos voltaram, felizes, daquela aventura da missão. Amigos, há uma felicidade que Jesus preparou para vós, para cada um de vós: não passa por acumular coisas, mas por colocar em jogo a vida. Também a ti diz o Senhor: "Vai, porque há um mundo que precisa daquilo que tu, e só tu, lhe podes dar". Poderias replicar: "Mas o que é que eu posso levar aos outros?" Uma coisa só, uma notícia maravilhosa, a mesma que Ele confiou aos seus discípulos: "Deus está próximo" (cf. Lc 10, 9). Esta é a pérola preciosa da existência. Todos precisam de saber que Deus está próximo; espera apenas o mínimo aceno do coração para cumular de maravilha as nossas vidas.

Mas poderias ainda objetar: "Não sou capaz, tenho medo, não me fio!" Todos temos os nossos temores: o ponto em questão não está aqui, somos humanos! O busílis é o que havemos de fazer com os medos que temos. Deus chama-nos precisamente nos nossos medos, nos nossos fechamentos e solidões. Não chama aqueles que se sentem capazes, mas torna capazes aqueles que chama. O Senhor fez maravilhas com Abraão que era velho e já se sentia chegado ao fim, com Moisés que tinha medo de falar porque gaguejava, com Pedro que era impulsivo e errava com frequência, com Paulo que estava manchado por grandes culpas. Nenhum deles era perfeito, mas todos se uniram ao Senhor, "conectaram-se" com Ele. Aqui está o segredo: permanecer conectado com o Senhor. Dissestes-me numa das vossas cartas: "Reconheço em mim uma dificuldade cada vez maior em ter um olhar treinado, atento para as coisas do Céu". É verdade! Não é fácil, mas estamos aqui para nos treinar, criar rede e conectar-nos com a chamada de Deus.

Dispomos duma grande ajuda – uma Mãe – que, especialmente nestes dias, nos toma pela mão e indica o caminho: Maria. É a maior criatura da história! E não porque tivesse uma cultura superior ou habilidades especiais, mas porque nunca se separou de Deus. O seu coração não se deixou distrair nem poluir: foi um espaço aberto ao Senhor, sempre conexo com Ele. Teve a coragem de se aventurar pelos caminhos da Palavra de Deus e, assim, trouxe esperança e alegria ao mundo. Maria ensina-nos a caminhar na vida, mas sobre isto falaremos no sábado à noite. Por agora limitemo-nos a recordar o ponto de partida: somos todos chamados pelo Senhor, chamados porque amados. E façamos duas coisas: primeiro, chamemo-nos pelo nome e lembremos uns aos outros a beleza de ser amados e preciosos! Segundo: ponhamos as nossas questões a Jesus, que nestes dias espera muitas chamadas da nossa parte. Estejamos em conexão com Ele. Conectados com o amor, a alegria crescerá. Feliz JMJ!

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