O que aconteceu aos carros de duas portas?

CNN , Peter Valdes-Dapena
28 abr, 09:00
Este é o Diamond Jubilee Thunderbird da Ford, de 1978 (Bettmann Archive/Getty Images)

Entre nesta viagem, onde estilo e praticidade se batem entre si

Na década de 1990, ficou praticamente extinto um tipo de carro americano que existia há décadas. Grandes, pouco eficientes, pouco práticos, mas surpreendentemente vistosos e bonitos. Evocavam uma época do exagero americano.

Deste tipo de carros fazia parte o Chrysler Cordoba com os seus bancos de “couro corintiano” – enrole os R como Ricardo Montalbán fazia nos anúncios – o Buick Riviera, o Cadillac Eldorado e o Oldsmobile Toronado. (Os nomes com sonoridade espanhola também eram grandes). Conduzir um desses “carros pessoais de luxo” era uma afirmação sobre o seu gosto superior e, também, sobre o seu estilo de vida despreocupado, que não exigia a praticidade mundana das portas traseiras.

Hoje ainda existem carros de duas portas, claro. Mas quase todos são carros desportivos de alto desempenho, que não foram projetados para viagens confortáveis. Por sua vez, os “coupés [descapotáveis] pessoais de luxo” dos anos quarenta e cinquenta podem atingir preços mais elevados junto dos colecionadores de automóveis do que os veículos da mesma época com quatro portas - o que prova como continuam a fascinar.

“Acho que a expressão teve início na década de 1960”, afirmou Brian Rabold, da Hagerty, empresa dedicada a carros de coleção, sobre os “coupés pessoais de luxo”. “Mas o apogeu foi nos anos 70. Ainda havia algumas propostas, mas começaram a diminuir nas décadas de 80 e 90”.

Buick Riviera de 1963 (Bob D'Olivo/The Enthusiast Network/Getty Images)

O primeiro ecrã tátil

Compridos, baixos e elegantes, eram encarados como peças de design e tecnologia para as respetivas marcas. Em 1986, o Riviera disponibilizou o primeiro ecrã tátil na produção de um carro, segundo a GM. As empresas de automóveis podiam fazê-lo porque estes carros eram vendidos em número menor, mesmo naquela época, do que os modelos de quatro portas.

“Como os volumes de produção eram menores, era possível investir em tecnologia superior”, afirmou Kevin Kirbitz, antigo engenheiro da GM, que lidera agora a coleção de clássicos da empresa. “O preço já era, em si, superior”

Ao longo dos anos, estes carros deixaram a sua marca. Mesmo hoje, os modelos de duas portas americanos geram um certo fascínio nas feiras do setor automóvel. Com o seu longo capô, amplos cromados e duas enormes portas que permitem um acesso estranho ao banco traseiro – que até tem um tamanho razoável, se conseguir lá chegar -, continuam a ser encarados como uma forma de afirmação.

Para os designers de automóveis, os modelos de duas têm proporções mais marcantes, com as quais é possível brincar, capôs longos que evocam potência, bem como uma parte traseira cónica e aerodinâmica.

“Conseguem um para-brisas mais inclinado”, explicou Kirbitz. “Podem alcançar uma proporção mais longa”.

Muitos modelos eram disponibilizados com duas ou quatro portas. Hoje, os modelos de duas portas valem cerca de 67% mais para os colecionadores de carros, confirmando o apelo do estilo. É claro que alguém que compra um carro com 50 anos está certamente menos preocupado com os aspetos práticos do que os compradores do passado, apontou Rabold.

Entrar no Thunderbird

Os carros de duas portas existem praticamente desde que os próprios carros têm portas. Contudo, Rabold faz coincidir o grande crescimento do seu posicionamento no “luxo pessoal” com o Ford Thunderbird. Foi introduzido em 1955 como uma espécie de concorrente ao Chevrolet Corvette. O Thunderbird seguiu, de imediato, numa direção diferente. Enquanto o Corvette evoluiu para um carro desportivo conservador, os designers da Ford juntaram bancos traseiros e transformaram o Thunderbird num veículo confortável para viajar. O estilo conquistou logo.

Chrysler Cordoba de 1980 (Stellantis)

“Ditou um padrão, com muitos carros a surgir depois”, contou Rabold. “Cada fabricante automóvel tinha, na altura, de arranjar um modelo para competir naquele segmento”.

Os modelos de quatro portas continuavam a ser mais frequentes. Contudo, um carro de duas portas dizia muito sobre o seu dono, afirmou Scott Krugger, vice-presidente para a área de design da Dodge, do grupo Stellantis.

“Com o passar do tempo, os carros de duas portas tornaram-se uma forma de alguém se afirmar, de afirmar o seu desempenho, de afirmar como era especial. Por sua vez, os modelos de quatro portas evidenciam um lado prático, uma resposta às necessidades da família. Era assim que divergiam”, afirmou.Parte inferior do formulário

A série de espaçosos modelos de duas portas durou várias décadas. Mas, na década de 1990, algo mudou. Hoje é raro encontrar-se uma destas viaturas que não seja um modelo de alto desempenho, como o Mustang ou o Corvette. Até os carros mais económicos do mercado, como o Nissan Versa ou o Kia Rio, vêm com quatro portas. As portas traseiras, até nas carrinhas, são hoje um padrão.

Porque foram extintos?

Houve vários fatores a conspirar para levar os carros de duas portas ao seu atual estatuto como veículos de nicho. Primeiro, a ascensão dos SUV [utilitários desportivos] empurrou para as margens vários tipos de veículos, não importando o número de portas que eles têm. Os verdadeiros carros representam hoje menos de 20% de todos os veículos novos, segundo dados da Cox Automotive.

Além disso, as regras de segurança para o transporte de crianças tiveram, sem dúvidas, um papel importante, referiu Kirbitz. Na década de 1980, os assentos de segurança para crianças eram exigidos em todos os Estados Unidos da América. Foi assim que acabaram os dias em que era preciso rebater os bancos dianteiros para sentar as crianças lá atrás, com ou sem cinto de segurança.

Hoje, se tiver um carro de duas portas e filhos, também se arrisca a dar um jeito às costas. É preciso inclinar-se, de uma forma estranha, para conseguir prender as crianças no banco de trás. E, antes disso, para instalar a própria cadeirinha.

Embora os carros de duas portas costumassem ser vistos como pechinchas, hoje podem ser encontrados sobretudo em stands automóveis europeus dedicados ao setor do luxo.

A BMW e a Audi têm disponíveis modelos de duas portas, convertíveis, com capota rígida. A Mercedes-Benz acaba de apresentar o novo CLE Coupe. A marca mantém um carro não desportivo nos seus concessionários americanos porque, ignorando as questões práticas, ainda há mercado para ele. Ainda há clientes que valorizam o estilo, em detrimento dos aspetos práticos, afirmou Gorden Wagener, responsável pela área de design da Mercedes-Benz.

“Um carro é a representação de nós próprios e do nosso gosto”, afirmou. “E não há nada mais efetivo para mostrá-lo do que um coupé, certo?”.

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