João Rendeiro à CNN: “O advogado Carlos do Paulo” é que montou o plano de fuga

23 nov 2021, 17:58

Antigo banqueiro rejeita a ideia de ter elaborado um plano de fuga, e diz mesmo que a decisão de não regressar ao país foi tomada em Londres

Longe do país, João Rendeiro, garante que o seu plano de fuga foi pensado e criado pelo advogado Carlos do Paulo. Foi ele, diz na entrevista que deu à CNN Portugal, em colaboração com o Tal & Qual, que se “voluntariou” para “arranjar uma solução” para que não fosse preso, na sequência da condenação efetiva.

“Até setembro, eu não tinha plano de não regressar. Esse plano foi-me apresentado por um advogado que não é difícil saber qual foi", disse, confirmando depois a identidade do advogado a que se referia, jurista esse que "se voluntariou a apresentar uma solução".

O ex-presidente do Banco Privado Português (BPP) nega, assim, um planeamento feito a longo prazo, negando também as versões de que teria pensado ir para a Costa Rica.

João Rendeiro embarcou para Londres no fim de setembro, deixando depois a capital britânica num jato privado rumo a parte incerta. Nesse dia, contou em entrevista, uma procuradora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) viu-o a deixar o Aeroporto de Lisboa.

"Quando fui embora não estava determinado que não regressaria a Portugal. Na sala de embarque, onde embarquei para Londres, estava uma procuradora do DCIAP, que me viu perfeitamente a tomar um voo para Londres”, referiu, explicando que foi já depois de sair a Portugal que decidiu que não ia regressar.

O antigo banqueiro reafirma que não tinha um plano, acrescentando que a sua mulher não sabia que não ia regressar de Londres. Sobre a decisão de abandonar o país, fala num “direito de resistência perante uma Justiça injusta”.

Questionado sobre o atual paradeiro, o ex-banqueiro diz que “como é óbvio” não está no Belize, um dos muitos locais apontados como possíveis destinos.

Quem é Carlos do Paulo?

Um dia depois da fuga de João Rendeiro, Carlos do Paulo garantia, em entrevista à TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal), que não sabia do paradeiro do seu cliente.

O advogado disse que o ex-banqueiro é um homem livre, e que foi nessa condição que saiu do país.

"Eu não sei onde está João Rendeiro nem quero saber. A minha função é esclarecer o cliente dentro da lei”, afirmou.

Essas mesmas declarações resultaram na abertura de um processo disciplinar por parte da Ordem dos Advogados por alegado conflito de interesses.

Mas a ligação de Carlos do Paulo a João Rendeiro começou do outro lado da barricada. Depois da queda do BPP, o advogado representou os lesados do banco, atuando diversas vezes como porta-voz do grupo. O jurista nega ter sido representante, rejeitando também qualquer conflito de interesses ou incompatibilidade.

No entanto, Carlos do Paulo foi um dos organizadores de um protesto que, em 2009, juntou cerca de 100 clientes do BPP à porta da sede do banco, em Lisboa. O objetivo era recuperar o dinheiro investido pelos clientes.

Na altura, em declarações à agência Lusa, o advogado afirmava que a venda de património do BPP estava a ser feita "de forma camuflada e sub-reptícia".

Os processos de João Rendeiro

O nome de João Rendeiro já esteve implicado em quatro processos judiciais, todos com base na queda do BPP.

A última decisão data de 27 de setembro, quando o tribunal condenou o ex-banqueiro a três anos e seis meses de prisão efetiva por burla qualificada. No mesmo processo foram condenados ainda Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital, condenados a três e a dois anos e seis meses de prisão, respetivamente.

Na mesma decisão, os arguidos ficaram ainda obrigados a pagar uma indemnização de 235 mil euros a Júlio Mascarenhas, embaixador que moveu uma queixa que desencadeou este processo, depois de ter investido, em 2008, 250 mil euros em obrigações do BPP. Meses depois, a instituição liderada por João Rendeiro acabava por pedir um aval do Estado de 750 milhões de euros para repor a liquidez.

O embaixador exigia que os três antigos administradores pagassem uma indemnização de 377 mil euros, alegando que se sentiu enganado pela gestora de conta, que o terá convencido a fazer o investimento com base num produto com juros e capital garantido, e não num produto de risco. De acordo com a decisão do tribunal, Júlio Mascarenhas deve receber 10 mil euros por danos morais.

A única decisão transitada em julgado data de 17 de setembro, altura em que se confirmou a pena de cinco anos e oito meses de prisão para João Rendeiro. Em causa uma decisão última do Tribunal da Relação de Lisboa, que aceitou o recurso do Ministério Público, que pedia um agravar de oito meses de prisão em relação à pena aplicada inicialmente.

Em causa estão crimes de falsidade informática e falsificação de documentos, em coautoria. O processo estava relacionado com uma adulteração da contabilidade do BPP, numa verba que rondava 40 milhões de euros.

Em primeira instância, considerou o tribunal que os arguidos agiram com dolo direto, concluindo que João Rendeiro, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital tinham perfeito conhecimento da ocultação de dados ao Banco de Portugal.

Em maio de 2021 João Rendeiro conheceu a pena mais elevada, tendo sido condenado a 10 anos de prisão efetiva por crimes de fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais. Este foi um segundo processo do caso que começou por investigar crimes de falsidade informática e falsificação de documentos, cuja decisão foi conhecida a 17 de setembro.

Neste mesmo processo Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital foram condenados a nove anos e seis meses de prisão, enquanto Fernando Lima, também ex-administrador, foi condenado a seis anos de prisão.

No dia 9 de setembro de 2021, João Rendeiro foi absolvido pelo Tribunal da Relação de Lisboa num caso de burla qualificada, por supostas burlas a investidores que tinham colocado fundos no BPP.

A decisão confirmou a proferida em primeira instância, em 2015, tanto em relação a João Rendeiro, como a Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital.

Consideraram os juízes que o objetivo dos arguidos era gerar mais-valias e recuperar capital, não prevendo a crise financeira que se verificou na altura do colapso do BPP, e que surgiu na sequência da falência do Lehmann Brothers.

O colapso do BPP, banco vocacionado para a gestão de fortunas, aconteceu em 2010, já depois do caso BPN e antecedendo outros escândalos na banca portuguesa.

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