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Diretor executivo CNN Portugal

50 anos de democracia e isto: o empresário quer, o facilitador sonha, a obra nasce

10 nov 2023, 11:49
António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa

"Não há um ministro que não diga pela calada que investir neste país é um inferno, uma quase impossibilidade burocrática. E então inventam-se vias verdes como os PIN e criam-se autoestradas de cunhas por telefone para chegar à pessoa certa que desbloqueia o que dá errado", escreve Pedro Santos Guerreiro. "Assim prospera a indústria de facilitadores, de consultores, de advogados, de ex-ministros, de diretores-gerais soldados e de intermediários a soldo, comissionistas do desembaraço e amigos do seu amigo. E depois pergunta-se como é que este país não avança"

Um primeiro-ministro suspeito num processo-crime. Demite-se mas é obrigado a ficar durante meses, humilhado por um Presidente que antes humilhou. Escutas ao poder, buscas nos palácios, ministros arguidos, gabinetes onde se escondem maços de notas, chefes e consultores do Governo a dormir nos calabouços da polícia. Um Presidente da República suspeito de cunhas para tratamentos no SNS. Um SNS em dissolvência com médicos sem horas e horas sem médicos. Um Parlamento em dissolução onde o partido que mais cresce é o que acusa outro de roubar. Um líder da oposição que tem uma casa que não se sabe quanto custou nem como pagou. Uma justiça com armas sem cão e um Ministério Público suspeito de interferência política. 50 anos de democracia e isto.

Um Estado tomado por partidos de poder que distribuem os seus subordinados como chefes no Estado, em jobs e nepotismo às claras, parasitando os corpos que por isso mesmo vão ficando sem cabeças. Um Estado que, de ter sido tão exposto, cria tantas burocracias formais e visíveis para se defender que ao mesmo tempo se recriam canais paralelos informais e invisíveis para contornar essas mesmas burocracias. Sim, 50 anos de democracia e isto.

É isso que a investigação aos casos do lítio, hidrogénio e data center para já mostra. Não indícios concludentes mas uma cultura de informalidade e de absurdo institucional, em que se atropelam ou contornam procedimentos e regras que o próprio Governo aprova mas de que na verdade o próprio governo discorda. Não há um ministro que não diga pela calada que investir neste país é um inferno, uma quase impossibilidade burocrática. E então inventam-se vias verdes como os PIN e criam-se autoestradas de cunhas por telefone para chegar à pessoa certa que desbloqueia o que dá errado.

É um país cheio de Estado cheio de partidos cheios de dependentes, sem cultura de transparência nem de regulação, onde entre haver governantes corruptos ou haver justiça incompetente se teme o pior, onde não se sabe onde acaba o lóbi e começa o tráfico de influências, onde somos todos diferentes e ninguém é igual porque são os “contactos”, os “conhecimentos”, os “favores” que passam à frente da igualdade e do mérito, inclusivamente nos casos de mérito. Assim prospera a indústria de facilitadores, de consultores, de advogados, de ex-ministros, de parasitas, ténias e rémoras, de diretores-gerais soldados e de intermediários a soldo, comissionistas do desembaraço e amigos do seu amigo.

E depois pergunta-se como é que este país não avança, pergunta-se porque é que os extremos crescem como expressão do contra e a abstenção se afunda como expressão da desistência.

Nestes parágrafos não estão pessoas, estão instituições - e democracia nenhuma prospera sem instituições fortes e independentes, passe a redundância. Não é o que vemos. Não é o que temos. O sistema há de engalfinhar-se numa sujíssima campanha eleitoral e engalanar-se depois disso para uma celebração do 25 de Abril a que comparecerá em peso e sem remorso.

Celebrar a democracia é ao menos haver uma campanha eleitoral decente e irmos nós em peso às urnas. Isso sim será celebrar a democracia! Sem desistir nem consentir.   

Mas pronto, encomendem grinaldas de flores e mandem caiar as casas, os de agora descerrarão lápides e erguerão monumentos retóricos para cobrir a vergonha do que não se emenda. Ao menos citem os poemas certeiros e não os certos: Almada, pois “numa terra de manhosos não se pode chegar senão a uma terra de falsos prestígios”; Cesariny e o “país onde os homens são só até ao joelho” ou Jorge de Sena e a terra triste “cheia de afáveis para os estrangeiros que deixam moedas”; e se por exaltação citarem Pessoa, escolham aquele sobre como nasce a obra, porque aqui a obra só nasce se há facilitadores - ou porque, na verdade, aqui a obra não nasce, vegeta. E então sim, terminem com aquele “Senhor, falta cumprir-se Portugal!”

50 anos de democracia e isto. 25 de Abril sempre mas bem pergunta Jorge Sousa Braga: “Portugal estás a ouvir-me?”.

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